Bom, eu não me chamo Capitão Barbicha, não foi sempre assim que me chamaram. Tive outros nomes ao longo da vida, uns que gostei mais do que outros. Apelidos, sobrenomes, siglas e até números que tentaram me definir. Gosto especialmente dos nomes curtos, pois no fim das contas eles não dizem quase nada e assim vou ficando livre para ser eu mesmo.
Na verdade, ser eu mesmo já é uma batalha terrível que venho travando dentro de mim desde que nasci. É por isso, talvez, que vejo com bons olhos a ajuda de algumas pessoas que se atrevem a me distinguir, dando-me nomes, ora terríveis, pois traduzem um “eu” a fio de espada, ora extraordinários, dando-me louros e glórias, ora engraçados e mesmo ridículos. Confesso que quase sempre os nomes me acertam, sou eu mesmo, tudo e nada, tudo. Vejo-me nos olhos dos outros. Através deles vejo dentro de mim, sou atravessado por seus olhos e quando tenho sorte vejo algo sublime. Ver através dos outros não me distrai, o mais difícil é o primeiro passo, é cair no abismo de negar a sua própria aparência, a sua ideia sobre si mesmo. Mas agora que tenho essa barba nublada, espetada, pra ninguém ter dúvida sobre a minha coragem de dar saltos mortais, venho a público bradar: sou o Capitão Barbicha.
Mas sou, porque sou, sempre fui, desde tenra idade, quando fazia estradas na areia, ou quando fazia guerras de apaches, ou quando apertava o nariz do meu pai com o alicate (claro que tomei uns bons bicudos por isso), mas não se esqueçam, a coragem... Sou porque fui, sempre fui, desde o dedo em riste para que o meu pai não cometesse injustiças em casa, desde a necessidade de proteger os meus colegas menores da escola, deste o amor pelas meninas mais bonitas, coragem... desde a voz potente e agora cautelosamente rouca. A visão declina depois de algum tempo, os passos se atrasam, mas o desejo infla, se inflama quando o que está em jogo é o ser, ou talvez, me explicando melhor, o Ser. Acho que nunca dependeu e nem vai depender de mim as revelações do Ser, Sua necessidade de se mostrar e se explicar. Não depende, mas eu dependo. Se estou vivendo hoje e respiro compassadamente e mesmo sem fazer contas é pois, porque fui tocado, mordido pela sua Graça. A positividade, a coragem de arriscar e conduzir os meus soldados nas terras mais inóspitas, em expedições noturnas, em direção à lagoa dos sapos, ou ao enfrentamento dos terríveis piratas e suas fogueiras, é um dom da Graça e um exercício do olhar. Isso mesmo, uma educação do olhar. O olhar se desenvolve se você, caro amigo, conseguir se ensimesmar com aquilo que olha. “A Graça encontra beleza em tudo” (U2, Grace). Vocês poderiam dizer que sou meio atrapalhado e sem juízo. Desculpem-me concordar com isso, mas a culpa é de vocês que resolveram me seguir. Eu, como disse antes, tenho coragem, mas sobretudo, aprendi a olhar para vocês. Tenho anseios, mas o que faz aventurar-me é exatamente a urgência do vosso desejo. A travessia no rio, por exemplo, será inesquecível, a caçada aos tesouros idem, a contemplação das estrelas, o encontro com a fada Dora, o pozinho do riso... isso sem dizer que plantamos uma das nossas bandeiras no topo do morro mais alto da região, lugar em que vibramos cantando juntos. Abraço o vosso desejo como um pai, deixo-me conduzir, preparo tudo porque sei que dentro de mim também algo está sendo contemplado.
A imaginação não é o irreal, a imaginação é o extraordinário do real. O homem não é somente aquilo que vemos, a criança sabe disso e está em melhores condições de comunhão com o universo que nós adultos. Ela, se quer, voa... se quer, transmuta... viaja e mira ou cria novas possibilidades de mundo, mais em ordem com a Origem. O homem não é homem somente quando cresce, a infância exibe marcas do Ser que são intocáveis, já, independentemente de características genéticas ou de efeitos causais.
O soldado Chico me disse, “Capitão Barbicha, você devia ser sempre assim”; o soldado Maria Fernanda se divertindo falou, “você é ao mesmo tempo o meu tio Marco disfarçado de Capitão Barbicha”; ao chegar às margens da lagoa dos sapos um dos meus soldados ficou se perguntando se aquela cena toda era verdade... Caro amigo, era verdade. Aqueles sapos sempre estiveram ali, desde muito tempo. A novidade eram os nossos olhos: agora vemos beleza em tudo.
Soldado João, por sua causa fizemos a bandeira e começamos tudo de novo.
Soldado Virgilio, obrigado pelo nome. O carrego com orgulho de batismo.
Soldados todos da tropa CL 2012, aprendi com vocês a dizer o SIM irrestringível.
Capitão Barbicha
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