IMPRIME [-] FECHAR [x]

Passos N.109, Outubro 2009

Atualidade - Educação em Áquila

A cidade onde a cidade renasce

por Paolo Perego

Uma centena de voluntários de todas as partes da Itália. Duas barracas montadas no pátio de uma escola e um batalhão de crianças e adolescentes que ia crescendo dia após dia, um levando o outro... Sejam benvindos à Cidades dos Jovens, onde eles estudaram, brincaram e cantaram juntos durante todo o verão europeu. Ali, entre um “aperitivo irlandês” e uma aula de poesia, centenas de famílias atingidas pelo terremoto encontraram uma amizade sobre a qual é possível construir

Lorenzo está no terceiro ano do ensino médio no colégio Itis, de Colle Sapone. Olhos claros. Uma camiseta branca, sem mangas, e calças jeans pretas. É um rapper, e compõe músicas. Tem uma tatuagem no braço: “3.32 That was not my time”. Não era a minha hora. Está sentado com duas amigas na mesa do bar de um centro comercial que se manteve em pé depois do terremoto de 6 de abril, aquele que destruiu sua casa e sua cidade, Áquila. Uma tarde como tantas, quatro meses depois do terremoto. O ano escolar foi encerrado naquela noite em todas as escolas, algumas destruídas, a maior parte sem condições de uso. Mas hoje aconteceu um imprevisto. Um homem senta-se à mesa. Apresenta-se: Enrico. É um professor de matemática de Pescara, casado, com dois filhos. Ele lhe disse: “No pátio da sua escola tem duas cabanas. A ideia foi fazer um ponto de encontro onde vocês pudessem estudar com os professores...”. Na manhã seguinte, a mobilete de Lorenzo atravessa o pátio do complexo escolar de Colle Sapone. Um dos poucos parcialmente utilizáveis. Onde, sobre o que era antes o campo de futebol, duas estruturas de lona hospedam a Cidade dos Jovens. A segunda quinzena de julho começou assim para ele.
Vendo as estruturas do projeto, parece uma iniciativa de solidariedade como muitas outras. Mas a Cidade dos Jovens de Áquila conhece muitos milagres para quem esteve ali. Na origem, uma instituição que nasceu a partir de visitas aos acampamentos dos desabrigados. E a preocupação em poder ajudar concretamente os jovens que foram vítimas do terremoto em Áquila: “Não podemos reabrir as escolas, mas podemos ajudar os jovens a estudar”, disseram a si mesmos um grupo de professores e universitários que foram a Áquila para ajudar os desabrigados.
Nasceu, assim, a Cidade. No âmbito de um projeto educativo chamado “Recomeçar da Beleza”, viabilizado pela Diesse (Didática e Inovação Escolástica: centro para a formação e para a atualização), uma associação que reúne professores de todas as partes da Itália, mantida pelo Ministério da Educação. Era preciso partir nos primeiros dias de julho devido à dificuldade para encontrar um local adequado, à confusão do G8 na província de Abruzzo, além de questões ligadas à gestão dos voluntários... Um obstáculo atrás do outro. No fim “apareceram” duas estruturas de ferro que, em junho, foram usadas para os exames escolares. E os trabalhos começaram. Os números? “Em oito semanas, de 12 de julho a 29 de agosto, dia em que se concluiu essa aventura, passaram por nós uma centena de voluntários de todo o país, entre professores e universitários, alternando-se em turnos de duas semanas. Gratuitamente, renunciando às férias. E um total de mais de cem jovens da região, entre 5 e 18 anos, participaram do projeto. São os que ficaram em Áquila – alguns morando em cabanas, outros em trailers –, mas também aqueles que não tiveram suas casas destruídas”, explica Carlo Di Michele, diretor escolar de Pescara, um dos responsáveis pela Cidade.

Mesmo aos 40 graus. Nós estivemos em Colle Sapone em julho, quando a Cidade dos Jovens estava nascendo. Enrico Cipollone, responsável local, percorreu Áquila com outros 20 voluntários para encontrar os jovens e convidá-los com panfletos. Na ocasião, foram trinta inscritos. E, desses, nenhum desistiu depois de dois meses. Todos os dias, quando possível, debaixo daquelas cabanas. Mesmo com uma temperatura de 40 graus. Pego nas mãos as anotações sobre aqueles dias: “Nicola, professor de filosofia de Como, está afinando o violão. São nove horas da manhã. Os jovens chegarão em instantes. Enrico precisa resolver com a Defesa Civil o problema da limpeza dos banheiros montados atrás das cabanas. Peppiniello, com Claudio e Pietro arrumam as cadeiras. As duas Veras organizam os livros de cantos. Chegam, também, Claudia, Enrico, Luca, Maurizia, Francesca...”. O dia começa para todos os voluntários com uma missa em uma pequena igreja de madeira construída pelos alpinos, fora da cidade. Alguém na outra cabana, já enfeitada para o “aperitivo irlandês” que acontecerá no final da tarde, arruma as mesas para o estudo da manhã. É preciso ir ao centro comercial para comprar água e abastecer a pequena geladeira. O calor do verão europeu se faz sentir. Hoje, certamente, a temperatura será de mais de 40 graus. Será difícil. Mas, veio o mesmo número de jovens inscritos: trinta. Nicola começa a cantar “Viva la compani...”. Estávamos apenas no início. Mas aqueles mesmos gestos e aquela atenção se repetiram por toda a estação, até o final de agosto: com outros rostos entre os voluntários, que se alternaram em turnos. Outros cantos, talvez. E cada vez mais jovens sentados naquelas cadeiras. Sempre a mesma beleza da qual não se pode tirar os olhos, como diz Angelo Rossi, outro idealizador do projeto, também diretor escolar: “Eu e Carlo pensávamos em vir apenas nos primeiros dias, para depois deixar Enrico acompanhar a coisa de perto. No entanto... voltamos todos os dias possíveis. E, conosco, vieram outras pessoas que também não puderam deixar de voltar”.

Da botânica a Leopardi. Porque é impossível não ficar atônito diante de Giada, uma menina que era frequentemente suspensa da escola e que, no terceiro dia, se apresentou com livros de Química e Biologia: “Sinto falta da escola. E, com vocês, tenho vontade de estudar”. Ou ainda, observar o silêncio dentro das cabanas enquanto os mais velhos estudam acompanhados pelos professores e os menores, em círculo, fazem trabalhos com gesso, sal e cola. E, ainda, a ordem das crianças e estudantes na clareira em frente à escola, todos atentos escutando um professor especialista em Botânica falar sobre cada tipo de erva e planta de sua terra. Para, depois, rever os mesmos rostos atentos, escutando as poesias e a vida de Leopardi. Lorenzo também participou do debate sobre o poeta italiano. Não queria ficar, mas depois de uma aula de Matemática onde Enrico mostrou como Eratóstenes mediu a circunferência da terra com um bastão, mudou de ideia: “Se é assim que vocês estudam, na terça-feira eu também venho”.
Tudo enquanto a terra ainda continua a tremer. E em uma cidade onde, para qualquer lugar que se olhe, veem-se suas cicatrizes. “Isto também é um terremoto. Do meu coração. E me mudou: sou feliz, porque consigo ser cada vez mais eu mesmo”, disse Peppiniello, da Puglia, estudante de Engenharia Espacial na Universidade de Turim, entre os voluntários do “segundo turno”: “Um menino me parou outro dia: Há algo diferente em vocês, o que os torna assim?”.

Os bongôs de Antonello. É possível ver a mesma mudança nos jovens de Abruzzo. Tanto que muitos pais, vendo-os em casa com rostos diferentes, não puderam deixar de ir conhecer aquele lugar para onde seus filhos não viam a hora de voltar. É o caso de Antonello, pai de Luca, um pequenino de cinco anos capaz de pegar o microfone uma tarde e fazer todos cantarem “para agradecer esta amizade”. Assim, o pai também não pôde deixar de se envolver tocando bongôs com um grupo de Pescara, que veio a Áquila para uma “cantoria irlandesa”. Ou ainda Mario, oficial do exército, que mandou os dois filhos para Colle Sapone. Viu-os novamente à noite. Na manhã seguinte foi ver o que tinha mudado os olhos deles: “Meus filhos querem vir aqui, independente do que fazem, porque amam estar com vocês. E não me impressiona: desde o primeiro dia vi em vocês uma profundidade humana fora do comum”, disse alguns dias depois. E Beatrice: “Meu filho Leonardo está impressionado em ver pessoas que não estão aqui apenas para fazer alguma coisa, mas dão tudo de si”.
Todas as famílias se envolveram, participando das atividades, ficando dentro das cabanas vendo seus filhos mudarem. Chegaram até a organizar um ônibus para passarem um dia juntos no Meeting de Rímini: voluntários, famílias e jovens.
Depois, há algo que impressiona: não se ouve falar em terremoto na Cidade dos Jovens. Em Áquila, nos acampamentos ou no bar, é difícil conversar sem voltar àquela noite. Aqui, não. Aqui acontece algo que é maior que o terremoto. O jovem Nicole escreveu em uma redação: “É difícil explicar porque continuo vindo aqui. E ainda não consigo entender como quem está conosco consegue envolver todos com gestos simples. O que posso dizer é que nestes meses nasceu uma amizade com muitas pessoas e está me ajudando a levantar a cabeça e olhar além daquilo que aconteceu”.
Antonella, professora de Direito, em Pescara, muitas vezes percorreu 240 quilômetros com outros amigos para poder estar em Áquila: “Aqui, vivemos a razoabilidade das coisas comuns. Nunca ‘elaboramos’ estratégias. A educação é um acontecimento. É uma experiência que ajuda a viver tudo com um significado. Dessa forma, a pessoa se descobre. Em todos os lugares precisaria existir um lugar assim. Por isso, foi inevitável convidar os meus filhos, meus alunos, os colegas e os amigos”.

“Isto não é normal”. Só assim é possível explicar a curiosidade dos funcionários da Itis, que de vez em quando passavam para observar o que estava acontecendo dentro das cabanas. Ou a admiração da diretora, Gianna Colagrande, que observava aquele lugar tão envolvente e cheio de vida, chegando a envolver-se pessoalmente e a colocar-se à disposição “para qualquer coisa que precisarem”.
Tudo isso não é normal. Como escreveu Lorenzo, o rapper, em uma canção composta neste verão: “Mas dentro mora realmente uma cidade / Olho em volta de mim e vejo uma humanidade diferente / Olhos abertos, ouvidos atentos para escutar / Não sei o que dizer, simplesmente excepcional / Tudo isso não é normal”.
Agora, a aventura da Cidade dos Jovens terminou. Encontrará outra forma, provavelmente. As escolas, em toda a Itália, voltaram às aulas. Entre as polêmicas, as reformas, o ensino dos dialetos... Em Áquila, existem outros problemas, em primeiro lugar as estruturas. Mas, olhando o que aconteceu em Colle Sapone, bem, quem não poderia dizer que em Áquila a escola, a educação, já recomeçou de alguma maneira?