IMPRIME [-] FECHAR [x]

Passos N.67, Novembro 2005

FAMÍLIA

Fidelidade mútua por uma missão ideal

por Marco Bardazzi

Passos fez uma radiografia da família, durante fórum realizado em La Thuile, dentro da Assembléia Internacional de CL. Pesquisou suas atuais condições com a ajuda de testemunhos de diferentes países

Na Europa, ela é atacada por uma cultura dominante segundo a qual liberdade significa cada vez mais ausência de laços. Na África, suas profundas raízes na realidade dos clãs são ameaçadas por uma mentalidade marcada por um impiedoso individualismo. Na América Latina, vê-se obrigada a enfrentar critérios de valor cada vez mais condicionados por um avassalador consumismo. E nos Estados Unidos é sacudida por uma taxa de divórcios que se aproxima dos 50% e por projetos de lei sobre as uniões homossexuais.
Em todo canto da Terra, a família, neste início de século XXI, não parece gozar de boa saúde e nem desperta mais tanta simpatia. “O mal maior das famílias é a solidão em que vivem, o niilismo que as cerca”, diz Mario Dupuis, que em Pádua vive numa grande família ampliada, a da Casa de Acolhida, acolhendo muitos meninos que vêm de famílias destroçadas. No entanto, há histórias de famílias – em latitudes e longitudes muito distantes entre si – que experimentam uma realidade diferente, em que admitir Cristo torna possível até a chamada “impossível fidelidade” conjugal e onde o abraço da comunidade ajuda a carregar serenamente os fardos mais pesados.

HIV e mal econômico
Na África – conta Pippo Ciantia, que vive e trabalha há 25 anos em Uganda, em nome da Avsi –, a família “se defronta com a mentalidade moderna, que tende a romper todos os laços, e com um tipo de educação que se rebela contra a idéia das relações fami-liares”. Ao mesmo tempo, porém, a família continua sendo “a última trincheira de resistência (e assistência) contra a pobreza ou contra flagelos como a Aids. Fico cada vez mais admirado com a capacidade das grandes famílias africanas de acolher crianças. Sobrinhos que ficaram sem pais encontram as portas abertas por parte de tios, avós ou outros parentes. Porque na África, infelizmente, o que devasta a família não é só a modernidade, mas também as doenças, como a provocada pelo HIV”.
O mal contra o qual se bate a realidade familiar na América Latina – e na Argentina em particular – é a escravidão do status econômico. O furor do consumo corroeu a família argentina, explica Alejandro Bonet (pai de sete filhos), que em Rafaela, na província de Santa Fé, trabalha como advogado e é o representante legal de uma escola. “Na Argentina, além disso – diz ele – pesa muito o conceito de uma presença onipotente do aparato estatal: uma certa tradição política, que se pode imputar ao peronismo, leva as pessoas e as famílias a esperar a solução dos seus problemas básicos (educação, saúde) do Estado. O resultado é que se sujeita a felicidade a uma relação clientelista com o poder político e o Estado”.

Laços como impedimento
Nos Estados Unidos, a instituição familiar continua sendo valorizada. Ali “os casais ainda podem ter muitos filhos sem perder a estima dos outros”, reflete padre Jerry Mahon, pároco em Rochester (Minnesota). Os EUA também parecem ter superado os temores ligados ao número cada vez maior de famílias nas quais pai e mãe trabalham fora: “Quarenta anos atrás – diz padre Jerry –, diríamos que seria impossível uma família funcionar nessas condições. No entanto, por aquilo que observo, posso afirmar que isso é possível, essa realidade não é um obstáculo”.
Os obstáculos verdadeiros, nos EUA e em outros países, são os casamentos que se desmancham diante das dificuldades e terminam em divórcios, e as propostas sociais que tentam introduzir novos modelos, como a ligação entre pessoas do mesmo sexo.
“Na Itália – diz Mario – os jovens são educados pela escola a ver os laços como obstáculos; assim, os laços, que são o fundamento da vida familiar, são substituídos cada vez mais por um contrato temporário: ‘Ficamos juntos enquanto convém’. A educação também é falha, porque a família não depende mais de uma tradição, da história de um povo, está sem raízes no passado. As vítimas inocentes dessa desagregação da família são os jovens: sem uma experiência de amor verdadeiro pela sua liberdade, de paixão pelo seu destino, e de educação, eles se vêm, já aos 10-11 anos, abandonados, sozinhos, vulneráveis, como vejo diariamente na nossa casa de acolhida. A mentalidade dominante destruiu a família como lugar de liberdade nas relações e de alegria de viver a ligação entre as pessoas”.

Bons guardiões
Mas há experiências que se abrem para novos horizontes. Pippo lembra que a educação cristã, atenta ao aspecto da pobreza, esteve na base da opção de vida que ele e sua mulher fizeram pela missão. E, numa situação difícil como a de ver os filhos crescerem na África, “descobri que a fidelidade à experiência do Movimento nos permite viver de maneira particular também a relação com eles. A amizade do Movimento permitiu que nossos filhos partissem, um para estudar na Itália, outro para viver nos EUA. Dom Giussani repetia sempre que a família não é suficiente, há necessidade de uma comunidade que nos abrace, que nos tome pela mão e faça com que nossos filhos cresçam muito mais do que poderíamos esperar. Assim, aprendi que eles não são nossos; no máximo, somos seus guardiões”.
Para Alejandro, um contexto familiar difícil: muito trabalho e várias mudanças de cidade em poucos anos, e sete filhos. Era um desafio muito grande. “Seria impossível conceber uma aventura familiar como essa, dos meus 20 anos de casamento, se minha mulher e eu não tivéssemos recebido a graça de encontrar o Movimento no início da nossa caminhada. Toda vez que me vejo diante da dramaticidade do cotidiano, verifico que a experiência que nos foi dada nos indicou como viver dentro da realidade. Isso não significa que todos os problemas se resolvam, mas que eles são vividos com um significado, e se tornam ocasião de plenitude e de realização”.

A verdadeira fidelidade
Em Rochester – relata padre Jerry – foi o impacto do carisma de Dom Giussani que “mudou de forma radical a maneira como eu vejo o casamento. Hoje, quando as pessoas me procuram já tendo em mente a hipótese do divórcio, confronto seriamente essa decisão com a consciência – que me foi dada pelo Dom Gius – de que o sim é para a eternidade. Mesmo na preparação para o casamento, vou ao fundo da questão, porque creio que existe a possibilidade real de ajudar os jovens a encarar o sacramento”.
“Quando eu me casei – conclui Mario – disse o sim para sempre à minha mulher, não porque estivesse seguro da minha capacidade, mas porque estava certo de que se continuasse a reconhecer Cristo na minha vida, ele não deixaria de me dar a possibilidade de viver essa fidelidade, que de outro modo seria impossível. A nossa fidelidade é a resposta à fidelidade de Cristo. Eu experimentei isso na circunstância dramática que acabou mudando a vida da minha família. A doença e, depois, a morte de nossa filha Anna nos ensinou a não nos fixarmos na aparência das coisas, mas a olharmos a realidade reconhecendo nela a presença do Mistério. Isso começou a mudar o modo como eu vejo minha mulher, os meus filhos, tudo. É como se, por meio do sacrifício de Anna, aquele sim dado à minha mulher alcançasse o ponto de maior fidelidade”.