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Passos N.120, Outubro 2010

DESTAQUE - MEETING 2010

A beleza que os olhos não conseguem ver

por Carolina Oliveira

O Meeting de Rímini recebe uma exposição sobre a expressão
cultural mais intrínseca ao coração do brasileiro: o samba


“O coração bate. Não o sentimos bater normalmente, mas só em momentos especialíssimos percebemos que ele bate. Mesmo assim, da sua batida é entranhada toda a nossa vida. Desde o início, com o pulsar do coração materno até o fim entregando-nos à instantaneidade inimaginável do Eterno. O ritmo das batidas do coração constituem a vida, sustentam a vida, exaltam a vida. Significa o mistério da vida. É por isso que o homem atento à vida descobre as batidas do coração, o acompanha, o explicita e faz dele seu mais belo ritmo musical. É assim que no mundo poético e musical brasileiro nasce o samba, a expressão mais bela do encontro da vida.” Esta foi a introdução da Mostra Um céu no chão para ajudar os visitantes a entrarem no pulsar da vida que iriam encontrar no percurso.
Organizada por Rosetta Brambilla, Pigi Bernareggi, Kika Antunes e Marcela Bertelli da comunidade de Belo Horizonte, a Mostra foi uma das mais visitada e comentadas do Meeting de Rímini 2010.
O desejo de Rosetta em comunicar ao mundo a beleza deste lugar surgiu da experiência vivida com padre Pigi e com a comunidade da favela onde vive. Comunicar a capacidade que o samba tem de expressar e acompanhar todos os sentimentos e os gestos que pertencem à vida cotidiana de quem mora no morro e que ninguém conhece, senão por uma forma negativa.
O samba é a legítima expressão da vida sofrida deste povo. A favela é onde nasce e pulsa o verdadeiro coração do samba. E o samba canta a vida, como por exemplo, na música Sei lá, Mangueira, de Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho: “E a beleza do lugar/ pra se entender/ Tem que se achar/ que a vida não é só isso que se vê/ É um pouco mais / Que os olhos não conseguem perceber...”
“Dom Giussani diz que o sinal indica outra coisa, não só o que os olhos veem. E quando me deparei com essa poesia, identifiquei isso. É uma poesia que descreve muito bem a beleza que tem na favela. A beleza que os olhos não conseguem ver é muito mais do que aquilo que todos ouvem falar. Eles falam da humanidade que tem na favela. Não falam de Deus, mas daquilo é sagrado. Fiquei marcada desde então”, afirma Rosetta.
Neste ano, Rosetta teve a oportunidade de transformar seu sonho em realidade e “de dizer ao mundo o que é o samba. O samba verdadeiro que nasce da dor, da pobreza, da esperança desse povo”. Mesmo o carnaval, tão criticado atualmente por ser comercial, é preparado durante o ano inteiro: “É uma experiência do morro para poder expressar sua alegria na rua. Também no samba-enredo queríamos mostrar o que é o carnaval de verdade – o que está atrás das cortinas e ninguém vê – não é apenas o que a televisão passa, é muito mais do que dança e mulher pelada”.
A fotógrafa Kika Antunes ficou responsável por registrar as imagens que compuseram os painéis da exposição. Ela conta que trabalhar para a mostra foi um grande aprendizado: “A expressão não é uma coisa que você sai fotografando, não dá para dizer ‘hoje eu vou fazer uma foto de saudade’, a gente não programa, é mais difícil, tem que dedicar tempo, tem que ir experimentando... e isso é um exercício que com o relacionamento vai surgindo. Como fotógrafa eu tenho um olhar que neste processo foi se tornando um olhar ainda mais desejoso. Porque é um povo que apesar de sofrer, de ter dor, etc, não é determinado por isto, não é definido por isso. Encontrar as pessoas foi impressionante, porque as pessoas são muito vivas, carinhosas, afáveis, com uma certeza e alegria muito grandes. Eles falavam sobre tudo isso, mesmo sem me conhecer. E os poetas do morro falam disso. Eles são construídos por esse aspecto. Senão, estariam todos na miséria e violência”.
Sobre a montagem da exposição, à princípio os arquitetos projetaram salas fechadas, depois, vendo as fotos, viram que as imagens e a própria favela, eram alegres, vivas, tudo se comunicava, e por isso resolveram tomar um outro rumo para a estrutura, remontaram as maquetes e abriram tudo. Foram reproduzidas as antenas das casas e o piso de terra batida. Também expuseram alguns instrumentos musicais típicos do samba, inclusive a cuíca estava virada de modo errado no primeiro dia, pois era desconhecida dos que fizeram a montagem.
A Mostra tinha entrada livre ou as pessoas podiam aguardar em grupos e serem guiadas pelos voluntários que se revezavam incansavelmente, apaixonados pelo trabalho. “Os guias eram um espetáculo à parte, como se estivessem aqui andando pelos lugares”, finaliza Kika.