Há pouco mais de três anos eles se reúnem no campus. Os encontros nasceram de uma amizade. Agora enfrentam o desafio de um gesto público naquele ambiente, com o desejo de mostrar o rosto a todos
A ideia de um gesto público era antiga, mas nunca tinha acontecido. Nesse ano duas coisas nos motivaram. Primeiro, o testemunho de uma amiga recém-formada, Gabriela, sobre fazer Escola de Comunidade em um espaço público: “Foi como afirmar Cristo no meio das pessoas, sem vergonha de pensar o que elas ‘pensariam’ a respeito de nós (...) É perceptível a diferença entre reunir-se num local fechado (aparentemente protegido dos olhares e pensamentos humanos) e num lugar aberto. Não é só se jogar para ficar atento a uma experiência em casa, no trabalho, ou com os amigos, mas é você se jogar literalmente ao Infinito”. Depois, foi quando, durante a Assembleia de Responsáveis da América Latina (Aral), padre Carrón disse-nos da importância dos gestos, como ocasião de que o cristianismo não fosse apenas discurso, mas que tivesse carnalidade e isso nos diferenciaria dos discursos ideológicos.
Em fevereiro deu-se o início à preparação, mas tínhamos apenas três dias para definir tudo antes que chegasse o feriado de carnaval e também eu precisaria viajar novamente. Os encontros aconteciam em minha casa: reuníamos-nos às 15h, ouvíamos uma música e em seguida íamos tomar um café, gastávamos uma média de duas horas apenas falando de nossas experiências, dividindo a vida e depois ficávamos até às 21h preparando as coisas.
A primeira coisa que disse foi que o gesto não era para os calouros, não era para responder às perguntas deles, mas as nossas. Por isso a posição mais justa era imitar a Rainha de Sabá – como havia dito o Carrón na Aral – que se colocou em movimento com suas perguntas e necessidades ao saber da sabedoria de Salomão. E ela foi respondida, não só por palavras, mas com a comida que lhe era servida, os edifícios, os rituais, tudo era parte resposta.
Para alguns aquela proposta não era algo óbvio, como o foi para o João Victor, estudante de história: “Voltando para casa no primeiro dia fiquei pensando em tudo aquilo. Pensando principalmente que não precisávamos estar ali, não iria nos dar mais créditos ou ajudaria a nos formar mais rápido, outras pessoas podiam estar fazendo esse mesmo gesto. E uma frase de C. S. Lewis veio a minha cabeça ‘(...) também Deus não precisava ter criado o mundo’. Não era outra pessoa, mas eu que estava ali, era eu, e eu percebia que aquilo era um Dom, uma oportunidade que eu tinha de me colocar completamente naquilo, buscar por aquilo que ansiava”. No outro dia ele nos surpreendeu com a leitura que havia feito da edição do jornal Bússola (que tinha sido preparada para a recepção dos calouros): “Tenho constantemente me questionado sobre o modo de viver a Universidade, não somente como um mero estágio para conseguir um diploma, mas como algo que me ajuda a construir minha vida, de modo mais decisivo e mais livre. Lendo o jornal do Movimento que distribuiríamos entre os calouros, me deparei exatamente com essas questões e achei fantástico o modo como todo esse gesto podia responder a ela. Aos desejos e anseios de todos nós que vivemos no ambiente universitário”, e logo depois nos disse que se tivesse recebido algo assim quando calouro teria descoberto um gosto diferente dentro da universidade. Esse foi um sinal de que aquilo não era algo extravagante, mas que poderia ser uma ajuda concreta.
Mas quais seriam as necessidades mais imediatas que um calouro teria? Saber onde ficavam os locais da universidade e alguma ajuda com os estudos. E como responder a isso? Pensamos então o gesto em duas partes muito simples: primeiro, montaríamos um posto para dar informações sobre as localizações da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e também entregaríamos a edição do Bússola; a segunda parte seria a apresentação do Método de Estudo do Lugaresi, partindo da experiência que alguns de nós havíamos vivido desde o ano anterior.
Durante os três primeiros dias nós chegávamos às 7h, montávamos uma mesa no meio da universidade, em frente a um prédio em que se localizava a maioria dos departamentos de nossos amigos. “Os calouros começaram a se aproximar para pedir informações e, sem um planejamento prévio, estávamos nos deslocando para levá-los onde precisavam ir, estávamos nos doando por inteiro e isso preenchia meu coração de tal forma que, não sei como explicar, tudo que eu queria era estar ali com meus amigos, todos os dias”, disse-nos Elidiana, uma amiga do curso de história. Alguns dos nossos se esforçaram muito para participar do gesto, como o Ricardo, que é estudante de educação física em outra universidade e chegava todos os dias para ficar apenas uma hora conosco. Cristina, mestranda de sociologia, percebeu a curiosidade que era despertada: “As pessoas mostravam-se receptivas e curiosas a respeito daquele pessoal numa mesa, no meio da universidade, dando informações. Muitos dos alunos que já não eram calouros e professores ficaram curiosos com algo diferente que acontecia ali”.
E, de fato, algo diferente acontecia. Percebíamos durante aqueles dias que as pessoas nos indicavam umas às outras. Éramos uma presença real dentro da universidade: havia um lugar em que se podia levar suas dúvidas e lá elas seriam respondidas de forma verdadeira, sem trapaças.
Passados os três primeiros dias estávamos às vésperas do último dia em que seria apresentado o método de estudo. Todos estavam apreensivos. Falei com Ashley e com Cristina para saber como estavam as músicas (havia sugerido quatro, mas apenas três seriam escolhidas) e ele me respondeu: “Sampa está complicado, mas as outras três nós conseguimos”. Cinco minutos eu passei a lista e escrevi: “As músicas serão Educação Sentimental II (Leoni), Sampa (Caetano Veloso) e Alucinação (Belchior). Sei que será difícil para vocês, mas que esse esforço seja um trabalho do coração de vocês. Essa música é a mais importante das que eu lhes pedi. Ponham o coração de vocês nisso, a beleza surge daí. Obrigado”.
A palavra correta para descrever a sensação de alguns era pânico. Tudo estava pronto: convites distribuídos, o melhor auditório reservado, as músicas ensaiadas, eu já tinha lido o método umas três vezes. Tudo que podíamos fazer estava feito, mas diante de nós estava o desconhecido. Meu estômago dava voltas e percebi que precisava de ajuda. Enviei uma mensagem de celular para todos os amigos do Movimento contando da beleza que estava acontecendo e pedindo que rezassem por nós e depois liguei para o Alexandre Ferraro, em São Paulo, e falei desses dias e do nosso medo. Ele disse que, primeiro, não me preocupasse com a quantidade de pessoas que apareceriam; segundo que eu deveria responder às primeiras expectativas deles dizendo que era um aluno como eles que ia dividir uma experiência. Por fim, disse-me que eu precisava dizer de onde nascia essa experiência: no Movimento. Mas não havia uma fórmula para isso, eu precisava descobrir.
No outro dia comecei assim a apresentação: “Bom dia. Eu me chamo Lucas de Almeida, sou estudante de história, e acho que a primeira coisa justa a ser feita é a de responder um pouco às expectativas desse encontro. Eu sou um estudante, assim como vocês, por isso não esperem nenhuma genialidade pedagógica de minha parte. Desejo apenas dividir com vocês uma maneira de estudar que aprendi dentro de uma amizade. E de onde é a origem desse gesto? Faz muito tempo que conhecíamos esse método e até queríamos apresentá-lo, mas até então seria apenas um discursar, pois não o tínhamos vivido. Seria o mesmo que entregar esse papel para que vocês mesmos lessem. Mas no ano passado eu precisei usá-lo, pois não conseguia mais estudar e precisei pedir ajuda a um amigo. Mas preciso dizer que essa amizade tem um nome: é um movimento do qual faço parte chamado Comunhão e Libertação (CL), que são amigos que desejam viver a vida de forma séria e com alegria, e encontraram isso dentro de uma experiência cristã e católica. Não tenho intenção alguma de convertê-los. Quero apenas dividir com vocês algo que ajudou a mim e a outros, objetivamente, nos estudos. Depois vocês decidem se é interessante ou não para a vida de vocês”.
Ao fim da apresentação um garoto, bastante veterano, disse-nos que, depois de ter usado drogas durante muito tempo, começou a perceber que estava acabando com a própria vida. Gostava de chamar-se de homem, mas não queria assumir seus atos. Depois começou a buscar algo que fosse de verdade, coerente e tivesse sentido. Disse que pensava que era o único, mas ficava feliz por ter encontrado um lugar onde isso acontecia.
A seguir, alguns testemunhos sobre esses dias:
“Na semana do Gesto de Início de Ano eu estava cheia de atividades durante a segunda e a terça-feira e, por isso, pude estar próxima dos universitários (CLU) apenas na quarta e na quinta-feira. Admito que foi um enorme sacrifício para mim acordar cedo, pegar o ônibus e voltar à UFS, praticamente no mesmo horário das aulas da graduação e após seis meses da formatura. Enquanto eu ouvia Cristina e Ashley ensaiando, pouco antes da apresentação do Método de Estudo, ficava me perguntando ‘afinal, por que eu estou aqui na UFS com eles logo cedo?’. O afeto por aqueles amigos, tão especiais para mim principalmente neste último ano, poderia ser uma resposta para esta pergunta, mas não era apenas isso. Ao ouvir Lucas falando de sua experiência de estudo com João e Cris durante o último semestre, ficou muito claro para mim que aqueles amigos, muito mais que uma companhia, são muito caros para mim por viverem intensamente a proposta do Movimento, de levar mais a sério a vida. A proposta que Lucas apresentava a nós e aos presentes era a vida dos Universitários de CL de Sergipe, era o cotidiano deles. O Gesto de Início de Ano não era mero formalismo de um grupo de amigos católicos que queriam se mostrar presentes na Universidade, mas sim uma proposta baseada na sua vivência, que tornou o estudo parte da vida deles e, por isso, mais importante, mais produtivo de uma forma prática.” (Emanuela Carla, recém-formada em Eng. Florestal).
“‘Viver a universidade... Como assim?’ – foi o que pensei. Assim como para vários, para mim a universidade se resumia às aulas, a alguns eventos e à pesquisa. Entretanto, ao longo do percurso, sempre me dou conta de que falta algo, como se me sentisse incompleta. Na verdade, na vida sempre falta alguma coisa... Apesar de não ter me envolvido o tanto que gostaria na recepção aos calouros, sinto que tudo o que ouvi mexeu comigo e nada mais está como era antes. A cada período, eu sinto alguma mudança, no entanto, ainda não consigo enxergar o que é essa mudança e como direcioná-la para algo real e útil. Tudo ainda é novidade, tudo ainda é muito difícil de compreender e talvez de aceitar... Tudo está em um processo de assimilação. Mas, cada vez o vidro fica menos embaçado e eu começo a ver o horizonte. E tomara que ele seja belo!” (Marina Amaral, estudante de história)
“Se ontem eu estava insegura e assustada com o choque de realidade que é a UFS, hoje eu sinceramente estou mais tranquila, porque agora eu sinto não só a capacidade, mas também a vontade de lidar com cada etapa dessa fase que para mim é nova. Eu agradeço a atenção e as palavras, pois, ao menos para mim, elas ajudaram no ponto em que eu realmente mais precisava.” (caloura de psicologia)
“Eu já tinha feito minha parte no gesto, mas vendo-os darem tudo de si naquelas músicas não pude deixar de me sentir identificado com o esforço que eu também havia feito e que queria fazer na vida dali pra frente. E pensei: ‘Eu não estou sozinho’. Eu tenho minhas necessidades, mas me foi dado um novo olhar, me foi dado um caminho e me foi dada uma companhia. Enquanto escutava-os, olhava para a praça que fica entre as didáticas: uma praça que eu já tinha olhado umas 500 vezes, no mínimo... mas agora é diferente... tem algo novo na universidade.” (João Victor, estudante de história)
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