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Passos N.63, Julho 2005

CINEMA / MENINA DE OURO

A pergunta aguda de Clint

por Luca Marcora

Uma vida dura, sentimentos de culpa, e o vislumbre de uma nova possibilidade. Porém, volta aquela pergunta que parecia arquivada para sempre. É o último filme de Clint Eastwood

Por qual razão um homem deveria participar da missa todos os dias, durante 23 anos, embora mantendo uma atitude indiferente em relação àquilo que escuta? Certamente porque não está tranqüilo; mesmo que fosse somente pelo gosto de discutir religião com o padre, não vale a pena desperdiçar o tempo desse modo. Esse homem deve ter algo de urgente para pedir, naquele lugar.
É justamente essa pergunta o ponto central de Menina de Ouro, o último e belo filme de Clint Eastwood, dramaticamente humano ao contar a vida e o grito de dor de um homem cujo coração é continuamente ferido pelas contradições da vida. Frankie Dunn (o próprio Eastwood) é um velho pugilista, de caráter difícil, que administra uma academia com o amigo Eddie (Morgan Freeman), também ex-pugilista, agora cego de um olho. Em meio a uma vida feita de violência, bem protegido sob a casca de homem durão, encerra-se o espírito ferido de um homem que não tem paz, seja por causa da cegueira de Eddie, cuja responsabilidade assumiu por completo, seja pela perda da própria filha, que partiu muitos anos antes.

Mo Cuishle
Um dia, chega à sua academia a jovem Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), que deseja ser treinada por Frankie. Ele, embora inicialmente hostil à idéia, lentamente entrevê nesse inesperado relacionamento a possibilidade de redimir-se daquilo que, durante anos, não o deixou tranqüilo.
A jovem tem talento e, como um furacão, em breve tempo chega ao topo da sua categoria. Não é só uma campeã: Maggie é também a resposta viva à pergunta de Frankie.
Mas as contradições da realidade voltam a eclodir, com toda a sua aparente insensatez, quando, depois de ter vencido a luta que vale a carreira, Maggie – rebatizada por Frankie como Mo Cuishle, que em gaulês significa “meu tesouro”, “meu sangue” – é atingida pelas costas pela adversária: a jovem cai e quebra a espinha dorsal. É a paralisia completa.
Frankie sabe que não pode abandoná-la; mas ela não resiste e pede que a deixem morrer. De novo aquele maldito grito do coração, que parecia arquivado, se reapresenta com a violência de um direto no queixo. Talvez aquela igreja, aquele padre do qual tantas vezes zombou, possam ser, para o velho pugilista, a única esperança de salvar esse imenso dom que foi Maggie.
Algumas palavras e um tapinha nos joelhos é o único conforto que o jovem sacerdote consegue lhe oferecer. Porém, frente a uma vida e a um jovem corpo irreparavelmente arruinados, as palavras não bastam: é preciso encontrar uma salvação que se torne carne, que acuda aquele corpo ferido, que o salve agora.

A escolha errada
Mas nisso Frankie se vê irremediavelmente só: por que, então, negar a ela a morte, se ninguém é capaz de lhe dar uma razão concreta para viver? É tremendamente errado, mas quais outras respostas um homem pode ter, se não encontra uma resposta que dê valor à vida em todas as suas circunstâncias? A morte de Maggie é também a morte de Frankie, o único verdadeiro derrotado em toda essa história. O que permanece dele é um esboço indefinido por trás do vidro de um bar, perdido não se sabe onde: a sombra de quem perdeu tudo, inclusive a esperança de poder ser salvo.
Quando saio do cinema com meus amigos, o ar frio da noite é um duro golpe, mas a sinceridade da história que acabamos de ver consegue abrir uma ferida ainda mais profunda dentro de nós: a pergunta gritada por esse filme não pode cair no vazio, não podemos liquidar o assunto respondendo apenas com as posições esquemáticas ou, pior ainda, ignorando-o ou boicotando-o, pelo simples fato de que “fala de eutanásia”!
Precisamos de alguém que diga a Clint Eastwood que a vida tem sentido, que há sentido no sofrimento de Maggie, que existem homens dispostos a cuidar dessa vida despedaçada, homens que não teriam medo de caminhar junto com Frankie para sustentá-lo. Alguém que diga que existe esse lugar de esperança, que é justamente a Igreja, não a Igreja feita de palavras e de dogmas que todos julgam conhecer, mas aquela Igreja viva, constituída por homens vivos, sólidos como rochas porque já salvos por Aquele que venceu a morte e, por isso, deu um sentido à vida, mesmo àquela mais tragicamente dolorosa: Jesus Cristo.
No carro nós ainda conversamos sobre o filme, sobre os seus magníficos atores, sobre a sua bela fotografia, sobre os merecidos prêmios Oscar que ganhou. Mas, sobretudo, falamos do nosso encontro com Cristo e desta companhia que nos sustenta. Essa é a única resposta possível à pergunta de Frankie. E nós estamos dispostos a levá-la a sério.