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Passos N.58, Fevereiro 2005

Maria na História - 7

Napoleão barrado pelo
olhar de Maria

por Paola Bergamini

Retomamos a nossa viagem para conhecer a incidência de Maria na História. No final do século XVIII, depois dos acontecimentos da Revolução Francesa e da invasão napoleônica, Maria chama a si os fiéis, por meio de uma série de prodígios, para colocá-los sob a sua proteção

Ancona (Itália), 25 de junho de 1796. O pórtico da catedral está lotado de pessoas, que lentamente entram no templo. Todos os rostos mostram preocupação, ninguém sorri. Três dias antes chegara a triste notícia: em Bolonha fora assinado o humilhante armistício imposto pelos franceses de Napoleão ao Estado pontifício, e uma das cláusulas previa a ocupação de Ancona. Isso significava apenas uma coisa: incêndios, saques, violências, pois naquele ano de terror as tropas francesas assim se comportavam em seu avanço militar. Os assustados anconetanos haviam pedido ao bispo, o cardeal Vincenzo Ranuzzi, a abertura da urna do beato bispo anconetano Antonio Fatati para implorar-lhe a proteção. O cardeal consentiu. Nas naves da catedral ouve-se apenas o murmúrio das preces. Francesca Massari, uma viúva de cerca de 30 anos, ajoelha-se na pequena capela construída por Luigi Vanvitelli e reza diante do quadro que todos chamam de Madonna del Duomo. Enquanto faz o sinal da cruz, levanta os olhos e leva um susto: Nossa Senhora abre e fecha os olhos. Está para abrir a boca quando ouve um grito: “Mamãe, venha ver”: é a menina Bárbara, que está ajoelhada ao lado: também ela havia visto. Logo muitas mulheres acorrem, enchem a capelinha. Todos olham para o quadro. “Vejam, Nossa Senhora abre os olhos”. “Agora fechou. A cor do seu rosto mudou. Parece vivo!”. Diante do tumulto, o cônego Candelari acorre ao local: “Vamos, parem com essa barulheira. Vocês, mulheres, são muito sugestionáveis. Saiam, voltem para suas casas”. Com muito custo consegue afastar as pessoas que tinham se reunido na capela. Depois se aproxima do quadro. Conhece-o muito bem, quantas vezes já rezou diante dele! E eis que ele também vê o movimento dos olhos de Nossa Senhora. Sai correndo para apanhar os óculos: o cônego teve que se render à evidência do milagre, que se repete várias vezes. Agora, a notícia do acontecido espalha-se por toda a cidade, e o povo acorre.

Investigação oficial
Poucos dias depois, é ordenada uma investigação oficial, que começa no dia 6 de julho, com a atuação de três peritos: os pintores Francesco Ciaffaroni, de Fano, Giuseppe Pallavicini, de Milão, e Pietro Antonio Meloni. É retirada a moldura e o quadro é analisado para verificar se não existe algum artifício. Nada. Ou melhor, diante dos olhos deles o fenômeno se repete. São chamados dois cientistas: os dois físicos anconetanos Lodovico Tessari e Michelangelo Calvani. O resultado é o mesmo. Não pode ser fruto de alucinações coletivas, porque o prodígio se repete várias vezes, em tempos e lugares diferentes, diante de centenas de pessoas, pois o quadro é levado em solene procissão pelas ruas da cidade. Até os conventos de clausura se abrem para acolhê-lo. E sempre o prodígio se repete. Num momento de medo e de terror, Nossa Senhora convida os fiéis a confiar na sua proteção. Em conseqüência, a partir daquele 25 de junho a vida da cidade se transforma radicalmente: acabam as blasfêmias, ocorrem muitas conversões... e a sacristia da catedral fica cheia de coisas roubadas.

O General e a fitinha
Dia 10 de fevereiro de 1797. Napoleão entra em Ancona. Declara a queda do governo da cidade e impõe o pagamento de uma altíssima recompensa, bem como o confisco de todo o ouro e a prata das igrejas. O General sabe da fama do quadro. Os jacobinos locais lhe contaram todos os detalhes do acontecido, acusando os padres de terem fomentado o fanatismo popular contra os franceses. Imediatamente convoca os cônegos da catedral: “Amanhã me tragam o quadro para uma inspeção. Saibam, já, que a minha intenção é ficar com ele, se não destruí-lo... para o bem do povo, contra falsas crenças”. No dia seguinte, com o quadro escondido num cesto para não despertar suspeita no meio do povo e possíveis insurreições, os sacerdotes comparecem à hora marcada. O quadro é colocado em cima de uma mesa, na presença do estado-maior do General, das autoridades municipais e várias outras pessoas. “Cônegos, vocês me espantam. Se conhecem um mínimo das leis da física – refiro-me à refração da luz, ao fenômeno do reflexo das velas sobre o vidro – deviam saber que não aconteceu nenhum milagre. Só o povo ignorante pode crer no milagre”. “Permita-me, General. Sou o cônego Candelari. Eu mesmo vi o prodígio e não havia luz de velas a atrapalhar a minha visão. Até busquei meus óculos para ver melhor! Isso pode ser confirmado pelo advogado Bertrando Bonaria, que está presente, é um conhecido jacobino, e foi testemunha ocular do milagre”. Mas Napoleão não lhe dá ouvidos, a sua atenção é atraída pela fitinha de pedras preciosas que ornamenta o pescoço da figura de Maria. “Isto será vendido e o que for arrecadado será gasto em beneficência. Para o enxoval de casamento de uma jovem órfã. Aproxima-se e estende a mão para pegá-la. Nesse momento, a expressão do seu rosto se altera, muda de cor. Todos percebem. Ninguém respira. O cônego sabe o que aconteceu: só pode ser o prodígio, que se repetiu. Depois de alguns momentos de silêncio, Napoleão recoloca a fitinha no lugar e, como que despertando, exclama: “É preciso fazer justiça e castigar todo tipo de fanatismo e enganação. Que ele seja queimado”. O cônego Candelari intervém: “Permita-me, General. Se fizer isso, há o risco de uma revolta popular. Cobriremos o quadro com um pano, que só será retirado durante a recitação semanal do rosário e nas solenidades religiosas mais importantes”. “Que seja. Amanhã digam aos fiéis que é mais conveniente manter o quadro coberto. Podem ir. Alguns soldados vão acompanhá-los, para que não lhes venha à cabeça a vontade de fazer alguma bobagem”.
O processo canônico relativo ao fato milagroso, iniciado dia 6 de julho, terminou dia 25 de julho de 1796, mas os eventos políticos e bélicos que se seguiram impediram o término dos procedimentos. Só em 1845 o segundo processo confirmou definitivamente a verdade dos prodígios acontecidos entre 1796 e 1797: a Madonna del Duomo, Rainha de todos os santos, foi aclamada a Padroeira de Ancona. A Santa Sé também reconheceu oficialmente o milagre.

Mais de cem olhares
Roma, 9 de julho de 1796, 8 da manhã. O mestre-de-capela Antonio Ambrosini está na praça dos Santos Apóstolos. Um desconhecido vem ao seu encontro: “Corra, a Madonna dell’Archetto está mexendo os olhos. Sim, aquela que se encontra na rua San Marcello, no bairro Trevi, aqui perto”. O mestre conhece bem o quadro: Maria é representada de perfil, olhos abertos, cabeça inclinada. A obra está coberta por um vidro, que é protegido por uma tela de ferro. À noite é fechado por uma portinhola, a salvo dos muitos ex-votos pendurados à sua volta.
Cheio de curiosidade, o mestre corre para ver. Algumas pessoas já estão ali. Aproxima-se: o prodígio se repete. O mestre Ambrosiani tem a vista boa, está certo de que não está sendo vítima de um engano. “Tal como em Ancona” – pensa consigo mesmo. A rua, a esta altura, já está cheia de gente, que também vê repetir-se o fenômeno. Depois de algumas horas, chega uma outra notícia: na rua das Muratte, perto da fonte de Trevi, uma imagem mariana mexe os olhos. E mais: na porta da oficina do artesão Paolo Catolli, a imagem de Nossa Senhora das Dores abre e fecha os olhos. No começo da noite, todo bairro de Roma tem a sua figura de Maria que movimenta os olhos. Contam-se mais de cem. A cidade pára, todos estão nas ruas, rezando. Os prodígios repetem-se durante meses. E não só em Roma. Também outras cidades do Estado pontifício, como Frosinone, Veroli, Torrice, Cepano Urbania, Frascati, Todi, incluindo Rímini e Sant’Agata di Feltria, são palco desse evento milagroso. E sempre o milagre provoca uma mudança de costumes: nada de brigas, de blasfêmias. O povo se reúne para rezar, confiante na proteção da Virgem.
No início de outubro, o papa Pio VI manda instaurar um procedimento jurídico para averiguar os fatos. As primeiras 86 testemunhas, de todos os segmentos sociais e categorias profissionais, são tão precisas e concordantes que tornam supérflua qualquer outra pesquisa. No dia 27 de fevereiro de 1797 é emitida a sentença: os fatos miraculosos são reconhecidos como verdadeiros e marcada uma festa para celebrá-lo, dia 9 de julho.