Homilia de 21 de abril, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 17 de 23 de Abril de 2015
“Hoje a Igreja é Igreja de mártires”. E entre eles estão “os nossos irmãos degolados numa praia da Líbia; aquele rapazinho queimado vivo pelos companheiros porque era cristão; os migrantes que foram lançados no alto mar porque eram cristãos; os etíopes, assassinados porque eram cristãos”. Evocando a história do protomártir santo Estêvão, o Papa Francisco, na missa celebrada na manhã de terça-feira 21 de Abril na capela da Casa de Santa Marta, recordou os muitos mártires de hoje: inclusive aqueles os quais não sabemos os nomes, que sofrem nas prisões ou são caluniados e perseguidos “por tantos tribunais modernos” ou ainda, vivem cada dia “a fidelidade na própria família”.
O Pontífice deu início à homilia indicando precisamente o que une todos os mártires: são aqueles, explicou, “que na história da Igreja deram testemunho de Jesus” sem necessidade “de outro pão: para eles Jesus era suficiente, porque tinham fé nele”. E “hoje — frisou — a Igreja faz-nos refletir e propõe-nos, na liturgia da palavra, o primeiro mártir cristão”, santo Estêvão, do qual falam os Atos dos Apóstolos (7, 51-8,1).
“Este homem não sentia fome, não precisava negociar, chegar a compromissos com outro pão para sobreviver” afirmou o Papa. E com este estilo “deu testemunho de Jesus” até ao martírio. Desde “ontem — recordou, referindo-se à liturgia da palavra do dia anterior — a Igreja começou a falar dele: alguns na sinagoga, os ‘libertos’, levantaram-se para discutir com Estêvão, mas não conseguiram resistir à sabedoria e ao espírito com os quais falava”. De fato, explicou, “Estêvão estava cheio do Espírito Santo e falava com a sabedoria do Espírito: era forte”. E aquelas pessoas “instigaram alguns para que dissessem que o tinham ouvido pronunciar palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus, e dar falso testemunho”. Com estas acusações “provocaram o povo, os anciãos, os escribas: capturaram-no e conduziram-no ao sinédrio”.
“É curioso” — observou o Papa — como “a história de Estêvão” siga “os mesmos passos de Jesus”, isto é, o esquema dos “falsos testemunhos” para “subverter o povo e levá-lo a julgamento. E hoje ouvimos como acaba esta história, porque Estêvão no sinédrio explica a doutrina de Jesus, dá uma longa explicação”. Na realidade os seus acusadores “não queriam ouvir, tinham o coração fechado”. Assim “Estêvão, com a força do Espírito, disse-lhes a verdade: ‘Teimoso e incircuncisos no coração e nos ouvidos’, isto é, pagãos, ‘não tendes o coração nem os ouvidos da fé em Deus’”. Com a expressão “sois pagãos, incircuncisos” Estêvão “quis dizer exatamente isto”. E acrescenta: “Opondes sempre resistência ao Espírito Santo”.
“Uma das características da teimosia diante da palavra de Deus” é constituída pelas “resistências ao Espírito Santo”, explicou o Papa, repetindo as palavras de Estêvão: vós sois “como os vossos pais. Quais foram os profetas que os vossos pais não perseguiram?”. Portanto, Estêvão “recorda muitos profetas que foram perseguidos e assassinados por terem sido fiéis à palavra de Deus”. Depois “quando confessa a sua visão de Jesus, o que Deus lhe mostra naquele momento, ele, cheio do Espírito Santo, todos se escandalizam e bradam a alta voz, fazem um clamor, fecham os ouvidos”. E isto é um “bom sinal”, comentou o Papa, porque “não queriam ouvir”. E deste modo “todos se põem contra ele, arrastando-o para fora da cidade e começam a lapidá-lo”.
É sempre esta a “história dos mártires”, também “os do Antigo Testamento, dos quais Estêvão falou no sinédrio”. A questão é que a “palavra de Deus desagrada a certos corações, a palavra de Deus incomoda quando se tem um coração duro, quando se tem um coração pagão, porque a palavra de Deus interpela a pessoa a ir em frente, oferecendo e saciando-a com aquele pão do qual Jesus falava”.
“Na história da revelação” afirmou Francisco, há “muitos mártires que foram assassinados por fidelidade à palavra de Deus, à verdade de Deus”. Assim “o martírio de Estêvão assemelha-se muito com o sacrifício de Jesus”. E enquanto o lapidavam Estêvão rezava, dizendo: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”. Como não recordar que Jesus disse na cruz: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”? E ainda os Atos dos apóstolos narram-nos que Estêvão “dobrou os joelhos e bradou em alta voz: ‘Senhor, não lhes atribuas este pecado’”. De novo, Jesus disse: “Perdoai-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem”. Eis aqui toda “a magnanimidade cristã do perdão, da oração pelos inimigos”.
Mas “os que perseguiam os profetas, que perseguiram e assassinaram Estêvão e muitos mártires — disse Jesus — pensavam que louvavam a Deus”, que fazendo assim, “eram fiéis à doutrina de Deus”. E, afirmou o Papa, “hoje gostaria de recordar que a história da Igreja, a verdadeira história da Igreja, é a história dos santos e dos mártires: os mártires perseguidos” e muitos até “assassinados por aqueles que pensavam que louvavam a Deus, que possuíam a verdade: coração corrupto, mas a verdade”.
Também nesses dias “quantos ‘Estêvãos’ há no mundo!”, exclamou o Papa. E mencionou histórias recentes de perseguição: “Pensemos nos nossos irmãos degolados numa praia da Líbia; aquele rapazinho queimado vivo pelos companheiros porque era cristão; os migrantes que foram lançados em alto mar porque eram cristãos; os etíopes, assassinados porque eram cristãos”. E muitos outros, acrescentou, “que não conhecemos, que sofrem nas prisões porque são cristãos”.
Hoje, afirmou Francisco, “a Igreja é Igreja de mártires: eles sofrem, dão a vida e nós recebemos a bênção de Deus pelos seus testemunhos”. E “existem também os mártires escondidos, homens e mulheres fiéis à força do Espírito Santo, à voz do Espírito, que abrem caminhos, que procuram caminhos novos para ajudar os irmãos e amar mais a Deus”. Por esta razão “são suspeitados, caluniados, perseguidos por muitos tribunais modernos que se consideram donos da verdade”. Hoje, disse o Pontífice, existem “muitos mártires escondidos” e entre eles numerosos “que para se manter fiéis à própria família sofrem muito por fidelidade”.
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