Encontro-me no Haiti desde o dia 8 de janeiro. Vim para cá com o padre Gianpietro Carraro e alguns outros missionários e voluntários da Missão Belém. Fomos acolhidos e hospedados num centro missionário dos padres carlistas, que ficou em pé depois do terremoto; ali também estão abrigadas as religiosas da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), que vieram para trabalhar no Haiti, além da comunidade do Seminário Maior Diocesano do Haiti, com mais de 200 seminaristas.
Fizemos visita ao arcebispo de Porto Príncipe, que estava reunido com vários sacerdotes, em retiro. Contou-nos um pouco sobre a situação da Igreja neste tempo posterior ao terremoto. Ainda falta reconstruir muitas igrejas, as missas continuam a ser celebradas debaixo de tendas, a construção do seminário ainda não começou. A visita à catedral, em ruínas, é desoladora. No entanto, andando pelas ruas, já não se veem mais tantos sinais do terremoto; os materiais foram removidos e a maioria das casas recuperáveis parece ter sido reparada. Contudo, edifícios públicos, de governo, continuam em ruínas.
Ainda se observam grandes campos de tendas, onde as pessoas continuam a viver e a esperar uma casa para morar; muita gente também foi para as periferias da cidade e constituiu novas favelas, ocupando áreas disponíveis; outros foram para as montanhas, perto de Porto Príncipe, onde o ar é melhor; também essas estão à espera de receber uma casinha. De fato, a poluição do ar é grande, além da poeira, pois é seco neste período.
Na visita ao núncio apostólico, pudemos ouvir uma nova explicação sobre a situação do país e sobre o fluxo das ajudas internacionais para a reconstrução do país. Uma breve visita aos capelães do Brasil e do Paraguai, das Forças de Paz da ONU, também foi proveitosa para compreender o papel dessas forças internacionais, que continuam no Haiti, cuidando da segurança, mas em grau já diverso do início de sua presença; hoje já existe uma polícia haitiana, que começa a ter significado sempre maior para cuidar da ordem.
Passei a maior parte do tempo com os sete missionários da Missão Belém, que estão estavelmente no Haiti. Eles vieram para cá há cerca de dois anos e já estão fazendo um trabalho de grande significado e valor em Warf Jeremie, um bairro distante do centro de Porto Príncipe; trata-se de uma favela formada sobre um lixão imenso, onde as pessoas vivem em barracos paupérrimos, em condições degradantes para a dignidade humana, sobre o lixo, junto com um canal de esgoto a céu aberto, com porcos por todo lado e um mau cheiro insuportável. Dizem que seriam mais de 200 mil pessoas! Por toda parte, muitas crianças! Não há ruas, nem luz, nem água encanada. Não há trabalho e as pessoas procuram “fazer bicos” para sobreviver.
Nesse bairro, já existem vários trabalhos sociais, de diversas organizações. Foi ali também que a Missão Belém iniciou, com o apoio de benfeitores de São Paulo e da Itália, um centro de acolhida para crianças; foram construídas várias casinhas simples, mas decentes, com salas para acolher crianças; funciona como uma escolinha, que já acolhe cerca de 450 crianças, desde seis meses até oito anos; a maioria delas são bem pequenas e isso requer a ajuda de voluntários e assalariados. A manutenção é assegurada por apadrinhamentos à distância e pela Providência de Deus...
A visita às salas foi comovente; as crianças estão limpinhas, bem nutridas, os olhinhos brilhando... Passam o dia inteiro ali e recebem alimentação três vezes ao dia. À tarde, voltam para suas mães. Se não estivessem ali, provavelmente estariam brincando sobre o lixo, em meio ao esgoto, passando fome... Com as crianças, os pais, sobretudo as mães, também são envolvidas na escolinha e aprendem a fazer muitas coisas úteis. Uma vez por semana, uma das religiosas da CRB, que é enfermeira, vai lá e dá alguma assistência à saúde.
Os missionários visitam as casas, promovem várias ações de evangelização com o povo e já falam o creolo fluentemente... Vi que são bem aceitos e bem quistos pelo povo. Eles mesmos também vivem numa choupana precária e muito pobre, como são as do povo, para compartilhar concretamente a vida daquela população.
Fizemos uma via sacra no meio da favela, esgueirando-nos entre os barracos, onde não existem ruas... Foi uma experiência chocante ver de perto onde e como vivem aquelas pessoas. A ideia de Jesus, que continua a carregar a cruz nas dores e sofrimentos da humanidade, foi muito forte.
Hoje, 12 de janeiro, transcorre o terceiro aniversário do terrível terremoto, no qual perderam a vida mais de 300 mil pessoas; entre elas, também doutora Zilda Arns, que tinha vindo para cá fundar a Pastoral da Criança. Rezarei uma missa num santuário, lembrando de todas as vítimas. Já tive contatos com as religiosas da CRB, que estão empenhadas em várias frentes de trabalho para ajudar a população a retomar a vida; há várias congregações, de diversos países, bem como grupos de voluntários, fazendo o mesmo.
O Haiti continua sendo um país muito pobre e devastado; mas tem muitas possibilidades e, com muitos pequenos “milagres”, motivados pela solidariedade e a caridade fraterna, certamente conseguirá superar a situação atual.
(Jornal O São Paulo)
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