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Passos N.108, Setembro 2009

BENTO XVI

Padre Pio e a profundidade do drama humano

VISITA PASTORAL A SAN GIOVANNI ROTONDO. Homilia no adro da igreja de São Pio de Pietrelcina. Domingo, 21 de junho de 2009

Amados irmãos e irmãs, no centro da minha peregrinação a este lugar, onde tudo fala da vida e da santidade de Padre Pio de Pietrelcina, tenho a alegria de celebrar a Eucaristia, mistério que constitui o âmago de toda a sua existência: a origem da sua vocação, a força do seu testemunho e a consagração do seu sacrifício. (...) Há pouco ouvimos o Evangelho da tempestade acalmada, que foi acompanhado de um texto breve, mas incisivo do Livro de Jó, em que Deus se revela como o Senhor do mar. Jesus ameaça o vento e ordena ao mar que se acalme, interpelando-o como se ele se identificasse com o poder diabólico. Com efeito, na Bíblia o mar é considerado um elemento ameaçador, caótico e potencialmente destruidor, que somente Deus, o Criador, pode dominar, governar e acalmar. Porém, existe uma outra força, uma força positiva que move o mundo, capaz de transformar e renovar as criaturas: a força do “amor de Cristo”, como a define São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios: portanto, não essencialmente uma força cósmica, mas sim divina, transcendente. (...)
O gesto solene de acalmar o mar tempestuoso é claramente um sinal do senhorio de Cristo sobre os poderes negativos e leva a pensar na sua divindade: “Quem é Este – interrogaram-se admirados e cheios de terror os discípulos – a Quem até o vento e o mar obedecem?” (Mc 4, 41). A sua fé ainda não é sólida, mas está a formar-se; é um misto de medo e de confiança; o abandono confiante de Jesus ao Pai é, ao contrário, total e puro. Por isso, por este poder do amor, Ele pode adormecer durante a tempestade, completamente seguro nos braços de Deus. No entanto, virá o momento em que também Jesus sentirá medo e angústia: quando chegar a sua hora, Ele sentirá sobre si mesmo todo o peso dos pecados da humanidade, como uma onda alta que está prestes a cair sobre Ele. Esta, sim, será uma tempestade terrível, não cósmica, mas espiritual. Será o derradeiro e extremo assalto do mal contra o Filho de Deus. Todavia, nessa hora Jesus não duvidou do poder de Deus Pai e da sua proximidade, embora tenha tido que experimentar plenamente a distância do ódio em relação ao amor, da mentira em relação à verdade e do pecado em relação à graça. Experimentou este drama em si mesmo de maneira dilacerante, especialmente no Getsemani, antes de ser preso, e depois durante toda a Paixão, até à morte na Cruz. Nessa hora Jesus, por um lado, foi um só com o Pai, abandonando-se plenamente a Ele; por outro, enquanto solidário com os pecadores, foi por assim dizer separado e sentiu-se como que abandonado por Ele.

Alguns Santos viveram intensa e pessoalmente esta experiência de Jesus. Padre Pio de Pietrelcina foi um deles. Um homem simples, de origens humildes, “arrebatado por Cristo” – como escreve de si mesmo o Apóstolo Paulo – para dele fazer um instrumento eleito do poder perene da sua Cruz: poder de amor pelas almas, de perdão e de reconciliação, de paternidade espiritual e de solidariedade efetiva para com aqueles que sofrem. Os estigmas, que o marcaram no corpo, uniram-no intimamente ao Crucificado-Ressuscitado. Seguidor autêntico de São Francisco de Assis, fez sua a experiência do Apóstolo Paulo, como ele mesmo descreve nas suas Cartas: “Estou crucificado com Cristo! Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 19-20). Isto não significa alienação, perda da personalidade: Deus nunca anula o humano, mas transforma-o com o seu Espírito e orienta-o para o serviço do seu desígnio de salvação. Padre Pio conservou os seus dons naturais e até o seu próprio temperamento, mas ofereceu tudo a Deus, que pôde servir-se disto livremente para prolongar a obra de Cristo: anunciar o Evangelho, perdoar os pecados e curar os doentes no corpo e no espírito.
Como aconteceu com Jesus, a verdadeira luta, o combate radical, Padre Pio teve que enfrentá-los não contra inimigos terrenos, mas sim contra o espírito do mal. As maiores “tempestades” que o ameaçavam eram os assaltos do diabo, dos quais se defendia com “a armadura de Deus”, com “o escudo da fé” e com “a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 6, 11.16.17). Permanecendo unido a Jesus, ele teve sempre em vista a profundidade do drama humano, e para isto se entregou e ofereceu os seus numerosos sofrimentos, e soube dedicar-se à cura e ao alívio dos doentes, sinal privilegiado da misericórdia de Deus, do seu Reino virá, aliás, que já se encontra no mundo, da vitória do amor e da vida sobre o pecado e a morte. Guiar as almas e aliviar os sofrimentos: assim se pode resumir a missão de São Pio de Pietrelcina.

Estimados amigos, Frades Menores Capuchinhos, membros dos grupos de oração e todos os fiéis de San Giovanni Rotondo, vós sois os herdeiros de Padre Pio e a herança que ele vos deixou é a santidade. Numa das suas cartas, ele escreve: “Parece que Jesus não tem outra preocupação, a não ser a santificação da vossa alma” (Epist. II, pág. 155). Esta era sempre a sua primeira solicitude, o seu anseio sacerdotal e paterno: que as pessoas voltassem para Deus, que pudessem experimentar a sua misericórdia e, interiormente renovadas, redescobrissem a beleza e a alegria de ser cristãos, de viver em comunhão com Jesus, de pertencer à sua Igreja e de praticar o Evangelho. Padre Pio atraía para o caminho da santidade com o seu testemunho pessoal, indicando com o exemplo a “trilha” que para ela conduz: a oração e a caridade.
Antes de tudo, a oração. Como todos os grandes homens de Deus, Padre Pio tornou-se ele mesmo oração, alma e corpo. Os seus dias eram um rosário vivo, ou seja, uma contínua meditação e assimilação dos mistérios de Cristo em união espiritual com a Virgem Maria. Assim se explica a singular coexistência, nele, de dons sobrenaturais e de consistência humana. E tudo tinha o seu ápice na celebração da Santa Missa: ali ele unia-se plenamente ao Senhor morto e ressuscitado. Da oração, como de uma fonte sempre viva, jorrava a caridade. O amor que ele trazia no coração e transmitia aos outros era repleto de ternura, sempre atento às situações concretas das pessoas e das famílias. De modo especial pelos doentes e sofredores, nutria a predileção do Coração de Cristo, e precisamente dela adquiriu origem e forma o projeto de uma grande obra dedicada ao “alívio do sofrimento”. Não se pode compreender, nem interpretar adequadamente tal instituição, se a mesma for separada do seu manancial inspirador, que é a caridade evangélica, animada por sua vez pela oração.
Caríssimos, tudo isto é proposto de novo hoje por Padre Pio à nossa atenção. Os riscos do ativismo e da secularização estão sempre presentes; por isso, esta minha visita tem também a finalidade de vos confirmar na fidelidade à missão herdada do vosso amadíssimo Padre. Muitos de vós, religiosos e leigos, estais tão ocupados com as numerosas incumbências exigidas pelo serviço aos peregrinos, ou pelos enfermos no hospital, que correis o risco de descuidar daquilo que é verdadeiramente necessário: ouvir Cristo, para cumprir a vontade de Deus. Quando vos dais conta de que estais próximos de correr este perigo, olhai para Padre Pio: para o seu exemplo, os seus sofrimentos; e invocai a sua intercessão, a fim de que vos obtenha do Senhor a luz e a força de que tendes necessidade para dar continuidade à sua própria missão, imbuída de amor a Deus e de caridade fraterna. E do Céu, que ele continue a exercer a maravilhosa paternidade espiritual que o caracterizou durante a sua existência terrena. Juntamente com São Francisco e com Nossa Senhora, que ele amou em grande medida e fez amar neste mundo, vele sobre todos e vos proteja sempre. E então, também nas tempestades que se podem elevar repentinamente, podereis experimentar o sopro do Espírito Santo que é mais forte que todo o vento contrário e que impele a barca da Igreja e cada um de nós. Eis por que motivo devemos viver sempre na serenidade e cultivar no coração a alegria, dando graças ao Senhor: “O seu amor é para sempre”. Amém!

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