Nada pode ser
como antes
Caro padre Carrón, em junho de 2008, descobrimos que esperávamos um bebê. Fomos ao sétimo céu. A alegria e a maravilha cresceram ainda mais quando descobrimos que eram dois. No quinto mês, durante o exame de ecografia, vimos o rosto do médico assumir uma expressão preocupada: grave cardiopatia congênita de uma das gêmeas. A minha reação foi violenta. Quando saímos do hospital, grito ao meu marido Max, que me abraça, que não acredito em Deus e que Ele não nos ama. Depois de tanta espera, aquele coraçãozinho doente parece uma zombaria; o caminho que se prevê para a criança é tortuoso, sem que o problema possa ser resolvido completamente. Passamos na casa de meus pais para lhes contar: eu continuei a repetir que não ia levar isso adiante, que não poderia olhar minha filha todos os dias pensando que amanhã ela pode morrer. A resposta deles me impressionou: “Você vai olhar da mesma maneira a filha saudável. Ambas lhe foram dadas, o bom Deus proverá, a elas e a vocês”. Naquela noite, decidimos levar a gravidez até o fim. Para mim, foi uma decisão difícil, confiei na força e na fé firme do meu marido. Porém, intuí que negar aquela vida significaria negar tudo: Max, meus pais, meus amigos, minha história, a mim mesma. Então, pensei que, de algum modo, Cristo se faria presente. Começou um período cansativo e estranho: cansativo porque foi uma peregrinação contínua por hospitais, consultas com os melhores cardiologistas, lágrimas a cada confirmação do diagnóstico; e estranho, porque eu e Max estávamos contentes. Uma noite, propusemos a alguns amigos rezar juntos o terço. Eles vão além e propõem tornar o terço um gesto fixo para a nossa comunidade. E assim foi: todos os domingos nos reuníamos para rezar o terço. Chegou o dia do parto. Tudo foi confirmado: uma menina está bem, a outra é levada à UTI. Decidimos batizá-la imediatamente. Foi o início de um relacionamento muito particular entre nós e aquela filha que, fechada no berço de vidro, podíamos tocar com dificuldade. Veio-me em mente que podia fazer apenas uma coisa: cantar. Duas foram, em particular, as músicas que cantamos para ela todos os dias: Lasciate fare (Deixa-te fazer) e Quando uno ha il cuore buono (Quando a pessoa tem o coração bom). Durante dois meses, vivemos num ritmo vertiginoso: em casa, com uma das meninas, no hospital, com a outra. Os amigos se revezavam para nos ajudar, ficando com Sofia enquanto íamos ver Noemi. Também continuamos a rezar o terço. Uma noite, depois de mais um dia frenético, disse ao meu marido que era grata a ele: agradeci por ele ser uma rocha, por ter sido sobretudo graças a ele que aconteceu o nosso “sim” a Noemi. Também lhe disse que naquele momento, se me oferecessem uma menina com o coração perfeito, diria: “Não, obrigada. Tenho a minha Noemi”. Talvez fosse isso que Jesus queria me ouvir dizer. Poucos dias depois, na noite do Sábado Santo, Noemi foi para o céu. Mesmo sem falar, sem mover-se, sem que pudéssemos “cobri-la de beijos” como se faz com todos os filhos, a presença de Noemi foi tão persuasiva, tão potente, que mudou radicalmente as nossas vidas, tanto que agora “nada pode ser como antes”. Jesus esteve fisicamente, materialmente perto de nós durante meses: nós O vimos, O ouvimos, O tocamos.
Raffaella e Max, Milão (Itália)
Um trabalho
fora dos esquemas
“Contemplarei todos os dias o rosto dos santos para encontrar repouso em suas palavras”. A partir desta frase, dita a mim por um amigo, comecei a pedir para que eu pudesse mergulhar naquela humanidade que leva consigo a evidência e os sinais de uma vida-vida. Assim, agora entendo aquilo que Julián disse há dois anos em San Diego: “Ser cristãos é extremamente simples, assim como foi para os discípulos: tudo o que precisam fazer é ir pescar com ele, caminhar com ele e deixá-lo entrar em suas vidas”. Assim, “indo pescar com ele”, o que me acontece é dar-me conta dessa presença no que acontece concretamente, com tremor em poder dizer: “Eu Te amo mais”. Recentemente, aconteceu algo incrível: fechamos um contrato para fazer faxina em um prédio de escritórios. Admitimos cinco jovens, dos quais um deles vindo do Iraque, com problemas mentais. As pessoas que nos encontram, vendo-nos e aquilo que fazemos, sobretudo como o fazemos, nos olham e dizem: “Vocês são fora dos esquemas, nunca vimos uma coisa assim”. “Sim”, é a minha resposta, o que é “fora dos esquemas” é o cristianismo vivido como um fato que ultrapassa a medida da razão, que preenche e muda o “comum”. Não estamos inventando nada, mas vivendo a razoabilidade, a beleza deste fato que muda o humano. Sábado trabalhei com Nancy o dia inteiro. No final do dia, quando terminamos, fomos jantar juntos. Estávamos felizes, satisfeitos e, enquanto jantávamos, ela me disse de repente: “A única, verdadeira contribuição que podemos dar e estamos dando ao mundo, por meio do nosso trabalho, é ser fiéis à história pela qual Deus nos chamou e nos chama”. Que ternura o Mistério tem para com a minha vida. Na segunda-feira, entramos no prédio seguros, ingênuos e certos de que temos tudo, acompanhados de cinco jovens, carregando um aspirador de pó, duas latas de lixo e, dentro de tudo isso, com a consciência do nosso “sim”. E isso basta.
Guido, Los Angeles (USA)
A medida certa
para cada coisa
Como há algum tempo não ocorria, fui à assembleia da comunidade, no dia 21 de maio, desejando encontrar “Algo”, alguma coisa que me colocasse mais firme no relacionamento com Cristo. De fato, eu desejava encontrar Cristo e viver mais uma vez a experiência de encontro, no tempo presente. Já na chegada tive a alegria de encontrar alguns amigos da Fraternidade, e também aqueles que comigo fazem Escola de Comunidade. Esta é uma companhia caríssima, e vê-los ali me deixou feliz e orgulhoso (pois é sempre uma escolha pessoal). Dois testemunhos me chamaram bastante atenção: o primeiro quando o Kim comentava que Cristo também passava pelas feridas na sua experiência concreta; e depois fiquei embasbacado pela genialidade simples na qual a Cleuza retomava a certeza no seu pertencer, a partir de sua atenção com as pessoas ao contar sobre uma mulher “ex-CL” que a havia procurado. Neste último caso, aquilo que eu fora buscar na assembleia tinha se concretizado, pois quando ela disse que, de fato, todos temos problemas, mas que eles não são maiores do que nós, e que devemos dar a medida certa para cada um deles, esse foi o ponto que me fez arregalar os olhos. Isso mudou tudo! Não posso encarar os problemas como antes. O que desejo é aprender com aquilo que ouço e vejo, portanto, ver a Cleuza daquela forma me ajudou a olhar para a realidade e desejar, de fato, que os problemas não sejam maiores do que eu, que o “perder-se” dê lugar à esperança e que entre em jogo o relacionamento com Cristo; que nada possa obscurecer Sua presença; que eu não esqueça de pedir e que não escolha outra coisa que não esta companhia, ou seja, os amigos e os instrumentos que me ajudam a lembrá-Lo sempre. Que eu escolha Cristo, porque já por Ele fui escolhido, verdadeiramente. O meu dia seguinte, no trabalho, já foi diferente! Não porque eu tenha conseguido uma super estratégia para solucionar os problemas, mas porque a minha postura era outra, muito mais justa, humana.
Waltson, São Paulo – SP
De volta ao início
Retomando as anotações do belíssimo encontro com Carrón no Ibirapuera, fiquei com o desejo de reler isso várias vezes, como um pedido para que essas palavras permaneçam vivas e pulsantes no meu dia–a-dia e não se tornem só palavras bonitas, mas chamas vivas que me queimam. Elas me encheram de comoção e me remeteram à mesma alegria e frescor do início, do dia em que o Senhor teve a bondade de ir me encontrar, lá onde eu estava, naquela escola que mais parecia uma entrada de garagem, em Copacabana, no mês de abril de 1984, por dois padres que tinham como que diamantes no olhar. Ele, o Senhor, fez daquele dia a sua manjedoura para tornar a minha pobreza sinal da sua presença potente que tudo vence: tempo, espaço, qualquer condição, eu mesma. Ele quis nascer em mim, dentro de nós, e reluzir através de nós, em nosso olhar, pelos nossos poros, a Sua Misericórdia. Por isso (e creio que é a primeira vez, depois de tantas outras vezes que já havia rezado), com tamanha clareza, desejo o mesmo que se diz na oração de padre Grandmaison: “Um coração de criança, puro e límpido como a água da fonte (...). Um coração atormentado pela glória de Cristo, ferido pelo seu amor, com uma ferida que não se cicatriza senão no céu”. E que a Virgem Senhora, Mãe, me auxilie a não perder esse propósito, que me auxilie, juntamente com todos os que ouviram Carrón, a ter sempre mais sede d’Ele e, principalmente, um coração grande e puro, para que Ele possa reinar em nós. Agora, passados quatro meses do encontro, é que reli, realmente, muitas vezes, durante um bom tempo, aquelas anotações e as mesmas sempre me renovam a alegria. Fiquei muito feliz em ver que Passos publicou na íntegra os textos e também editou o DVD desse encontro, pois assim também posso rever essas imagens que contribuíram tanto para reacender o frescor que tenho vivido, como se fossem as primeiras horas do encontro com o Movimento. Isso tem me enchido de gratidão e escancarado o meu coração a fazer memória do pedido diário para que Ele determine todo o meu dia, do Seu modo, e que eu me renda sempre mais à Sua Presença que me enche de paz e da certeza que sem Ele não consigo fazer nada que valha realmente a pena! Obrigada.
Ângela, Belo Horizonte – MG
“Meu Deus, faça-me ser como eles”
Exercícios dos adultos. Acompanhei trinta novos amigos que, há um ano, fazem Escola de Comunidade comigo e que, pela primeira vez, participaram dos Exercícios. O primeiro maravilhamento foi com a resposta deles. Sem nenhuma insistência, quase todos se inscreveram já na primeira noite. Durante a viagem eu pensava: “Espero que entendam alguma coisa... que fiquem tocados pela beleza do gesto”. Na sexta-feira à noite, quando vi o olhar maravilhado e comovido deles, o meu pedido se tornou outro: “Meu Deus, faça-me ser como eles”. E, assim, depois de tantos anos, para mim foi como participar dos “primeiros Exercícios”. Mas para mim a maior comoção aconteceu na volta, na Escola de Comunidade seguinte. Era como um rio caudaloso. Os olhos dos amigos feridos pela humanidade de Cristo. A seguir, alguns testemunhos.
Roberto, Salerno
“As circunstâncias não são um acaso, mas tudo é para que a vida encontre o seu Senhor”. Quando ouvi essas palavras, senti-me verdadeiramente amada. Pertencia a alguém. O Mistério tinha operado em minha vida. Sinto-me uma pessoa renascida e este renascimento não me permite mais ser triste! A primeira coisa que fiz quando voltei para casa foi contar tudo aos meus filhos e amigos. Estou tentando envolver nesta experiência todas as pessoas que me são mais caras, porque quando encontramos algo bonito e forte não podemos mantê-lo apenas para nós, mas é preciso dizê-lo, testemunhá-lo. O grande trabalho que nos espera é levar a sério, amar essa humanidade que Dom Giussani amou tanto. Jesus não erra. Agora, é com a gente. Cada um de nós erra, eu erro. Não entendemos tudo, não entendo tudo, mas se O deixarmos, a quem iremos?
Rosanna
É verdade que sou um mendicante... em busca de Cristo. Estava anestesiado antes de entrar no pavilhão e saí vivo. Vi a presença de Cristo na humanidade diferente de vocês. Finalmente encontrei Cristo, que me quer bem do jeito que eu sou e que me fez chegar no fundo do meu desejo: o de vê-Lo. Quero convidar meu time para participar do nosso encontro de Escola de Comunidade!
Gianni, ex-jogador de futebol e agora treinador
A graça do encontro com o Movimento, o incontido rio abundante do meu coração que luta com as últimas resistências do orgulho de quem “não tem necessidade de pedir, nunca!”...Por cerca de um ano, a aflita busca. Lendo e relendo. O senso religioso, O itinerário da fé, É possível viver assim?, e muitos outros. Mas a bússola ainda não apontava para o norte. Depois, outra vez, um fato: os Exercícios. O jovem rico. Jesus, olhando para ele, o amou. E ele, como eu, ao invés de acolher o pedido do coração, fica triste e vai embora. Aqui, chorei novamente! Pensando que é possível passar toda a vida sem dizer sim às exigências do próprio coração. O bisturi dos testemunhos era impiedoso! “Você não pode continuar a matar a sua humanidade que grita”. Era assim que eu gemia por dentro. E ele continuava a desferir os seus golpes. A mesma coisa acontecia em quem estava ao meu lado, em quem estava em volta. Não apenas a minha humanidade foi finalmente ferida, mas também a dos colegas. Experimentar isso, na minha idade, não é fácil. E pensava, então é verdade, convertem-se em dez mil!
Gerardo
Exercícios Espirituais. Dez mil pessoas que seguem movidos por um só desejo: a própria felicidade. Porque esta é a única coisa que nos interessa, que me interessa! Da fé, o método para enfrentar a vida cotidiana, as dificuldades, o relacionamento com os filhos e a esposa... Tudo por meio de uma companhia humana, uma amizade. Não podemos nem ser felizes sozinhos. Para mim, hoje, ou a fé é algo útil para a minha vida ou não me interessa. É possível viver assim. Devemos viver assim, senão somos realmente bobos!
Nicola
Férias em Paulo Afonso
Em abril, participar das férias, para nós, foi, antes de tudo, uma ocasião para sermos educados. A beleza de cada gesto, mesmo os mais simples, gerava em nós a consciência de que cada instante constitui uma possibilidade de relacionamento com Cristo. A atenção com que vivíamos cada momento, tornava possível dizer com clareza: “Tudo me é dado, aqui e agora!”. No ônibus, conhecendo melhor as pessoas, já era possível perceber a vontade de vida em cada um. Nos passeios, vendo as belezas naturais, a atenção que nos era pedida fazia-nos perguntar: “Quem é este que nos presenteia?”. Na apresentação sobre o arquiteto Gaudí, era impossível não desejar viver a realidade com aquela consciência. Ver a apresentação de Péguy e os testemunhos sobre o trabalho foram, sobretudo, uma oportunidade de sermos ajudados a olhar com mais clareza esta dimensão da nossa humanidade, enquanto expressão do nosso ser e relação com o destino. Enfim, o grande fruto de tudo isso é a oportunidade de vivermos com a mesma intensidade cada circunstância da vida, o que só é possível por meio do reconhecimento: “Tu, Senhor, aqui presente!”. Agradecemos à comunidade de Comunhão e Libertação de Salvador, por nos ajudar concretamente a viver cada momento com esta Febre de Vida que Cristo introduz na história.
Marcelo e Ariane, Salvador – BA
Viagem a Sioux Falls
Encontrar os colegiais no campo
Fui encontrar uma jovem que se chama Briege, que veio às férias dos colegiais em fevereiro. Sua mãe, tocada pela leitura de É possível viver assim?, decidiu levá-la. Moram na região das Cataratas de Sioux, na Dakota do Sul. Telefonei para ela antes da Páscoa. Falamos sobre tudo o que a interessava, sobre o Evangelho (vem de uma família muito católica), sobre as canções que não conseguia se lembrar bem. Prometi que iria visitá-la assim que o trabalho permitisse, pois a viagem dura quatro horas de carro. Quando cheguei lá, levou-me para dar uma volta no bosque que há atrás da sua casa. Ela propôs a Escola de Comunidade aos seus vizinhos, que moram a 12 km de distância. Todas as terças-feiras, encontra-se com cinco ou seis amigos. Sábado, conheci uma delas, que se apresentou como “Susan, dos colegiais” (e provavelmente nem sabe direito o que isto significa). Quando me despedi, Briege começou a chorar, porque não conseguia convencer os amigos a irem nas próximas férias. Disse-me: “Como podem me seguir se eu não tenho ninguém para seguir?”. Então, lembrei-me do que Carrón nos disse, que o encontro com Cristo revelou em nós o que já nos foi dado pelo Batismo e, portanto, não nos falta nada para viver (imaginem se fomos nós, em três dias de férias, que fizemos acontecer tudo aquilo!). Assim, entendi que Briege pode me seguir somente se eu a sigo, isto é, se sigo aquilo que o Espírito está fazendo acontecer nela e, por intermédio dela, aos outros. No fundo, não fui visitá-la por nenhum outro motivo a não ser por obediência àquilo que acontece a ela.
Sebastian, Rochester (USA)
Credits /
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón