Tomem-no como um teste. Engraçado, mas não muito. Muitos, ao ler a “manchete” desta capa, poderão ter pensado, ainda que por um instante: “Algo de novo? Mas o que há de novo no Natal? Existe coisa mais estável, repetitiva, quase ritual, do que a liturgia dos acontecimentos que nos aguardam nos próximos dias?”. Tomem-no como um teste, então. Nada mais. Mas é um indício. Algo que faz vir à tona, ainda que por um momento, a tentação que se apresenta a nós sempre que nos defrontamos com o Acontecimento cristão: é uma lembrança, devota e muito bela, ou um Fato presente? Aconteceu no passado, e pronto, ou acontece agora? “Algo justaposto” – como diz o Cartaz de Natal, algo cujos termos essenciais, fatores e características eu já conheço – ou então “algo dentro”, dentro do meu eu e da minha vida e, portanto, dramaticamente irredutível ao que já conheço?
É nesse cruzamento que tudo muda. É aí que se pode tomar a estrada sem saída do “já visto” – o que pode ser feito facilmente, e até mesmo com o apoio de todo o patrimônio de uma história e de uma vida onde “Cristo” e as palavras cristãs ecoam com tanta frequência que pensamos já saber tudo –, ou aceitar o drama de uma relação viva, atual. Algo que acontece agora. E, então, “a consciência do Mistério presente torna a nossa vida um fluxo contínuo de novidade”.
Há meses que estamos mergulhados numa persistente batalha para abrir a razão. Para combater o que Bento XVI insiste em definir como “positivismo”, essa ideia estéril e sufocante pela qual a realidade é apenas o que se vê e se toca, nada mais. É uma luta decisiva pela vida, já o dissemos e repetimos praticamente em todos os editoriais e em muitas páginas desta revista recentemente. Sobretudo, porém, o vivemos. Vemos quando nos falta o fôlego ao olhar a realidade e quando voltamos a respirar ao vê-la pelo que ela é: sinal do Mistério.
Ora, nessa batalha irrompe de repente um fato. É Deus mesmo que aceita o desafio. Para nos ajudar a abrir as janelas – aliás, a botar abaixo as paredes do bunker no qual nos encerramos, para levar adiante a imagem usada pelo Papa –, Ele decidiu entrar. Fazer-se carne e sangue. Algo que se vê e se toca e é tão pequeno que, à primeira vista, pode ser medido com um rápido olhar: uma criança. Mas algo que, nesse mesmo rápido olhar, carrega consigo a possibilidade de uma abertura tão vertiginosa que leva os mais simples de coração a se ajoelharem, como os pastores: um Mistério.
É o desafio supremo à nossa razão. Deus assume “a nossa medida”, toma a forma de algo que podemos ver e tocar, para se fazer reconhecer no modo mais poderoso possível que a própria realidade é mais do que o que vemos. Não podemos mensurá-la.
Nessa criança, nesse ponto tão fugaz e aparentemente insignificante do mundo e da história, está Tudo. Está Ele. Mas nesses pastores ajoelhados, abertos para perceber a potência do Mistério num sinal tão “pequeno”, estamos nós. A nossa razão é chamada a se abrir a uma desproporção impensável, mas mais real do que o real. E há a possibilidade de que a vida, cada instante da vida, “hoje, às onze, à uma, às seis...”, se torne verdadeiramente um fluxo de novidade. É isso o que esperamos. Bom Natal.
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