Dezessete anos preparando o projeto. Em maio, finalmente é lançado o satélite que tem por missão fotografar a primeira luz do espaço. MARCO BERSANELLI, um dos cientistas que comandam o projeto, conta o que está aprendendo com essa iniciativa europeia. Partindo de um versículo da Bíblia
Ariane, carregando seu precioso hóspede, partiu. E agora que o satélite Planck está no espaço, de onde nos bombardeará com informações sobre a origem do universo, Marco Bersanelli, professor de Astrofísica na Universidade de Milão e um dos diretores desse projeto inédito, pode esboçar um primeiro balanço. Provisório, claro. Mas já rico, visto que se trata de pôr à prova as raízes e o objetivo de uma obra que absorveu grande parte do seu trabalho nos últimos dezessete anos. Bersanelli acabou de chegar da base de lançamento da Agência Espacial Europeia em Kourou, na Guiana Francesa, de onde, no último dia 14 de maio, acompanhou o lançamento do satélite. Sua impressão desse momento? “Inesquecível”, conta. “A expectativa era muito grande. Tentávamos dizer alguma coisa, sorrir, mas a tensão era visível.” No fim, um silêncio irreal. Três, dois, um... “Vimos o Ariane subindo; entre nós o silêncio era absoluto, a respiração suspensa: 780 toneladas que pareciam mais leves que o ar. Alguns segundos depois, ouvimos um barulho impressionante. E a luz: aquele brilho vermelho-laranja dos motores laterais era fortíssimo, muito mais forte do que eu imaginara...”
Mas você, o que pensava? Você trabalhou tanto no projeto, a tensão devia ser um peso...
É difícil descrever a impressão ao ver aquele veículo subir reto para o alto e continuar a se afastar da Terra até desaparecer aos nossos olhos, e pensar que dentro dele está o fruto do esforço de muitos anos de nosso trabalho e de muitos amigos e colegas, com os quais compartilhamos abundantes momentos de vida. Ele segue rumo ao seu destino, a um milhão e meio de quilômetros da Terra! Dá um nó na garganta, quase perdemos o fôlego. Ao meu lado estava um colega, muito meu amigo. Eu sussurrei para ele: “...foi!”, mas ele nem respondeu. Depois, percebi que chorava. Os pensamentos agitavam a mente, mas admito que estavam um pouco desfocados...
Qual é exatamente o objetivo da missão?
Observar, com uma precisão sem precedentes, a primeira luz do universo. É a luz lançada no espaço há 14 bilhões de anos, quando a idade do universo era 0,003% da atual; na prática, de um universo recém-nascido, antes da formação das galáxias, das estrelas, das estruturas que vemos hoje. Planck é o que existe de mais avançado no setor; uma joia tecnológica. E há grande expectativa quanto aos resultados que esperamos obter nos próximos dois anos. Temos uma chance de revelar algo a respeito do primeiríssimo “respiro” cósmico, a chamada inflação: uma infinitésima fração do segundo inicial, a partir do qual todo o espaço teria se dilatado de modo exponencial.
Dezessete anos de preparação, o trabalho de dezenas de pessoas em todo o mundo, milhões de Euros investidos... Mas, números à parte, na sua opinião de onde vem o interesse por um empreendimento desse tipo?
Os homens fazem essas coisas porque têm uma inata necessidade de entender; querem tentar conhecer as próprias origens e o próprio destino, usando todos os meios de que dispõem. Nós, homens, somos feitos assim. Também a pesquisa científica, a seu modo, é uma expressão dessa exigência de conhecimento do real e de afeição a si. Claro, a ciência não dá respostas últimas; mas, de certo modo, também pode ajudar na pesquisa do que somos e de qual lugar ocupamos no mundo. E pode sugerir aos simples de coração o quanto é grande o Mistério que faz tudo isso, porque, como diz o Livro da Sabedoria, a partir da grandeza e da beleza das criaturas conhecemos, por analogia, o seu autor. É uma forma de afeição a si mesmo, ao próprio destino. Essa, pelo menos, é a maneira como eu a vivo. Aliás, quem de nós fica indiferente diante da possibilidade de descobrir as nossas raízes cósmicas, de compreender algo da expansão do universo através do tempo?
Alguém disse que a realização de um satélite científico é, talvez, a obra moderna que mais se assemelha à construção das antigas catedrais. O que o senhor acha?
Há, de fato, analogias. Por exemplo, a duração do projeto: um satélite complexo pode exigir de 20 a 25 anos de desenvolvimento, uma vida. Depois a unicidade: cada satélite científico é único, assim como uma obra de arte. É algo que não se faz em série: muito sofisticado, muito caro, e basta um para alcançar o objetivo proposto. E depois o número de pessoas envolvidas: não existe um “autor”, mas pessoas unidas que trabalham juntas, guiadas por alguns que têm as ideias mais claras. Pelo menos é o que se espera... Mas me parece que as analogias com as catedrais terminam aí.
O senhor nunca escondeu a sua experiência de fé, inclusive publicamente. Como vive essa experiência em relação à especificidade do seu trabalho? Como essa fé se confronta com o método científico?
A fé não substitui o método científico, o que geraria um caos. E nem intervém para modificar a dinâmica dele. Porém, modifica a consciência com a qual o pesquisador se relaciona com o objeto do seu estudo; neste caso, o universo. Por exemplo, com o passar dos anos, me comove cada vez mais a ideia da nossa tradição judaico-cristã segundo a qual o criador do universo é um “pai”. Não é só um arquiteto, um engenheiro, nem mesmo um artista, mas um pai; alguém que não só faz as coisas de modo perfeito, mas um pai que ama as suas criaturas e se alegra com elas, se entrega a elas, quase que se liga à liberdade delas. Fico impressionado com o refrão do Gênesis: “E viu que era uma coisa boa”. Toda a realidade, até aos rincões mais remotos do universo, foi querida. E o nosso eu foi construído à imagem do Criador; há um parentesco misterioso entre nós e o Mistério. De outro modo não compreenderíamos a racionalidade da ciência, que se funda na esperança de podermos compreender algo a respeito da criação, inclusive lá onde nós ainda não investigamos. Por que precisamos que as coisas sejam compreensíveis? O que temos em comum com essas praias distantes do espaço e do tempo, se não o fato de que, talvez, venhamos do mesmo gesto generoso do Mistério?
No entanto, é hábito atribuir à fé um valor puramente subjetivo, em oposição ao conhecimento “objetivo”, o único garantido pelo método científico. Como se o “eu” de que o senhor falou não servisse para o conhecimento ou, até mesmo, fosse um obstáculo a ele...
A cultura contemporânea parece atribuir à fé o espaço do sentimento e, à ciência, o da racionalidade. Mas essa completa “separação entre saber e crença”, como dizia Heisenberg, é enganosa porque falsa, e certamente não corresponde à minha experiência. O “crer” não é um ato de mera vontade, e sim a adesão racional a um testemunho crível. A fé, tal como eu a encontrei, é um método poderosíssimo e velocíssimo de conhecimento, necessário inclusive para a caminhada científica: como se poderia fazer um projeto como Planck sem crer na palavra de outros, centenas, milhares de vezes ao dia? E é justamente esse método que pode nos guiar no conhecimento do sentido último, do Mistério. Por isso tem um alcance e uma dignidade cognoscitiva ainda maior do que o método científico.
Outra coisa impressionante desse projeto é o “jogo de equipes”, o fato de ser compartilhado passo a passo com outras pessoas. De certo modo, é uma obra comunitária. Que relação o senhor estabeleceu com seus colaboradores, nesses anos?
Uma relação que não hesito em definir como de amizade intensa e de gratidão, especialmente com aqueles que há mais tempo trabalham comigo nessa aventura. Mas, na realidade, com todos, espalhados pelo mundo; talvez porque mesmo uma colaboração breve ou ocasional, se for por um objetivo grande, gera uma relação significativa. Dificuldades existem, é verdade, mas também elas são ocasião de crescimento humano e científico. É um pouco como caminhar na montanha: a gente compartilha a beleza, o cansaço, a meta e o risco da aventura; assim, o laço que se cria é forte. E tende a abraçar a pessoa inteira, não só a sua função no projeto. Por isso, às vezes digo aos amigos do meu grupo, que o nosso objetivo é construir Planck, mas sobretudo construir a nós mesmos enquanto trabalhamos.
A fotografia do universo recém-nascido Planck foi lançado junto com Herschel (um telescópio espacial infravermelho), no dia 14 de maio de 2009, às 10h12, hora local, da base Esa de Kourou, na Guiana Francesa. O veículo é um foguete Ariane 5, com 780 toneladas de peso e 59 metros de altura. Planck, no momento, está em viagem para a sua órbita final, em torno do ponto Lagrangiano L2 do sistema Terra-Sol (a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, quatro vezes mais distante do que a Lua); a partir daí, poderá realizar as observações, longe das perturbações térmicas e eletromagnéticas da Terra. O objetivo Planck foi projetado para realizar um mapa completo do fundo cósmico de micro-ondas, a luz primordial lançada no universo quatorze bilhões de anos atrás, com uma precisão jamais obtida até agora. As observações de Planck visam a decifrar as frágeis ondulações – na intensidade e na polarização – do fundo cósmico para lançar nova luz sobre os primeiros momentos da história do universo, sobre a sua geometria, sobre a sua composição e a sua evolução. O satélite Planck hospeda dois instrumentos no plano focal de um telescópio de 1,5x1,9 metro de diâmetro. Para alcançar a sensibilidade necessária, os instrumentos são resfriados a temperaturas próximas do zero absoluto (-273,15oC), com extrema estabilidade: -253oC para o instrumento de baixa frequência (Lfi), e -273,05oC para o instrumento de alta frequência (Hfi). A combinação dos dois instrumentos cobre nove faixas com comprimentos de onda compreendidos entre 11 e 0,3 milímetros, com uma resolução angular e uma sensibilidade sem precedentes. O satélite mede 4,2 metros tanto no comprimento quanto na altura, e um peso de 1.950 quilos no momento do lançamento. A colaboração Os dois instrumentos, Lfi e Hfi, foram projetados e realizados por dois consórcios internacionais comandados, respectivamente, pela Itália e pela França. Em particular, a contribuição da Itália no projeto Planck é de primeiríssimo nível, tanto no plano científico (Iasf/Inaf de Bolonha, Universidade de Milão, Sissa, Observatório Astronômico de Triestre, Universidade de Roma, e outros), no plano da indústria espacial italiana (Thales Alenia Space de Milão e Turim), com o suporte da Agenzia Spaziale Italiana (ASI). O consórcio Lfi compreende a Finlândia, a Grã-Bretanha, a Espanha, os EUA, a Alemanha, a Suíça, a Noruega e a Dinamarca. |
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