A minha é uma história simples: eu sou de Aracaju e nasci em uma minha família católica, mas depois, na época da universidade, acabei me afastando um pouco da Igreja. Fiz Sociologia e estava interessado em como lidar politicamente com as coisas, pois achava que o caminho para resolver os problemas era com a revolução, e que conhecendo esse tipo de coisas ajudaria as pessoas, porque o mundo vivia uma situação difícil e eu precisava fazer alguma coisa nesse sentido. Mas logo que eu entrei na universidade, percebi que as pessoas não eram sérias. Aí, eu fui procurar o que a minha mãe, com seu jeito muito simples, sempre tinha me dado: Cristo. Eu, como todo jovem arrogante, não conseguia entender, porque queria explicações muito sofisticadas para as coisas e não percebia que as coisas eram simples. Comecei a me interessar e um amigo que conhecia um padre que tinha sido professor da universidade, mas era aposentado, me sugeriu que o procurasse. Chegando lá, eu me confessei, começamos a conversar e ele me aconselhou a fazer um Curso de Teologia para leigos. E foi justamente fazendo esse curso que eu comecei a tomar gosto pelas coisas da Igreja. Nessa época, eu atravessei um momento difícil, vivia uma crise existencial, e toda quinta-feira eu saía um pouco mais cedo do trabalho e ia à adoração da Eucaristia e pedia muito a Deus que me desse a graça de me abandonar na fé, porque eu achava que tudo devia ser planejado, que você tinha que controlar as situações e eu não conseguia me abandonar. Mas mesmo assim eu comecei a crescer na fé, Cristo começou a me escutar e eu passei a amar mais a Cristo por meio desses encontros e da amizade com esse padre.
Depois, fiquei pensando em quantos jovens, como eu, viviam essa mesma situação – entravam na universidade seduzidos por inúmeras coisas – e pensei em montar um grupo de jovens. Uma necessidade minha era conhecer mais a Cristo e à Igreja, então eu achava que isso ajudaria também a outros. Eu sempre dizia a eles que a fé não tinha nada a ver com ignorância, que a pessoa podia ser um bom estudante, que podia ser uma pessoa instruída e podia ter fé, que era uma coisa totalmente diferente do que se dizia na universidade e que aquilo era uma farsa. Em 2003, comecei a reunir algumas pessoas lá do meu bairro. Éramos quinze jovens e o grupo se chamava Ecclesia Mater. A ideia era trabalhar o catecismo e as contribuições da cultura cristã no mundo. Eram pré-universitários e alguns já eram universitários e conversávamos sobre essas coisas. As reuniões eram nas casas das pessoas e era uma coisa tão grande que nos reuníamos de dez a meia-noite e, às vezes, entrava noite adentro, porque estava todo mundo muito compenetrado no que ia fazer. E nessa história eu conheci alguns movimentos, como os Focolares e a Opus Dei, mas Comunhão e Libertação não era muito conhecido.
ALGO DE NOVO. No início de 2004, eu estava em uma livraria, no Shopping de Aracaju, junto com um amigo que também havia sido meu professor de Filosofia na universidade. Ali, eu vi o livro de Dom Giussani: É possível viver assim?. Por causa desses estudos, tudo o que aparecia de novo eu queria dar uma olhada e achei o título interessante. Depois, eu li as orelhas do livro e vi que o autor tinha escrito mais algumas coisas, fui então olhar a página da introdução e achei muito interessante. Daí, perguntei ao meu amigo o que ele achava daquele livro e ele me respondeu que aquele livro não valia nada e que era de um padre conservador doente, e que isso fazia parte de uma estratégia do Papa João Paulo II para destruir a Teologia da Libertação, apoiando esses movimentos. Devolvi o livro, mas fiquei com aquele título na cabeça e, não sei se foi no mesmo dia ou na mesma semana, voltei na livraria e comprei o livro. Comecei a ler É possível viver assim? e o que mais me tocou na primeira parte é que era uma abordagem totalmente diferente daquilo que eu imaginava. Eu tinha estudado Teologia na escola para leigos, mas nunca tinha visto uma pessoa tratar das virtudes teologais – fé, esperança e caridade – daquele jeito, com a força de colocar quem lê na cena do fato. Quando eu li Dom Giussani, me senti como os Apóstolos diante de Cristo, me senti chamado como eles. E o que mais me fascinou ali era a paixão com que ele escrevia. Dom Giussani não se excluía. Você o sente pulsar naquelas palavras, sente a paixão dele. Procurei na internet sobre o Movimento e achei o site. Depois, passei a assinar a revista Passos. Mas eu não pensava em entrar no Movimento, até porque, antes, eu falava muito mal dos movimentos para os meninos, falava que os movimentos queriam alienar as pessoas, pois era isso que eu ouvia dos padres. Então, passei um bom tempo sem me envolver, mas comecei a fazer aquilo que Dom Giussani falava nos livros: prestar atenção nas amizades, ficar junto com os meninos... e isso começou a surtir um efeito, porque a amizade entre nós foi crescendo cada vez mais. E comprei outros livros de Dom Giussani pela internet e, cada vez que eu o lia, eu me apaixonava cada vez mais por ele e pelo modo como ele escrevia, e por Cristo, porque ele falava de um modo totalmente original, que não era aquela coisa seca da Teologia que eu estudei; era uma coisa viva, era uma coisa que revolucionava.
UM PASSO À FRENTE. Em maio de 2007, resolvi escrever um e-mail à secretaria nacional pedindo o contato dos responsáveis pela comunidade de Salvador-BA, por ser a comunidade mais próxima de Sergipe. Natalice me respondeu indicando os telefones de Dom Petrini, de Gilberto e de Otoney e mandou o meu e-mail para eles. Otoney se antecipou e me escreveu dizendo que estava à disposição para entrar em contato comigo. Eu comecei a perguntar várias coisas, e ele me convidou para ir visitá-los. Naquela época, eu estava cursando o mestrado e surgiu a possibilidade de participar de um Congresso Internacional em Salvador. Liguei para o Otoney e ele me pegou na rodoviária. Era um dia em que ele estava muito ocupado e ficamos rodando na cidade para resolver algumas coisas, e no trajeto ele ia me falando sobre o Movimento. E eu me surpreendi com isso porque ele me recebeu com uma espontaneidade, de modo tão natural, que eu vi que o cristianismo pulsava nas veias dele. Ele não precisava colocar uma máscara para falar comigo. É normal que, quando vamos receber uma pessoa, modifiquemos a casa, arrumemos tudo para querer impressionar, e ele nunca fez isso. Neste congresso, eu conheci Dom Filippo Santoro, Bispo de Petrópolis. Eu e o Otoney fomos levá-lo ao aeroporto e lá tivemos a possibilidade de conversar. Ele me disse que eu tinha que começar uma Escola de Comunidade lá em Aracaju. Eu fiquei preocupado e falei disso com o Otoney e ele me respondeu: “Ou você segue um Bispo da Igreja, que é um sinal concreto do Mistério, ou você segue a si mesmo. Você tem essas duas alternativas”. E aí eu fiquei mais preocupado ainda! O que eu ia dizer para os meus amigos? Eu sempre falei mal dos movimentos e agora vou começar um? Depois, naquela noite eu estive na reunião do grupo de Fraternidade de Otoney. Foi muito bonito o que aconteceu lá e conheci várias pessoas. Isso foi em março e eu ia me casar em setembro e os convidei. Até setembro eu não comecei a Escola de Comunidade, pois não tive coragem, mas comecei a falar de Dom Giussani, e que iam chegar algumas pessoas que eram amigas dele.
Para o meu casamento apareceram em Aracaju o Otoney, Miriam e seus três filhos, e André, Silvana e seus dois filhos. Não tivemos muitas oportunidades para conversar devido à organização do casamento, mas me convidaram para ir a Salvador na semana seguinte para assistir ao testemunho do ator Pedro Sarubbi, que interpretou Barrabás no filme “A Paixão de Cristo”. Conversei com minha esposa, Ana Paula, e nós fomos. Foi realmente muito bonita a palestra, e ficamos muito marcados pela hospitalidade da Ana Cecília, que fez questão de nos receber em sua casa sem nunca ter nos visto antes. E esta é uma coisa típica do Movimento: você encontra com a pessoa uma vez e parece que já a conhece há muito tempo. Passado um tempo, Silvana voltou a Aracaju e me pediu para marcar a Escola de Comunidade e aí eu não tive escapatória. Disse para os meninos que eles não precisavam se comprometer, que fossem só para ver como era, mas que era algo que estava fazendo muito bem para mim, e eu até já estava usando esse método com eles, mas nunca tinha dito que era Comunhão e Libertação. E eles foram e gostaram do que escutaram. Só duas pessoas não quiseram voltar, mas os outros, mesmo sem entender, me disseram que se era uma coisa boa para mim eles também queriam ficar.
UMA MUDANÇA VISÍVEL. E assim começamos a fazer a Escola de Comunidade e começamos a perceber as mudanças, porque os rostos das pessoas já não eram mais os mesmos. Alguns amigos começaram a testemunhar a mudança de comportamento de suas famílias, que começaram a ter uma postura diferente em relação à vida porque começavam a se interrogar o que estava acontecendo com seu filho, irmão ou sobrinho que estava sensivelmente mudado. E os pais dos jovens começaram a manifestar o desejo de participar das reuniões também. E eu tenho certeza que tudo isso é fruto da forma como Dom Giussani apresenta o cristianismo, aquela forma viva. E a Silvana, de Salvador, sempre ia nos encontrar, mas eu estava um pouco sozinho lá para conduzir o grupo e aconteceu o fato de um casal de São Paulo, Silvia e Gualter, ir morar em Aracaju. Isso foi muito bom, porque eles já tinham convivência com as pessoas do Movimento e também têm feito companhia para mim e minha esposa.
Outro fato marcante foi quando eu defendi minha tese de mestrado. Decidi chamar Dom Petrini para participar da banca, pois assim ele também poderia ir nos visitar. Ele recusou a diária do hotel e, pouco antes da defesa, a Silvana nos avisou que ele queria ficar em minha casa. Ficamos apreensivos, mas ele é uma pessoa muito simples e nos deixou bastante à vontade. Foi muito importante para nós a presença dele em nossa casa, a paternidade dele... e, na defesa da dissertação correu tudo bem e foi um dia maravilhoso. Mas o melhor ainda estava por vir, naquela noite. Nós tínhamos uma reunião marcada com o grupo para falar um pouco sobre o Movimento, e Dom Petrini, junto com os amigos de Salvador que o acompanharam – André e Dimitri –, poderiam dar seus testemunhos. O encontro reuniu em torno de 25 pessoas, alguns que eu nem esperava que fossem. Eu fui buscar uma pessoa e deixei Dom Petrini ir na frente, mas ele ficou me esperando chegar. Quando ele começou a falar da sua experiência e do encontro com Dom Giussani, eu fiquei emocionado, porque tudo o que ele contou da vivacidade de Dom Giussani, do olhar de Dom Giussani, de como Dom Giussani via Cristo em tudo (se tinha um bom vinho ele falava de Cristo, se tinha uma paisagem bonita ele falava de Cristo...), era o que eu queria viver. E quando ele começou a falar disso eu não me contive e comecei a chorar no meio da reunião, pois eu fiquei profundamente tocado com aquela descrição, que era justamente o que eu tinha sentido quando comecei a ler Dom Giussani. Eu nunca encontrei Dom Giussani e nunca tive a oportunidade de estar próximo dele, mas quando eu o olhava nas fotos ou em algum vídeo eu ficava emocionado, porque ele me contagiava com a paixão dele, quando eu olhava nos olhos dele meus olhos brilhavam, porque os olhos de Dom Giussani brilhavam sempre. Foi realmente muito bonita aquela noite, e era evidente que tinha outra coisa ali, que aquilo não era uma coisa que podíamos fazer, era uma coisa que o Mistério tinha feito para nós.
Alguns meses depois, nós participamos das férias do Movimento junto com a comunidade de Salvador e fomos acolhidos muito bem. Um amigo que, desde o início, estava neste grupo comigo, ficou tocado por como se falou do trabalho ali. Antes, ele não se empenhava muito, mas depois, num dia de convivência que fizemos em Aracaju, ele deu um testemunho. Ele é engenheiro e contou que quando o chefe foi fiscalizar uma de suas obras, disse: “Está muito bem feito, mas desse jeito você vai falir a minha empresa, porque você gasta muito material. Você pode fazer um pouco ‘pior’ para gastar menos”. E ele disse que sempre respondia que fazia aquilo pensando nas pessoas que iam habitar aquelas casas, mas depois das férias ele mudou a resposta e disse: “Mas eu faço isso por Cristo”. O chefe já estava virando as costas e voltou. E ele repetiu: “Eu faço por Cristo. Eu sempre disse que fazia pelas pessoas, mas se eu faço por Cristo eu vou fazer melhor e as pessoas vão se sentir melhor neste local”. E o chefe respondeu: “Bem que eu vi que você tinha alguma coisa diferente das outras pessoas que eu encontrei”. E o meu amigo falou que participava de umas reuniões, etc. e o chefe pediu pra conversar melhor depois, pois nunca teria previsto uma coisa assim. E os outros amigos do grupo lá de Aracaju também começaram a ter uma postura diferente, a amizade começou a se tornar mais forte.
TESTEMUNHAS, HOJE. No dia de convivência, programamos uma gincana e, no final do dia, planejamos assistir ao vídeo “Vidas Extraordinárias”, aquele documentário sobre Dom Giussani. E ali, vendo a presença dele entre os jovens, Dom Giussani me surpreendeu mais uma vez. Duas coisas me tocaram muito nessa entrevista. A primeira é que ele dizia que as pessoas, a Igreja, passam por um momento difícil porque elas perderam a coragem de dizer quem é Cristo, porque temos um senso de inferioridade que nos impede de dizer quem é Cristo, que nos impede de anunciar, de testemunhar quem é Cristo, porque temos medo, ficamos paralisados, dizemos que é outra coisa. E Dom Giussani dizia que tem que ter coragem, tem que dizer que Cristo é, porque não é possível que quando a pessoa conheça Cristo não fique tocada, não perceba a correspondência com o coração dela. Depois, a segunda coisa que me marcou foi na cena que mostra um monte de jovens esperando por ele para uma palestra e o jornalista perguntou por que tantos jovens queriam escutá-lo. E ele foi curto e grosso: “Simplesmente porque eu creio naquilo que falo”. E eu fiquei pensando em como a Igreja precisa disso, de pessoas – como o Carrón diz – que são testemunhas. Não são doutrinadores, são pessoas que acreditam. Os jovens têm sede, têm vontade de conhecer, mas muitas vezes encontram na Igreja pessoas que falam de Cristo, mas que não manifestam Cristo. E eu tinha muito medo de iniciar essa experiência do Movimento, porque lá todos se conhecem e eu não sabia qual seria a situação. O meu coração pedia aquilo, eu queria, mas eu tinha medo. E o encontro com o Otoney e com a Silvana me ajudou, pois eu queria viver como eles, com essa espontaneidade, com esse desejo de Cristo. Descobri que a minha humanidade não era um obstáculo para Cristo, mas que os meus desejos me levavam para Cristo, que a minha humanidade era uma ponte, era um caminho para Cristo. Então, isso foi muito forte para mim, e mesmo com todos os meus preconceitos e as minhas fragilidades eu sabia que eu tinha que ir em direção àquilo, eu sabia que eu tinha que dar o “sim”.
Eu podia muito bem continuar com o meu grupinho, não precisava transformar aquilo em Comunhão em Libertação, mas eu percebi que era justo propor para os meus amigos aquilo que fazia tão bem a mim. Eu comecei a amar a minha mulher de uma maneira diferente, comecei a amar os meus amigos de uma maneira diferente, nesse encontro com Dom Giussani – um encontro frágil, já que por meio de um livro – e nas poucas vezes que fui a Salvador e vi Otoney falando, vi a paixão dele quando falava de Cristo, e isso me seduziu. Eu quero isso, o que eu tenho que fazer? E é como se Cristo me dissesse: “Seja simples, entregue isso para eles, porque eles sabem fazer melhor do que você”. E foi o que eu fiz. Eu disse para eles que estava indo para o Movimento Comunhão e Libertação e quem quisesse viesse junto, porque a vida agora é isso, é seguir Dom Giussani. Antes, eu achava que bastava ser católico e que se eu participasse de um movimento eu seria um grupinho dentro da Igreja, mas depois eu entendi que seguindo Dom Giussani eu estava servindo à Igreja da melhor maneira possível. E é preciso tomar consciência disso porque muitas vezes brincamos de ser Igreja, e eu queria ser sério. Não é brincadeira você deixar suas coisas para ir fazer Escola de Comunidade, ir se reunir com os jovens, etc. Então, eu me entreguei a isso. E vendo o gesto da Cleuza e do Zerbini, na Praça de Sé, de entregar a Associação deles, uma coisa muito maior do que o que eu fazia em Aracaju, digo o mesmo: “Encontrando o Movimento encontrei tudo”. Então, eu me sinto bem à vontade de colocar a minha associação, o meu trabalho, a minha vida, à disposição desse amigo que é Carrón. Eu não tinha nada, mas para mim era uma grande riqueza, porque eram meus amigos e eu queria o bem deles. Mas entendi que para querer o bem deles eu tinha que fazer essa oferta. E realmente eu posso testemunhar que é uma coisa grandiosa o que tem acontecido, porque não sou eu que faço, mas é Cristo mesmo. Eu tinha até medo de dizer isso, mas os meus amigos estão me ajudando a dizer “é Cristo mesmo”, porque não sou eu, não tenho condições de fazer isso, mas Cristo utiliza os instrumentos que quer e eu, que não sou ninguém, que estou vindo pela primeira vez na Fraternidade hoje, Ele me chama a viver isso. Muito obrigado.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón