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Passos N.132, Novembro 2011

SOCIEDADE - BRASIL

Um outro olhar no combate à corrupção

por Francisco Borba Ribeiro Neto

Numa sociedade muito desigual do ponto de vista socioeconômico, como é a brasileira, a postura individualista dos que têm mais acesso aos recursos materiais e intelectuais é um entrave ao desenvolvimento humano integral e uma das bases da corrupção

Corrupção é tema velho e batido neste país. Adhemar de Barros, lendário político paulista, já dizia “roubo, mas faço”. Jânio Quadros e Fernando Collor, os presidentes eleitos logo antes e logo depois da ditadura de 1964, tinham o combate à corrupção em suas plataformas políticas. Nenhum deles terminou seus mandatos e a corrupção causou o impeachment de Collor.
No Brasil, a corrupção deita suas raízes na história política e mistura-se com uma situação na qual não se identificava claramente a diferença entre o patrimônio público e o privado, onde o bem comum era considerado como uma função do Estado ou dos chefes políticos locais – e não como uma construção coletiva na qual todos são protagonistas e responsáveis. Neste contexto, que ainda hoje acontece em muitos lugares, a apropriação de recursos públicos em causa própria era considerada parte dos privilégios de estar no poder.
A corrupção das altas esferas políticas convive com as pequenas práticas de corrupção de nosso dia a dia, como a propina para que o fiscal faça vista grossa e não multe um infrator ou a gorjeta para que o funcionário “agilize” um processo burocrático.
É o desenvolvimento institucional que evidencia que o político eleito e o funcionário estatal não podem dispor dos bens públicos em proveito próprio. Com este desenvolvimento, a percepção e o combate à corrupção vêm se tornando fenômenos crescentes no Brasil.
Ninguém espontaneamente se declara corrupto ou reconhece ter ganhos ilícitos. Assim, o aumento ou diminuição da corrupção sempre é difícil de medir. Mas, quando ministros e funcionários do primeiro escalão vão caindo por corrupção numa escala nunca vista antes, como neste primeiro ano do mandato de Dilma Rousseff, é natural que nos perguntemos o que está acontecendo. Será um endurecimento na luta pela moralização da vida pública ou a corrupção aumentou mesmo?

O preço da maioria. O governo federal sempre trabalha procurando uma grande maioria de aliados no Congresso, que reduzisse ao mínimo a necessidade de articulações e composições para a aprovação de seus projetos. Mas, nos mandatos de Lula e no início do mandato de Dilma, as “bases aliadas” vêm sendo construídas cada vez mais em função de favorecimentos a políticos com projetos pouco definidos do que em função do consenso sobre temas e prioridades nacionais.
Assim, a ampla maioria da base aliada no governo atual tem seu preço: atender ao máximo os interesses individuais e corporativos. Quanto maior a base, maior o perigo de que os favorecimentos ultrapassem os limites de negociações conduzida dentro dos limites da moralidade pública e descambem para a corrupção... E maior a necessidade do chefe de Estado, até mesmo para impor-se dentro de seu bloco político, estabelecer limites e frear os mais gananciosos ou menos discretos.
Esta política de favorecimentos tem a tendência natural de se alastrar. O silêncio e a conivência são conseguidos incorporando-se os descontentes, os críticos e os responsáveis pela fiscalização de condutas e contas públicas ao bolo dos favorecidos. A cumplicidade se torna uma sombra que obscurece as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário e dificulta o combate à corrupção em todas as esferas da vida pública.
Independentemente dos debates partidários que esta situação sempre suscita, como combater a corrupção de forma efetiva?

A moralidade do homem público. Em primeiro lugar, nem todos os políticos são iguais: existem políticos honestos e políticos corruptos, como existem pessoas honestas e pessoas corruptas em qualquer lugar. A ideia de que todos os políticos são iguais só interessa ao corrupto, pois leva o eleitor a perder a esperança e não procurar votar nos candidatos honestos.
O que torna um candidato honesto e como reconhecê-lo? Podemos nos perguntar: o que faz com que cada um de nós seja honesto? A primeira impressão é que isso depende de nossa força moral, de nossa coerência ética. Mas todos nos reconhecemos falíveis, capazes de fazer coisas boas e coisas ruins. A coerência moral e a força de vontade são importantes, mas não bastam. Se olharmos com mais profundidade para nós mesmos, veremos que nossa maior ou menor honestidade é uma medida de nosso pertencer. Somos tão bons e honestos quanto é bom, belo e verdadeiro aquilo a que pertencemos. A começar por nossa história, pois pertencemos à história social que nos gerou como um povo e à história pessoal de nossa comunidade e de nossa família. Mas esta história tem que ser atualizada continuamente, para se manter viva e efetiva. Por isso o pertencer a uma comunidade, a uma comunhão de pessoas que nos mostra o caminho da bondade, da beleza e da verdade, tem que reacontecer a cada dia.
Como sabemos que alguém vive ou não estes vínculos de pertencimento? Só existe um modo: pertencendo junto. Um dos grandes dramas do individualismo da sociedade atual é que não nos movemos mais junto com nossos amigos na busca pelo bem comum e da verdade de nossas vidas. Esta “preguiça” de participar junto, de construir e ser construído por uma companhia onde se experimenta o real sentido das coisas é o grande obstáculo de hoje à nossa capacidade de conhecer a realidade. Mas aquele que participa, que é parte de uma companhia como esta, descobre a sua coerência ética e encontra políticos com a mesma coerência.

O aperfeiçoamento das instituições. O caminho mais óbvio para o combate à corrupção é o do “aperfeiçoamento das instituições”, principalmente através do aumento dos mecanismos de controle e fiscalização sobre as ações do Estado, dos funcionários públicos e dos políticos eleitos. Isto é conseguido muitas vezes por instrumentos simples de acompanhamento e vigilância, que vão de câmeras de vídeo em locais de trabalho até a publicação de contas públicas em sites da Internet.
Mas também pode ser conseguido por meio de ações de caráter mais estritamente político, como a campanha pela lei da “ficha limpa”, que impede a candidatura a cargos públicos de pessoas com condenação na Justiça, ou mesmo a defesa do voto distrital (entre os argumentos levantados pelos defensores do voto distrital está o fato de que ele permitiria que os eleitores ficassem mais perto dos candidatos eleitos em seu distrito eleitoral do que no sistema atual, dificultando a corrupção). Instituições mais transparentes e melhor vigiadas dificultam e minimizam a corrupção, mas por si só não são garantia de nada. Sempre haverá alguma forma de burlar a lei.
Por isso é fundamental a ação combinada de uma imprensa livre e vigilante e organizações sociais vivas e comprometidas com o bem comum (os “corpos intermediários” da Doutrina Social da Igreja). Com todos os problemas que podem ocorrer, como calúnias, difamações e campanhas direcionadas ideologicamente e não baseadas em fatos, a imprensa ainda é o instrumento mais eficiente que a sociedade tem para acompanhar e vigiar a ação do Estado e de seus homens públicos. Qualquer tentativa de calá-la ou de cercear suas atividades acaba aumentando a possibilidade de corrupção em um país.

O desenvolvimento humano integral. Esse processo, contudo, é impotente se a população, nas eleições, não eleger os políticos mais honestos e bem preparados. A consciência dos eleitores na hora do voto é o critério último no combate efetivo à corrupção. A demagogia e a possibilidade de eleger políticos corruptos são maiores justamente onde falta o desenvolvimento humano integral, isto é, onde não estão dadas as condições para que todos possam realizar todas as dimensões de sua personalidade. Não se trata de uma carência simplesmente socioeconômica, o populismo cresce justamente a partir da distribuição assistencialista de recursos materiais. Também não basta uma instrução formal, voltada ao atendimento do mercado de trabalho. É preciso que se fortaleça uma cultura de solidariedade e protagonismo na vida pública, onde cada um se sente responsável pelos demais e pelo bom andamento da sociedade.
A forma de acelerar este desenvolvimento humano integral é por meio da solidariedade com os que estão em situação mais difícil, que vivem uma realidade de carência maior que a nossa. Não adianta querer combater a corrupção sem ser solidário, pois o político corrupto se elege apregoando uma falsa solidariedade. Numa sociedade muito desigual do ponto de vista socioeconômico, como é a brasileira, a postura individualista dos que têm mais acesso aos recursos materiais e intelectuais é um entrave ao desenvolvimento humano integral e uma das bases da corrupção.
Uma postura solidária, que busca compartilhar as necessidades das pessoas, para compartilhar também suas vidas, é fundamental no combate à corrupção. Tal postura acelera o desenvolvimento humano integral, ajuda a combater o populismo e a demagogia e reduz o espaço de ação do político corrupto. Além disso, cria a possibilidade de um pertencimento, de um estar juntos, que combate o individualismo e ajuda a crescer um verdadeiro compromisso com o bem comum.