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Passos N.65, Setembro 2005

BRASIL: SITUAÇÃO POLÍTICA

Colocar-se diante da realidade

por Benedito Scaranci Fernandes*

Participo da Associação Companhia das Obras, que busca trabalhar sobre a questão da política de forma estável e não apenas na época das eleições e percebo esta crise como um fato isolado dentro da Universidade. A minha experiência como universitário era a de se colocar diante da situação que nós estávamos vivendo. Essa é a própria razão da Universidade existir: se colocar diante da realidade, se perguntar sobre as coisas, formular problemas e tentar encontrar soluções. Ou seja, a Universidade tem uma raiz política no seu próprio ser. As propostas políticas em si são sempre precárias – são a tentativa de resposta de um certo grupo social, frente a um certo problema –, e a Universidade sempre foi importante por ser o motor desse debate na sociedade.
Para podermos nos aproximar da discussão da crise política, temos que levar em conta o que somos e nosso papel dentro da sociedade. Não existe uma distinção entre o meu bem pessoal e o bem coletivo. Posso me colocar diante da questão política se isso tem a ver com aquilo que eu sou, com os meus interesses, que são interesses humanos, não antagônicos ao interesse de qualquer pessoa. A finalidade de se colocar diante da questão política é me colocar diante da realidade da vida, diante dos problemas que ela suscita, e poder colocar minha contribuição pessoal.
Uma outra questão é a importância do eu. Não se pode compreender o eu fora de uma relação de transcendência, constituinte do próprio eu, que é uma abertura ao Mistério. E não se pode fazer política sem considerar este eu, e esta sua abertura que eu sou e o outro é. Uma constituição de leis e de Estado deve respeitar o que é o homem.
Há um outro ponto: não se pode compreender o homem sem a experiência do limite. Giussani, autor de O Eu, o Poder e as Obras, diz: “O poder ou é determinado pela vontade de servir à criatura de Deus no seu desenvolvimento dinâmico, ou então tende a reduzir a realidade humana àquilo que previamente decidiu como imagem própria”. Isto é, no exercício da política ou você se coloca a serviço do outro, ou tenta imprimir a imagem que tem sobre a realidade, ou seja, uma visão ideológica da realidade. E isso tem uma série de implicações práticas. Não é só um problema de boa vontade, porque nesta boa vontade está colocado meu limite pessoal e o limite do grupo que participo. Pensar um partido político como salvação é uma questão ideológica porque não leva em consideração essa característica fundamental de todo homem e de toda organização social que é a experiência do limite. O principal problema da nossa cultura é exatamente da valorização de um ambiente ideológico.
E Giussani acrescenta um segundo aspecto: o da homologação de valores. Ao negar ao homem uma abertura ao Mistério, a cultura atual cria as raízes para a tragédia política que nós estamos vivendo. Os meios de comunicação social e a Universidade são instrumentos fundamentais dessa homologação. Se pensarmos naquilo que a Universidade faz em relação aos alunos, em relação aos valores das pessoas, em quando uma pessoa entra na Universidade e como ela sai, verificamos que é um instrumento fundamental de homologação, de criar sujeitos, infelizmente, passivos.
O terceiro ponto é o da política propriamente dita. João Paulo II afirmou que “a política é a forma suprema da cultura”. Muitas vezes temos uma visão bastante negativa da política, mas ela é uma forma de se enfrentar a realidade, de tentar compreendê-la, de construí-la. As nossas referências para isso devem ser a Doutrina Social da Igreja e a pessoa concreta, com suas necessidades de saúde e educação, partindo daquilo que ela é, com sua liberdade de educação, com sua liberdade religiosa. Então, devemos nos colocar diante da realidade, levando em consideração a nossa experiência pessoal, a nossa experiência de construir uma realidade social. Essa é a nossa referência, e não a ideologia.

* Professor da Faculdade de Medicina da UFMG e Superintendente da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais