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Passos N.134, Fevereiro 2012

CULTURA / CIÊNCIA E FÉ

O maior espetáculo depois do Big Bang

por Marco Bersanelli

Não só os "céus", mas tudo fala do Criador, desde o fulgor primordial até as montanhas. O homem? Um nada. Que, porém, “é coroado de glória e honra". Conferência de um astrofísico, que pesquisa a origem do universo por profissão, sobre o tema “Quem é Deus?” Diante do Pontifício Conselho para os Leigos, ele fala dele mesmo, de seu trabalho e daqueles grãos de poeira sobre a mesa...

A pergunta “Quem é Deus para você?” envolve toda a vida: a família, os amigos, os desejos, os interesses, o trabalho. E, como me foi pedido para responder a esta pergunta, é exatamente a partir da experiência do meu trabalho cotidiano que tentarei fazê-lo.
Meu trabalho é um pouco particular. Faço pesquisa científica no campo da cosmologia, ciência que estuda a estrutura e a evolução do universo no seu conjunto. Há muitos anos, com vários colegas e amigos espalhados pelo mundo, estamos estudando a primeira luz do universo: uma luz primordial emitida nos instantes iniciais da expansão cósmica, antes da formação das galáxias, das estrelas, dos planetas, e dos mesmos átomos que constituem o nosso corpo. Há quase 20 anos estou empenhado no projeto mais ambicioso neste setor, o telescópio espacial Planck da Agência Espacial Europeia. Ele foi lançado em 14 de maio de 2009 e está em uma órbita distante um milhão e meio de quilômetros da Terra. Graças a instrumentos de altíssima sensibilidade, resfriados a temperaturas perto do zero absoluto, Planck observa esse frágil fulgor proveniente dos confins do espaço-tempo, que chega a nós depois de uma viagem de quase 14 milhões de anos, e nos permite reconstruir uma imagem do universo recém-nascido com um detalhe sem precedentes.
A vastidão do universo, que a ciência contemporânea coloca diante dos nossos olhos, nos deixa assombrados: milhões de galáxias, cada uma composta por centenas de milhares de estrelas, distribuídas em um espaço cuja profundidade é medida em milhares de anos-luz (e cada ano-luz corresponde a cerca de dez milhões de quilômetros). Mas muito antes do surgimento da cosmologia moderna, o homem já vivia com grande intensidade o relacionamento com o universo.

FASCÍNIO MISTERIOSO. Todas as civilizações antigas foram profundamente marcadas pelo fascínio misterioso do céu, e perceberam na abóboda estrelada a vertigem, a imensidão, a beleza da criação. Nossa tradição bíblica também é muito rica de símbolos e referências astronômicas: “os céus” é uma expressão normalmente usada quando se fala de Deus. Ainda hoje, diante dos espaços sem fronteiras do universo que são o objeto do meu trabalho cotidiano de pesquisa, não posso deixar de me perguntar: quem é Deus neste universo imenso? E quem é o homem? De que modo nossa tradição judaico-cristã nos introduz e esclarece estas questões?
O antigo povo judeu, investigando a abóboda celeste a olho nu, deu-se conta muito bem da desproporção que subsiste entre a natureza humana e a imensidão do cosmo. As palavras no Salmo 8 são, ainda hoje – a meu ver –, insuperáveis em dar voz a essa desproporção, mesmo no contexto da nossa visão cosmológica moderna:
“Quando contemplo o firmamento, obra de teus dedos, a lua e as estrelas que lá fixastes, que é o homem, digo-me então, para dele te lembrares? Que são os filhos de Adão, para que venhas visitá-lo?” (Sal 8,4-5)
O que é o homem, quem somos nós nesta “morada sem medidas” da criação? Grãos de poeira, o homem é “quase nada” na imensidão do universo. A ciência moderna, bem longe de redimensionar esta desproporção, a amplifica muito. Mas o Salmo traz à luz outra vertente do paradoxo da condição humana:
“Entretanto, vós o fizestes quase igual aos anjos, de glória e honra o coroastes”(Sal 8,6)
O homem é uma partícula infinitesimal do universo, no entanto cada ser humano, o eu de cada um de nós, é um ponto vertiginoso no qual o universo torna-se consciente de si. É impressionante pensar na pequenez do homem e, ao mesmo tempo, na grandeza da sua natureza, comensurável apenas com o infinito. O homem é a autoconsciência do cosmo.
Fico marcado por essas passagens do Antigo Testamento nas quais a vastidão do céu é usada como imagem da grandeza de Deus, como sinal da desproporção entre Deus e o homem, como emblema da Sua misericórdia infinita.
“Tanto quanto o céu domina a terra, tanto os meus caminhos estão acima dos vossos caminhos, e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos” (Is 55,9)
A imensidão das dimensões cósmicas, que hoje a Ciência coloca em foco, aprofunda ainda mais a força desta comparação. Mas o universo, embora maravilhoso e imenso, é sempre indicado como um “sinal”, é apenas uma imagem, uma “analogia” do seu Criador. Há uma distinção fundamental entre a criação (o universo) e o Criador (Deus). As coisas, de fato, não se fazem por si.

QUESTÃO DE EQUILÍBRIO? Lembro que uma vez, há muitos anos, me encontrava em uma situação difícil. Tinha acabado de voltar para a Itália depois de muitos anos nos Estados Unidos, e tinha começado junto com outras pessoas o projeto que depois se tornaria o Planck. O trabalho era muito intenso, sempre viajava, e às vezes ficava longe de casa por longos períodos. Tínhamos um filho pequeno, que nasceu nos Estados Unidos e assim que voltamos à Itália nasceu nossa segunda filha. Nesse período também comecei a dar aulas na universidade. Em suma, me parecia não conseguir responder a tudo a que a vida me pedia. Um dia, tive a sorte de conhecer Dom Giussani, a quem contei a situação e pedi um conselho de como encontrar um equilíbrio, um comprometimento justo, entre minha responsabilidade na família, o empenho com a pesquisa, as aulas, etc. Depois de alguns segundos de silêncio, ele olhou para mim e me respondeu: “Não, não é um problema de equilíbrio. Aquilo de que você deve se dar conta é que, quando suas obrigações dizem respeito aos seus filhos e à sua mulher, quando dizem respeito ao seu trabalho e suas pesquisas, aos seus alunos ou seus amigos, diz respeito a Cristo”. Depois, pegou um lenço no bolso, passou-o na mesa e me mostrou, dizendo: “Está vendo esses grãos de poeira? Até esses grãos de poeira, em última instância, vêm dEle”.
Aquela conversa me tocou profundamente. Ela não resolveu meus problemas num toque de mágica (ao contrário... no decorrer dos anos, a complexidade da vida aumentou!), mas introduziu um olhar novo sobre as coisas, um olhar que, pouco a pouco, tornou-se maior em mim. “Tudo, em última instância, vem dEle”. Então, tudo é dado, tudo é criado. E há um ponto no qual a experiência da realidade como “dada”, “criada”, torna-se experiência sensível, evidência acessível à razão: a existência do meu eu neste instante. Usando mais uma vez palavras de Dom Giussani: “Nada é mais evidente do que o fato de que eu, neste momento, não estou me fazendo... Eu existo neste instante pelo fato de que sou desejado, sou amado... Eu sou Tu-que-me-fazes”. (O senso religioso, Ed. Universa, p. 162).

A SURPRESA DO REAL. Essa é a nossa condição, e é a mesma condição em que se encontram todas as coisas em nossa volta: os grãos de poeira, as estrelas do céu, cada galáxia e cada partícula do universo, o tempo e o espaço, todas as coisas, em última instância, têm raiz no mistério que as chama ao ser a cada instante. É daqui que nasce em nós a surpresa pela presença do real, sem a qual tudo é dado por óbvio, tudo se reduz a pura aparência, tudo se esvazia:
“São insensatos por natureza todos os que desconheceram a Deus, e, através dos bens visíveis, não souberam reconhecer Aquele que é, tomaram o fogo, ou o vento, ou o ar agitável, ou a esfera estrelada, ou a água impetuosa, ou os astros dos céus, por deuses. Regentes do mundo. Se tomaram essas coisas por deuses, encantados pela sua beleza, saibam, então, o quanto o Senhor prevalece sobre elas, porque é o criador da beleza que fez estas coisas” (Sab 13,1-3)
Um dos aspectos mais fascinantes que emergem da astrofísica atual é a evidência de que a vida, e a nossa existência, precisam da afluência de toda a história do universo para poder subsistir. Os antigos já sabiam que a vida humana depende do sol e da chuva, da fertilidade da terra, da alternância das estações. Hoje, sabemos que a vida depende também dos ciclos estelares, das explosões de Supernovas, do ritmo da expansão cósmica, do contraste de densidade no universo primordial, da estrutura das leis físicas, do valor das constantes fundamentais. Sem todas essas coisas (e muitas outras...), sem uma história cósmica de 14 milhões de anos, a vida não existiria. Quanto mais conhecemos o universo tanto mais cada um de seus aspectos nos parece concorrer para a possibilidade de hospedar a nossa existência.
No Antigo Testamento encontram-se referências sublimes ao universo (não só à Terra) como o lugar que acolhe a vida, o ambiente criado para tornar possível a nossa existência.
“Ele estende os céus como uma tela, e como tenda os desdobra para aí se abrigar” (Is 40,22)
O universo inteiro é o regaço da vida, até chegar no milagre chamado criatura humana. Deus chama cada um de nós pelo nome, único e irrepetível, e deu forma à nossa figura humana das profundezas de toda a história do cosmo, no segredo de suas vísceras, chegando à fisicidade do útero de nossa mãe.
“Nada de minha substância vos é oculto, quando fui formado ocultamente, quando fui tecido nas entranhas subterrâneas” (Sal 138,15)
Tentei dizer como, na minha experiência, o relacionamento com Deus anima a percepção do objeto do meu trabalho cotidiano, que é o estudo do universo. Mas para dizer a verdade, na minha vida, a familiaridade com Deus não é antes de mais nada fruto da pesquisa científica, que no entanto tanto me apaixona, mas mais que tudo é fruto de um encontro humano que fiz, e que continuo a experimentar no presente. “Deus” seria uma palavra abstrata para mim se não O tivesse encontrado em Jesus, por meio do encontro com testemunhas críveis, confiáveis, fascinantes, na Igreja. Sem o acontecimento dessa humanidade mudada, o que seria do meu olhar em direção ao universo? Talvez seria mais cínico, mais confuso, mais presunçoso... E o que seria do meu relaacionamento com os colegas, com os colaboradores, com meus alunos? Porque qualquer trabalho, também o meu, é feito sobretudo do relacionamento com as pessoas com quem se trabalha. E isso ainda é nada. O que seria do amor que sinto por minha mulher, por meus filhos e por meus amigos? O que seria de mim?

O MISTÉRIO E NÓS. É comovente pensar que o mistério eterno que cria do nada o universo, em cada instante se interessa por nós a ponto de se tornar companhia humana em nossa vida. E nesta perspectiva cósmica, é impressionante ouvir de Jesus, Rei do universo: “Até os cabelos de vossa cabeça estão todos contados” (Lc 12,7). Que ternura infinita, que vertigem. Esse é o caráter de Deus, o verdadeiro abismo: o cuidado que Ele tem por cada um de nós. Bento XVI escreveu aos seminaristas no dia 8 de outubro de 2011: “Para nós, Deus não é uma hipótese distante, não é um desconhecido que se retirou depois do Big Bang. Deus mostrou-se em Jesus Cristo. No rosto de Jesus Cristo vemos o rosto de Deus, em suas palavras ouvimos o próprio Deus falar conosco”.

(Colocação na XXV Assembleia Plenária do Pontifício Conselho pelos Leigos sobre “A questão de Deus, hoje”. Roma, 25 de novembro de 2011)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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