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Passos N.136, Abril 2012

PALAVRA DO PAPA

O silêncio escava uma morada para Deus em nós

por Bento XVI

Queridos irmãos e irmãs, gostaria de meditar brevemente acerca do tema do silêncio de Jesus, tão importante na relação com Deus. Na Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini fiz referência ao papel que o silêncio adquire na vida de Jesus, sobretudo no Gólgota: “Aqui vemo-nos colocados diante da ‘Palavra da cruz’ (cf. 1Cor 1,18). O Verbo emudece, torna-se silêncio de morte, porque se ‘disse’ até calar, nada retendo do que nos devia comunicar” (n. 12). Diante deste silêncio da cruz, São Máximo, o Confessor, põe nos lábios da Mãe de Deus a seguinte expressão: “Fica sem palavras a Palavra do Pai, o qual fez todas as criaturas que falam; sem vida estão os olhos apagados daquele por cuja palavra e por cujo aceno se move tudo o que tem vida” (Textos marianos do primeiro milênio, 2, Roma 1989, p. 253).
A cruz de Cristo não mostra somente o silêncio de Jesus como sua última palavra ao Pai, mas revela também que Deus fala por meio do silêncio: “O silêncio de Deus, a experiência da distância do Onipotente e Pai é etapa decisiva no caminho terreno do Filho de Deus, Palavra encarnada. Suspenso no madeiro da cruz, o sofrimento que lhe causou tal silêncio fê-lo lamentar: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34; Mt 27,46). Avançando na obediência até ao último suspiro de vida, na obscuridade da morte, Jesus invocou o Pai. A Ele entregou-se no momento da passagem, através da morte, para a vida eterna: ‘Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito’ (Lc 23,46)” (Exortação Verbum Domini, 21). A experiência de Jesus na cruz é profundamente reveladora da situação do homem que reza e do ápice da oração: depois de ter ouvido e reconhecido a Palavra de Deus, devemos medir-nos também com o silêncio de Deus, expressão importante da própria Palavra divina.
A dinâmica de palavra e silêncio, que caracteriza a oração de Jesus em toda a sua existência terrena, sobretudo na cruz, diz respeito também à nossa vida de oração, em duas direções. A primeira é a que se refere ao acolhimento da Palavra de Deus. É necessário o silêncio interior e exterior, para que tal palavra possa ser ouvida. E este é um ponto particularmente difícil para nós, no nosso tempo. (...) Por isso, na já mencionada Exortação Verbum Domini recordei a necessidade de nos educarmos para o valor do silêncio: “Redescobrir a centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja significa também redescobrir o sentido do recolhimento e da tranquilidade interior. A grande tradição patrística ensina-nos que os mistérios de Cristo estão ligados ao silêncio e só nele é que a Palavra pode encontrar morada em nós, como aconteceu em Maria, mulher inseparável da Palavra e do silêncio” (n. 66). Este princípio – que sem silêncio não se sente, não se ouve, não se recebe uma palavra – é válido, sobretudo, para a oração pessoal, mas também para as nossas liturgias: para facilitar uma escuta autêntica, elas devem ser também ricas de momentos de silêncio e de acolhimento não verbal. É sempre válida a observação de Santo Agostinho: “Quando o Verbo de Deus cresce, as palavras do homem faltam” (cf. Sermo 288, 5: pl 38, 1307). (...). O silêncio é capaz de escavar um espaço interior no nosso íntimo, para ali fazer habitar Deus, para que a sua Palavra permaneça em nós, a fim de que o amor por Ele se enraíze na nossa mente e no nosso coração, e anime a nossa vida. Portanto, a primeira direção: voltar a aprender o silêncio, a abertura à escuta, que nos abre ao próximo, à Palavra de Deus.

Porém, há uma segunda importante relação do silêncio com a oração. Com efeito, não há apenas o nosso silêncio para nos dispor à escuta da Palavra de Deus; muitas vezes, na nossa oração, encontramo-nos diante do silêncio de Deus, experimentamos quase um sentido de abandono, parece-nos que Deus não ouve e não responde. Mas este silêncio de Deus, como aconteceu também para Jesus, não marca a sua ausência. O cristão sabe bem que o Senhor está presente e escuta, mesmo na escuridão da dor, da rejeição e da solidão. Jesus garante aos discípulos e a cada um de nós que Deus conhece bem as nossas necessidades, em qualquer momento da nossa vida. (...). Um coração atento, silencioso e aberto é mais importante que muitas palavras. Deus conhece-nos no íntimo, mais do que nós mesmos, e ama-nos: e saber isto deve ser suficiente. Na Bíblia, a experiência de Jó é particularmente significativa a este propósito. Em pouco tempo, este homem perde tudo: familiares, bens, amigos e saúde; até parece que a atitude de Deus no que se lhe refere é a do abandono, do silêncio total. E, no entanto, Jó, na sua relação com Deus, fala com Deus, clama a Deus; na sua oração, não obstante tudo, conserva intacta a sua fé e, no fim, descobre o valor da sua experiência e do silêncio de Deus. E, assim, no final, dirigindo-se ao Criador, pode concluir: “Eu tinha ouvido falar de ti, mas agora são os meus olhos que te veem” (Jó 42, 5): todos nós conhecemos Deus quase só por ter ouvido falar dele, e quanto mais abertos permanecemos ao seu e ao nosso silêncio, tanto mais começamos a conhecê-lo realmente. Esta confiança extrema que se abre ao encontro profundo com Deus amadureceu no silêncio. São Francisco Xavier rezava, dizendo ao Senhor: eu amo-te, não porque podeis conceder-me o paraíso, ou condenar-me ao inferno, mas porque Vós sois o meu Deus. Amo-vos porque Vós sois Vós!

“O drama da oração é-nos plenamente revelado no Verbo que se faz carne e habita entre nós. Procurar compreender a sua oração por meio do que as suas testemunhas nos dizem dela no Evangelho é aproximar-nos do Santo Senhor Jesus como da sarça ardente: primeiro, contemplando-O a Ele próprio em oração; depois, escutando como Ele nos ensina a rezar para, finalmente, conhecermos como é que Ele atende a nossa oração” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2.598). E como é que Jesus nos ensina a rezar? No Compêndio do Catecismo da Igreja Católica encontramos uma resposta clara: “Jesus ensina-nos a rezar, não só com a oração do Pai-Nosso [certamente o ato central do ensinamento do modo como rezar], mas também com a sua própria oração. Assim, para além do conteúdo, ensina-nos as disposições requeridas para uma verdadeira oração: a pureza do coração que procura o Reino e perdoa aos inimigos; a confiança audaz e filial que se estende para além do que sentimos e compreendemos; a vigilância que protege o discípulo da tentação” (n. 544).
Percorrendo os Evangelhos vimos como o Senhor é, para a nossa oração, interlocutor, amigo, testemunha e mestre. Em Jesus revela-se a novidade do nosso diálogo com Deus: a oração filial, que o Pai espera dos seus filhos. E de Jesus aprendemos como a oração constante nos ajuda a interpretar a nossa vida, a fazer as nossas escolhas, a reconhecer e a acolher a nossa vocação, a descobrir os talentos que Deus nos concedeu, a cumprir diariamente a sua vontade, único caminho para realizar a nossa existência.
Para nós, muitas vezes preocupados com a eficácia funcional e com os resultados concretos que alcançamos, a prece de Jesus indica que temos necessidade de parar, de viver momentos de intimidade com Deus, “desapegando-nos” da confusão de todos os dias, para ouvir, para ir à “raiz” que sustenta e alimenta a vida. Um dos momentos mais bonitos da oração de Jesus é precisamente quando Ele, para enfrentar doenças, dificuldades e limites dos seus interlocutores, se dirige ao seu Pai em oração e assim ensina aos que estão ao seu redor onde é necessário procurar a fonte para ter esperança e salvação. (...). Mas o ponto mais alto de profundidade na oração ao Pai, Jesus alcança-o no momento da Paixão e Morte, quando pronuncia o extremo “sim” ao desígnio de Deus e mostra como a vontade humana encontra o seu cumprimento precisamente na adesão plena à vontade divina, e não na oposição. Na oração de Jesus, no seu brado na Cruz, confluem “todas as desolações da humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e da morte, todas as súplicas e intercessões da história da salvação... E eis que o Pai as acolhe e atende, para além de toda a esperança, ao ressuscitar o seu Filho. Assim se cumpre e se consuma o drama da oração na economia da criação e da salvação” (Catecismo da Igreja Católica, 2.606).
Caros irmãos e irmãs, peçamos com confiança ao Senhor para viver o caminho da nossa oração filial, aprendendo cotidianamente do Filho Unigênito que se fez homem por nós como deve ser o modo de nos dirigirmos a Deus. As palavras de São Paulo, sobre a vida cristã em geral, são válidas também para a nossa oração: “Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades nem a altura, nem o abismo nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 8,38-39).

AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro. Quarta-feira, 7 de Março de 2012

© Copyright 2012 - Libreria Editrice Vaticana

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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