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Passos N.111, Dezembro 2009

MEMÓRIA - PADRE GIORGIO PONTIGGIA

“Cristo é verdadeiramente tudo, é a realização do humano”

por Giorgio Vittadini

O primeiro encontro na década de 1960. Uma companhia de amigos no seminário. E, depois, a relação com Dom Giussani, o grupo da paróquia, os colegiais de CL, o Colégio Sacro Cuore... Lembranças de um homem que, deixando-se educar até o fundo por quem tinha respondido ao seu coração, tornou-se um pai para milhares de jovens. E um exemplo para todos

“Padre Giorgio permanecerá para todos nós um exemplo de seguimento do carisma na vida atual do Movimento.” Esta frase da mensagem de Julián Carrón por ocasião da morte de padre Giorgio Pontiggia define bem toda a sua vida. No entanto, aos 14 anos, Giorgio era apenas um rapaz que, como tantos na época, tinha precocemente começado a trabalhar e, no tempo livre, participava de um grupo de amigos apaixonados por teatro, do qual também fazia parte o jovem Renato Pozzetto. Era uma vida em que a fé não tinha muito espaço. O Senhor o espera até o momento em que, em 1963, eles se aproximam da Paróquia Santa Maria Caravaggio, de Milão, com o único motivo de ter uma sala para ensaiar teatro. Ali, o coadjutor é um padre do Movimento, Fernando Tagliabue, que começa a fazê-los descobrir a beleza da fé. A tal ponto que Giorgio decide dedicar toda sua vida a Cristo. Entra para o seminário onde faz o ensino médio e, depois, inscreve-se em teologia. Ali, forma-se uma companhia de amigos que seguem o Movimento, uma experiência que o Cardeal Angelo Scola, que também participava do grupo, lembrou na mensagem enviada por ocasião de sua morte: “Padre Giorgio possuía a extraordinária capacidade de despertar em todos, sobretudo nos jovens, este desejo ardente. Ao mesmo tempo, não desistia de provocar sempre a liberdade para que se assumisse até o fundo a responsabilidade pessoal e comunitária do dom da fé”. Foi em um encontro organizado por Mario Peretti para os seminaristas próximos do Movimento que Giorgio encontrou Dom Giussani pela primeira vez.
A paixão por Cristo e pelos homens determina a personalidade de padre Giorgio quando, em 1970, saído do seminário depois de uma breve experiência como vice-diretor no Colégio San Carlo, é destinado como coadjutor na paróquia de Santa Maria de Fontana, em Milão. Também aí, os sinais da crise de 1968 são evidentes: resta apenas uma pequena comunidade juvenil que logo desaparece.

“RECOMECEI COM OS JOVENS”. Mas padre Giorgio não desiste: “Recomecei com os mais jovens. Estava ali todos os dias e eu fazia tudo, jogos, cantos, a oração diária, e via que eles se entusiasmavam”. Bem rápido padre Giorgio percebe que a atividade no oratório não é suficiente porque o coração da vida desses jovens é a escola. Assim, em 1972, começa a dar aulas no Colégio Cremona onde, graças a outros professores, nasce uma comunidade do Movimento. “Lentamente a Casa da Juventude da Paróquia de Fontana tornou-se a sede dos colegiais de toda aquela região e os jovens iam lá fazer as tarefas escolares. Tínhamos também criado um lugar, ‘a capelinha’, onde as mães vinham fazer comida para todos... eu ficava ali o dia todo, envolvido com a vida deles. Telefonavam-me, pediam conselho, ...”
O nascente grupo de universitários (CLU) também ia lá comer. Padre Giorgio não participa das refeições, mas aparece no início ou no fim, pois Dom Giussani, naquela paternidade que crescerá dia a dia durante toda a sua vida, lhe pede para corrigir, para aconselhar. Os jovens do CLU, que frequentavam o lugar, também puderam conhecer seu temperamento “aparentemente autoritário, mas na verdade paternalmente afetuoso” – como disse o Cardeal Tettamanzi –, o que mostra, como diz ainda Carrón, “que ser cristãos significa ser homens, sem censurar ou esquecer nada”. Muitos adultos, provocados ao verem seus filhos tão contentes e tão empenhados com o cristianismo, começam a se envolver em algumas obras.

OS ANOS DOS COLEGIAIS. Dom Giussani acompanha com atenção a experiência da Paróquia de Fontana e, em 1978, propõe a padre Giorgio que seja o responsável nacional pelos colegiais, pois vendo os “seus” na universidade percebe que “agem de maneira diferente”. Essa responsabilidade – compartilhada durante anos com Elena Ugolini – significará para padre Giorgio, daquele momento até o fim, uma implicação pessoal: “A única coisa que me move a estar com os jovens é o pensamento de que eles estão em caminho como eu, são parte de mim, temos o mesmo destino”. E é com esse espírito que, em 1984, aceita a proposta de guiar o nascente Colégio Sacro Cuore: “Aceitei, embora não soubesse nem o que era uma escola, sabia apenas que era o Colégio Cremona”. Não é uma decisão de pouco valor a de deixar uma realidade tão significativa como a da Paróquia de Fontana, mas padre Giorgio começa a aventura do Sacro Cuore mais uma vez movido pela paixão pela vida de cada jovem. Toda manhã está presente na entrada para olhar os estudantes no rosto. Todo dia está pronto para escutar e envolver-se com seus problemas. Nasce uma simpatia profunda entre eles, e são muitos os que dizem: “No Sacro Cuore, padre Giorgio fez com que eu me tornasse um homem”. Ao mesmo tempo, como diretor, constrói a escola. Não basta assegurar um bom nível didático e moral, porque eu não quero que a escola eduque; quero que a escola permita que um homem possa se educar”. Por isso, faz de tudo para que o Sacro Cuore não se torne “a escola confessional de CL”: a genialidade do carisma deve ser antes de tudo uma novidade nas aulas. A proposta contida em Educar é um risco (tradição, crítica, experiência no presente) vive sobretudo na postura pessoal dos professores: “O fruto maior do empenho de vocês não é a solução dos problemas dos jovens, mas a mudança de vocês. Afrontar os problemas que se apresentam no relacionamento com eles, tornará vocês mais maduros na vida de todos os dias”. Isso estimula também um trabalho cultural como reflexão sobre a experiência da educação em ato que leva à revisitação da proposta didática em um diálogo constante com os coordenadores e os professores. Nasce o método que pouco a pouco se estende do Sacro Cuore a muitas outras escolas e faz com que os jovens do Sacro Cuore estejam entre os mais preparados nas universidades.
Ao mesmo tempo, separada da instituição e da didática, é proposta ao Sacro Cuore a experiência dos colegiais que, graças à colaboração de professores como Giorgio Assenza, Cristina Guazzarri e muitos outros, dá vida a uma comunidade que se distingue pela liberdade da proposta e da adesão.

A RIQUEZA DA IDADE. Mas há um testemunho ulterior que o Senhor, a certo ponto, pede a padre Giorgio: aos 53 anos tem o primeiro infarto, ao qual se seguirá um outro; logo depois, descobre um tumor no pâncreas e em seguida, a diabetes. Durante 16 anos aceita a doença sem se lamentar e segue com fidelidade as indicações da equipe médica. Mas não para de se dedicar aos jovens, nos colegiais e no Sacro Cuore: “Algumas vezes me pergunto, com meu ritmo já mais lento, como posso estar entre os jovens. Não posso mais me envolver com os interesses, as atividades esportivas ou lúdicas, não posso mais participar delas. Quando me faço esta pergunta entendo que eu, como eles, sou feito e que estou em caminho, em direção ao destino, em direção à meta. Isso une, e a idade se torna uma riqueza”. Padre Giorgio entende que essa responsabilidade implica um envolvimento total com os adultos que lhe são mais amigos e compartilham sua paixão educativa a tal ponto que, em um momento particularmente dramático de sua vida, começa com eles uma nova fraternidade. A modalidade é simples: um jantar a cada duas ou três semanas, sem uma organização pré-definida, uma conversa que, também graças a ele, é sempre intensa e tocante. Nascem também novas intuições e propostas educativas como os grupos do Graal que, por meio de momentos de convivência e de estudos guiados, introduzem os jovens ginasiais na descoberta da beleza e da correspondência ao humano do cristianismo. Com Alberto Bonfanti, cria Portofranco, um centro de reforço escolar livre e gratuito proposto em todas as escolas de ensino médio que se difunde em muitas cidades.
Sobre todo esse trabalho é sempre intenso o diálogo com Dom Giussani: “Quando o encontrava, lia os depoimentos que alguns estudantes davam durante as reuniões; ele ficava surpreso pela pertinência e pela profundidade com a qual exprimiam o fato de Deus no meio de nós, que muda a vida de todos os dias. Ficava tão comovido a ponto de exclamar que era preciso aprender com eles”.
E este diálogo aumenta o desejo de identificação com o carisma: padre Giorgio dedica muitas horas por dia à leitura e fichamento dos textos de Dom Giussani, à pesquisa de livros, discos e filmes que possam ajudar seus rapazes no caminho, à preparação escrupulosa para os inúmeros encontros organizados em várias cidades. Nesse seguir, em um memorável encontro de 1992, Giussani sugere a padre Giorgio e aos seus amigos padres, uma modalidade com a qual a identificação com o carisma pode crescer: tornar-se companhia guiada ao destino. Nasce, assim, a Studium Christi, uma fraternidade de padres que decidem seguir a regra dos Memores Domini e, embora continuando radicados na tarefa e no lugar indicados por seus Bispos, encontram-se com frequencia, colocando em comum dinheiro, oração, juízo sobre a própria vida. A fraternidade Studium Christi o acompanhará, assim, até o último instante.
Dom Giussani acha essa proposta tão fascinante que decide passar os últimos anos de sua vida no Sacro Cuore, com o desejo de compartilhar a experiência da Studium Christi. Padre Giorgio fala sobre aquele período: “Era comovente vê-lo rezar! Muito frequentemente, quando Dom Giussani lia o breviário, me fazia sinal para ficar perto dele, lia algum versículo e o explicava para mim. Quando não estava bem, conseguia ler apenas um pequeno trecho, mas era a sua vida. Não havia realidade que não carregasse dentro uma semente de letícia e, quando sentia dificuldade, pedia apenas que o lembrássemos de Cristo”.

FILHO DO CARISMA. Depois da morte de Dom Giussani, para padre Giorgio a filiação no carisma continuou na afeição e no seguimento de Carrón: “Vocês não podem imaginar o que foi a morte de Dom Giussani para nós, que fomos seus amigos durante tanto tempo. Mas a certo ponto, entendi que o apego a ele e o amor a Cristo passava por um real apego a quem ele tinha nos indicado”. Deste seguimento, nasce a paixão que o leva a colocar padre Eugenio Nembrini na direção do Sacro Cuore, e a sintonia total com a novidade trazida pela presença na responsabilidade nacional dos colegiais de seu irmão Franco Nembrini.
São sinais de uma pobreza alegre e maravilhada que já domina toda a sua vida, cujo segredo é revelado pelo próprio padre Giorgio em um jantar da fraternidade, poucas semanas antes de morrer: “Cristo é realmente tudo, é o realizar-se do humano”. As últimas semanas de paixão, quando é assistido amavelmente por Angela Grisenti e Marisa Mighetti e por seus familiares, faz com que ele faça experiência plena até o sacrifício supremo.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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