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Passos N.137, Maio 2012

VIDA DE CL

Eu canto

por Paola Ronconi

Continuamos a percorrer o itinerário da experiência musical dentro da vida do Movimento. Nesta edição, a história de alguns daqueles (e são muitos) que não só executam as músicas, mas também as compõem. Compositores principiantes, profissionais já reconhecidos. Desde quatro colegiais que compõem para agradecer por uma amizade, até Alfredo que canta sempre a sua Nápoles, mas hoje de um modo novo

Uma premissa: aqui em Passos não temos a tarefa de encontrar novos compositores e novos cantos para os Exercícios Espirituais, nem de buscar um conhecimento musical aprofundado. A escolha das pessoas das quais vamos falar nestas páginas é “puramente casual”, no sentido de que simplesmente suas histórias chegaram até nós. Não se ressintam todos aqueles (e são muitos) não citados. Mas quem sabe, no futuro Passos não queira ainda explorar algumas outras partituras...
No último número falamos dos corais e da sua importância como serviço na vida da comunidade de CL. Desta vez, a chave de leitura é diferente e diz respeito à experiência pessoal. O objetivo desse rápido percurso é ver de onde nasce a vontade de escrever canções, mas sobretudo entender como este é um caminho que alguns percorrem (por graça recebida) para ir mais fundo no significado da vida. Por isso, nos permitimos colocar lado a lado compositores principiantes com profissionais já experientes e conhecidos do público de CL.
É inútil dizer que na história do Movimento, compositores como Adriana Mascagni ou Claudio Chieffo marcaram os seus passos e seria necessário um livro para falar de cada um deles, mas não achamos que cometemos um erro dizendo que nos parece estar vendo reflorescer nos dias de hoje o mesmo tipo de expressividade. Algo que vale a pena contar, em suma. Mesmo que rapidamente.

“É bonita e não é sua”. Desde que tinha dez anos, Riro aprendeu a fazer canções “como se aprende a comer e beber”, uma necessidade de acalmar, através das canções, aquele “buraco sem fim” cheio de tristeza e de nostalgia de um não sei o quê. O Blues foi a fantástica descoberta da juventude e companheiro fiel de muitas tentativas musicais. Mas quando alguém tem notas nas veias como ele, cedo ou tarde começa o assim chamado “momento musical”: é Natal de 1974, o pessoal de CL (“carolas, padrecos, católicos democratas e submissos”, como ele os definia naquele tempo) fez um recital na Catedral. Cantavam Senza Te Sacra Regina, um canto polifônico do século XV, quando um Riro indolente e entediado entrou e ouviu aquela “coisa chata”: “Fiquei escutando. Era como se aquele canto carregasse toda a plenitude e a ternura de que eu tinha fome e sede”, conta em um livro seu. Desde aquela noite, não se separou mais dos “carolas, padrecos, católicos democratas, submissos”. E a música? “O encontro com o Movimento inseriu no pretenso musico uma semente de consciência. De quê? Do que era essa tristeza que exprimia através da música”.
Da Catedral de Pesaro a Milão, e depois aos Estados Unidos, a pátria do rock e do blues. Continuou a escrever canções (junto com padre Rich, seu “letrista”), apenas por causa daquela infinita necessidade de bem que nunca é satisfeita”, também porque “lá descobri que qualquer que fosse o valor daquilo que tinha recebido, tinha sido dado novamente”. Como intuí certa vez, quando era criança, diante da neve que tinha coberto Pesaro: “Fiquei contemplando. Entendi que existem coisas que não podemos possuir, ou melhor, precisamos aprender a possuir sem possuir. Então, para mim a música verdadeira, sobretudo a que você mesmo escreve, é como aquela neve que vi quando menino. Caiu do céu, é bonita, mas não é sua”. E quando você percebe que uma música sua, como The Things That I See ou My Father Sings To Me, toca fundo em quem as ouve? “Digo a mim mesmo: eu disse em música algo que também está no coração da pessoa. Não nos conhecemos, mas somos amigos”.

A pergunta obstinada. “No início era um grande ‘ouvinte’, cantava de manhã à noite. Depois, comecei a escrever e agora não consigo mais deixar de fazê-lo”. O que esconde esse “depois” na vida de Manuel, 37 anos, de Modena, casado, uma filha? A reviravolta da vida, que transformou uma existência que o “mundo definiria como triste” em “uma história que nunca trocaria”. Voltemos um passo atrás: Manuel saiu de casa quando estava no quinto ano do ensino fundamental. Começou uma peregrinação por muitas famílias, custódia após custódia. A música tinha um papel terapêutico, eu me fechava dentro dela para não ver aquilo que existia”. E além disso, a descoberta de uma doença incurável. Depois, depois, aqueles novos amigos, um “lugar onde eu podia voltar sempre”, aquela casa tão desejada: Cristo. “Ouvia as canções de Chieffo: se ele consegue dizer essas coisas, talvez eu possa falar das minhas, dizia a mim mesmo. Sempre é um modo de dizer a mim mesmo com seriedade o que me acontece, não escrevo para ninguém, mas para mim mesmo. São as perguntas que tenho que se transformam em canções”. É a tentativa de exprimir um relacionamento: “Escrever, de um lado me ajuda e, de outro, me inquieta, não me deixa em paz”, como depois do último concerto: “Quando voltava para casa, de carro, tinha uma tristeza... Foi uma noite muito bonita, no entanto é expressão potente de uma coisa que falta, pensava. Porém é uma santa tristeza, porque a pergunta que exprime é teimosa, obstinada”. Depois daquela noite, uma outra canção brotou de repente: “Com as canções é assim: devo me dobrar a elas, muitas não me agradam mas falam de mim melhor do que aquilo que tenho na cabeça”. É Tutto è Niente (Tudo è Nada) : “É muito difícil estar sem você,/é impossível para mim,/é tão difícil estar sem você, fique sempre ao meu lado./Tudo é nada, insuficiente,/não me basta, nunca me basta,/tudo é nada, felizmente,/senão quem sabe o que seria?”.

Uma amizade através da música. O 4the84, “fourtheeightfour”. É um grupo de quatro estudantes colegiais, e 84 é o número do ônibus que tomam para ir ao Centro, no coração de Colle Oppio, em Roma, onde comem, estudam, jogam bola, fazem Escola de Comunidade.
Tornam-se grandes, juntas. Marta e Anna são gêmeas, chegaram em Roma em 2012, vindas de Nova Iorque. Francesca e André são colegas de escola. Em comum, a paixão pela música. “Escrevo poesias desde criança”, conta Francesca. “Depois parei, mas quando encontrei as outras, o caminho do canto voltou a tomar forma. Alias, tornou-se uma exigência”. Unseen Mystery é a primeira canção que escreveram: “Voltando do Tríduo Pascal, no ônibus, escrevemos uma oração para agradecer por aqueles amigos e por aqueles dias”. Uma explosão do coração. Depois, em seu quarto, André pegou o violão. “A passagem da oração para a canção foi espontânea”. Em inglês, que para Marta e Anna é mais imediato e é o idioma das canções. “Fala de um amor que transforma a vida, dá vontade de viver intensamente tudo aquilo que existe e então, tudo faz sentido, não há mais medo, é preciso dizê-lo a todos”. Assim, a amizade cresceu, outras canções vieram e todos os outros do Centro começaram a ouvir. A casa de Anna e Marta tornou-se o lugar apropriado para compor, inclusive à noite na sacada olhando as estrelas e agradecendo a Deus. Depois de alguns meses, a notícia: Marta e Anna deviam se mudar mais uma vez. Destino: Turim. Foi um golpe para o coração. E as canções registram tudo: a saudade, as perguntas mais urgentes, a certeza de que a amizade resistirá á distância, uma necessidade de encontrar outra vez “aquele olhar”. Agora, que se encontram mais ou menos a cada dois meses, as canções nascem “à distância”, um pedaço de cada vez, mas continuam incessantemente. “Nem mesmo o tempo, que destrói e faz as coisas morrerem, nem todos esses quilômetros definem a nossa amizade e o dom que temos graças à nossa música”, diz André. Hoje, no ônibus 84 há saudade daquelas viagens em que os quatro falavam a respeito do dia, da beleza com B maiúsculo percebida no Centro, e de como colocar em música todo o turbilhão de pensamentos. Mas, como diz a última canção: “O coração mudou, a voz é uma só./Quero algo que se renove./O amigo está distante, o amor está perto./Quero ficar neste caminho./A amizade cresce,/o silêncio é mais pleno,/os olhos grandes choram/porque este é um dom”.

O sol entre os becos.Há também aqueles que são cantores há muito tempo, como profissão. Depois, a um certo ponto, a vida toma um rumo imprevisto. E tudo muda, também o fazer música. Como aconteceu com Alfredo. Sua voz ainda está nos ouvidos de muitos, sobretudo depois do Meeting de Rimini de 2009, graças ao irresistível ritmo napolitano. “Eu sempre escrevi, para mim sempre foi o modo mais natural de me expressar. Minhas canções falavam de uma dificuldade e das eternas contradições de Nápoles e de Rione Sanità, meu bairro. Hoje são as rejeições, o desemprego... Mas como dizia minha avó ‘os tempos não são bons’, as dificuldades de Nápoles vocês sempre tiveram”. Depois, a reviravolta: Alfredo conheceu algumas pessoas envolvidas com obras sociais exatamente em seu bairro. “Mas, como? Eu quero ir embora e estes, todos profissionais, decidem viver aqui... E então, disse a mim mesmo, Jamm a vede, vamos ver, como diz a canção que escrevi naquele período”. Alfredo foi, e viu pessoas dando carinho a Anna, que bebia, e a Gaetano, que se drogava. Nanduccio, o barman, agora está contente porque seus olhos encontraram uma luz nova e não choram mais. “Escrevi esta canção, mas só a entendi depois, quando um dia meu novo amigo Tonino me disse: Alfré, esta canção descreve o método cristão.”
Rione Sanità não se tornou um bairro residencial, mas “nas minhas canções não há mais a vontade de ir embora, porque encontrei um lugar, dentro de mim. A linguagem é sempre a mesma, escrevo para o povo, em dialeto, como antes. Mas quem me conhece entende que algo mudou”. E como há o sol que desce das nuvens e ilumina os becos, no coração de Alfredo entrou Cristo.

Nunca órfão. Chamam-no carinhosamente “o poeta mais triste da América Latina”, para brincar com ele, porque um tempo atrás era realmente assim. Mas hoje, não. Desde que padre Ettore, há alguns anos, bronqueava: “Daniel, pare de lamber as feridas como um cão. Levante a cabeça”. Estamos no Paraguai, em Assunção.
Hoje Daniel usa de tudo, desde o ritmo reggae até o rock, da polca à guarânia, para seguir um caminho, para descobrir mais, nas ânsias do coração, aquela novidade encontrada com padre Aldo, Ettore, Paolino e a paróquia de San Rafael. “Se a música não é uma janela aberta para o Mistério, é apenas barulho”, dizia Bill Congdom a Claudio Chieffo. Este é o objetivo das minhas canções, quer falem de mulheres amadas, da natureza ou de um amigo distante”, como fala Mombyry (distante), escrita em guarani em fevereiro de 2009. “Eu a compus para enfrentar a dor pela partida de padre Ettore, que salvou a minha vida. Escrevendo e cantando, descobri que não tinha perdido nada, porque meus amigos foram embora mas nossa amizade em Cristo não morrerá nunca”. “Você está longe, meu amigo”, diz Mombyry, “mas no caminho da vida quem acredita no Pai, nunca é órfão”.
Daniel toca e acompanha o coro na clínica San Riccardo Pampuri de Assunção, onde Carlos pouco antes de morrer cantou uma música. Argentino, uma vida passada entre a vadiagem, mulheres, música e pouco temor a Deus, Carlos adoeceu. Viu-se sozinho diante da morte. Milagrosamente, alguém o levou à Clínica, onde se sentiu realmente amado. “Voltei a dizer Cristo, aquele dos olhos doces”, diz a canção que compôs naqueles dias. “Senti um amor diferente, ao qual me abracei chorando depois da noite. Quero morrer cantando. Não fuja da morte, não tenha medo de seus pregos. Tema apenas perder-se, sozinho, sem Cristo. Quero morrer cantando”.


 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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