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Passos N.60, Abril 2005

ESPECIAL - João Paulo II (1920-2005) / Obrigado, Santidade

A glória de Deus é o homem que vive

por Luigi Giussa

Carta de padre Giussani por ocasião dos
25 anos de pontificado de João Paulo II

Revista Panorama, 30 de outubro de 2003

João Paulo II demonstra uma estima pelo humano como raramente se encontra em outros personagens destes tempos, que têm poder em suas mãos e mesmo assim não estão satisfeitos com aquilo que têm; de fato, o poder corrompe no humano a inteligência e a vontade, cuja busca parece preencher e satisfazer. Em João Paulo II não é assim: na sua figura, o cristianismo define a condição humana, é o caminho para a realização da felicidade do homem e exprime o domínio do homem sobre as coisas.

Acompanhando a história destes 25 anos de pontificado, o que mais percebemos é que o cristianismo tende a ser verdadeiramente a realização do humano. Todas as viagens do papa, como longa marcha rumo à morte, tiveram como razão a evidente unidade que corresponde ao gênio do cristianismo: Gloria Dei vivens homo. A glória de Deus é o homem que vive... na verdade da luz: Deus presente na história da humanidade. O homem que vive, como nos testemunha o papa, encontra sua racionalidade na identificação do cristianismo com o humano: é o homem realizado! Nossa Senhora é o arquétipo dessa humanidade realizada, e essa é a razão do afeto que João Paulo II nutre por Maria de Nazaré.

A importância deste papa está no fato de ter falado de cristianismo durante um quarto de século e, por isso mesmo, ter entrado em polêmica com toda a cultura pós-século XVIII, especialmente com a que se apóia na Revolução Francesa. Numa época de derrotas, falou do cristianismo como vitória: sobre a morte, sobre o mal, sobre a infelicidade, sobre o nada que ameaça cada sussurro humano. E o fez mostrando como sua fé cristã força a uma racionalidade bem motivada; diante do mundo arruinado pela ideologia, explicou a fé de um modo carregado de evidências racionalmente persuasivas. Sua fé foi demonstrada com razões límpidas, de forma que o entusiasmo de milhões de pessoas que o ouviram não encontra, em questões sobre as quais se possa discordar, o pretexto para diminuir a admiração por ele.

Assim, sua humanidade ferida fisicamente triunfou sempre em suas afirmações positivas e em sua força de admoestação.

Santidade, faço votos de que sua vida seja a mais longa possível, para que Vossa Santidade continue a ser testemunha coerente desta forma suprema de desafio que, por amor de Cristo, representa para o mundo inteiro. Quanto mais esta palavra, Cristo, for ouvida ou ouvida novamente, mais e mais demonstrará sua capacidade persuasiva.

O cristianismo de João Paulo II reflete toda a essência “secular” da mensagem cristã, ou seja, uma identidade entre humanidade e fé cristã. “Cada um do sumo bem a idéia apreende,/ que lhe suaviza a rude inquietação/ e às exigências de sua alma atende” (Purgatório, XVII). Dante é a definição perfeita de uma existência racional. E o maior sinal dessa humanidade, dessa identidade entre humanidade e fé cristã, o sinal que nem todas as distorções e esquecimentos apagaram do coração do homem, o sinal mais completo e conhecido por todos é o matrimônio.

De fato, no pensamento do papa, a mulher para o homem e o homem para a mulher são o aspecto que se vê, o aspecto visível do triunfo, da flor que “germinou”, como diz Dante em seu Hino à Virgem: a identidade entre humanidade e fé. A beleza e a capacidade de bondade dessa humanidade se revelam no gesto sacramental que mais valoriza o humano, o matrimônio, e são documentadas nos discursos de João Paulo II.

O amor é o maior valor do homem: portanto, o paradigma do homem e da mulher é a fórmula que representa o ideal. O papa carrega esse ideal, pelo qual o homem só vive no amor, num amor verdadeiro. O homem se torna verdadeiro no amor, e por isso fica difícil concordar, por exemplo, com o poeta espanhol Juan Ramón Jiménez, quando escreve: “Agora é verdade. Mas foi tão mentira que continua a ser impossível”.

No pensamento de João Paulo II, a humanidade se realiza num amor real, que não teme o desespero, esse desespero cantado por Dante em sua Vida Nova: “...O amor, quando tão junto de vós me acha,/ toma tantos cuidados e garantias,/ [...] que em figura alheia me transformo”. É interessante observar que, como em Dante, o olhar que o papa dirige ao amor humano é consciente dessa aproximação do Ideal que se dá em qualquer momento da vida do homem. Por isso o homem, em sua vida terrena, tem uma parte de si mesmo à espera, mas isso nunca o impede de reconhecer, até apaixonadamente, que a natureza (ou o Criador?) vive para o acordo ideal, como se vê mais uma vez nos versos da Vida Nova: “Um espírito suave cheio de amor,/ [...] vai dizendo à alma: Suspira”.

Obrigado, Santidade.
Luigi Giussani