A COMPANHIA DE ANNA, COMPANHIA DE CRISTO
Caro Julián, logo depois de me formar em fisioterapia comecei a trabalhar como estagiária em um hospital. Eu, que queria trabalhar com jovens esportistas, me vejo trabalhando numa área crítica: terapia intensiva para portadores de cardiopatias. No início, ficava ansiosa e esperando que as horas de trabalho terminassem logo, com o único desejo de não fazer coisas erradas e de ficar o mais invisível possível, por causa da minha carência técnica. Depois, uma frase que ouvi na Escola de Comunidade começou a ganhar espaço: “A tarefa que você tem não existe se não há o desejo de que algo aconteça agora”. A hipótese de um “agora” como possibilidade começou, então, a se tornar, mais que exigência, um pedido. Ao tratar paciente após paciente, sem eliminar a ansiedade sobre as questões práticas, percebi que eu existia dentro daquelas horas e dentro daqueles relacionamentos temporários, que eu existia como puro pedido de que Ele pudesse reacontecer. Uma noite, avisaram-me que Anna, Memor Domini da casa de Varigotti, tinha sido internada. Era um caso muito grave, estava em coma, somente os cirurgiões podiam se aproximar. Durante o horário de visitas, entraram Ernesto e Caterina. “Meu nome é Verônica”, disse-lhes. “Queria apenas que estou aqui todas as manhãs”. Ernesto falou-me: “Então, dê-lhe um pouco de carinho de nossa parte, quando não estivermos aqui”. No primeiro dia, não ousei me aproximar, mas logo depois não pude deixar de fazê-lo. Faço-lhe um carinho e me apresento. Digo-lhe que há um pequeno retrato de Dom Giussani ao seu lado. A situação se desenrola lentamente, algumas melhoras, muitas complicações. Alguns dias depois, vejo novamente Ernesto na porta esperando para poder entrar, e lhe digo: “Eles logo deixarão você entrar”. Ele me responde: “Se me disserem que seu coração voltou a bater, espero aqui mesmo até o fim da noite”. Era uma semana em que carregava uma grande pergunta sobre o valor e sobre a exaltação da afetividade. Cristo não usa explicações, mas nos faz ver do que se trata. Na verdade, só Ele pode exaltar até um relacionamento que tem uma “aparência de morte”. Depois, os anestesistas começaram a me pedir para tratar dela. Imediatamente veio a minha presunção: ela vai se recuperar, vou fazê-la acordar. Porém, logo, a imposição do Mistério vence a minha medida. Diante dela, de fato, comovida, fico apenas reconhecendo uma evidência: se agora ela é esse relacionamento Contigo, eu posso apenas entrar na ponta dos pés. Voltei a reconhecê-la como um Tu, estava diante dEle que reacontecia nela, agora, de maneira misteriosa. Anna carregava toda a cruz da Quaresma. Houve dias em que, em mim, venceu o desconforto. Que sentido tem tudo isso? O único raciocínio que me reportava à realidade era uma outra frase dita na Escola de Comunidade por um jovem diante do pai que morria: “Ninguém pode dar a este homem um minuto a mais que não seja desejo de um Outro”. Medicina ou não medicina, cada instante da sua vida era evidentemente desejado e cheio d’Ele, e eu podia apenas ficar olhando esse milagre. No dia 11 de abril, quando entrei no quarto, entendi tudo. Faltava pouco. Despedi-me dela antes de Ernesto e de Caterina chegarem. Tinha medo e comecei a chorar, acariciei-lhe o rosto, agradeci por sua companhia e confiei-lhe a nossa conversão e a nossa vocação. Depois, rezamos Regina Coeli. O médico não entendia porque eu chorava, certamente não era o primeiro paciente que morria, contudo para mim aquele relacionamento tinha significado entrar no real, naquela realidade da qual até um tempo atrás queria apenas fugir da presença de Cristo, do seu reacontecer, e da possibilidade de poder reconhecê-Lo. Realmente, Cristo não usa explicações, mas reacontece.
Verônica (Itália)
OS TALENTOS QUE VALEM MAIS DO QUE O MELHOR PREÇO
Hoje, como em muitas outras ocasiões, tive algumas dificuldades no trabalho. Sou representante comercial de uma grande empresa de produtos para padarias, confeitarias e sorveterias. Explico melhor: em um momento de crise como este, existem muitas pequenas empresas que vendem os produtos com preços muito baixos (para fazer girar o capital), os quais não é possível fazer frente caso se queira ter algum lucro. Além disso, aumentou muito o número de clientes com dificuldades para pagar. Todos perguntam “o preço” e todos “choram” por descontos. Por outro lado, a empresa para a qual trabalho quer lucro rápido e não permite fazer grandes descontos. Nessa situação, me vem o medo de ganhar menos e o de perder dinheiro. A tudo isso, acrescenta-se o fato de que, tendo menos lucro, os clientes ficam particularmente nervosos, então, a cada pequeno erro corresponde uma ameaça. Determinado por essa situação, tinha em mente que a única solução seria não errar, ter o preço mais baixo e permitir um prazo maior para os pagamentos. Nesse ponto (de não retorno) coloquei uma pergunta: em que eu sou bom? Por que sou útil para a empresa em que trabalho? Mas, sobretudo, qual é o sentido daquilo que eu faço? De fato, tudo depende de mim? A reviravolta foi ler a anotação que tinha no bolso da última Escola de Comunidade, onde estava escrito: “O que eu tenho de mais caro?”. Para mim, pessoalmente, é Jesus Cristo, que me faz continuamente. Então, ofereci a Ele minhas perplexidades e a Sua resposta foi uma clareza de consciência como nunca tive. Sou um representante comercial e o meu valor se mostra exatamente nos momentos difíceis, se houvesse oferta de preços melhores e um serviço impecável por parte da empresa, que mérito eu teria? Nenhum. Dessa forma, todos seriam capazes de vender. Então, o meu valor está exatamente em “frutificar” os talentos que o Senhor me deu, desenvolver um relacionamento de confiança com o cliente, dar conselhos sobre novos produtos para fazê-lo crescer em sua atividade, propor ideias, receitas e dar suporte moral e humano. Tudo isso corrompe o simples discurso do preço. É aí que posso vencer. É nesses valores reunidos que ganha vida o sentido do meu trabalho e a empresa ainda me paga por isso. Graças ao caminho traçado pelo Movimento eu pude me reencontrar no trabalho. Estar diante do real nos obriga a não fingir, nos obriga a nos entendermos melhor e, portanto, “evidencia” o humano, aquilo que Cristo “faz”.
Simão, Reggio Emilia (Itália)
ORDENAÇÃO SACERDOTAL
“Com certeza levarei vocês comigo, não só no pensamento, mas, sobretudo, no coração. Se chego hoje feliz e decidido ao sacerdócio é porque encontrei um carisma que me despertou para a realidade da vocação e também me deu um povo pelo qual sou apaixonado, que me ajudou a dar os passos dia após dia... Muito obrigado!” Esta mensagem de padre Moisés, enviada um pouco antes de sua Ordenação Sacerdotal, justificava o motivo dele estar com o rosto sereno e comovido... A convicção é mesmo um caminho. Outro dia o conheci, garoto, estudante do 2º ano de Filosofia, em um passeio de bicicleta com padre Stefano e alguns universitários de CL. O fato de se deparar com rostos - de Dom Filippo Santoro, de padre Stefano Volani, e de tantos outros em Petrópolis, Rio de Janeiro e Brasil – foram imprescindíveis para germinar esta semente já semeada em terra fértil. No sábado de manhã, véspera da ordenação, encontrei-o no Seminário Diocesano de forma inesperada. Ele cuidava dos últimos preparativos da Missa e as chamadas telefônicas não davam trégua. Sentamo-nos no refeitório, para falar da vida, das nossas famílias, dos nossos interesses, de como tinha sido a semana de trabalho, ou seja, “causos” de um dia cotidiano. No turbilhão daquele sábado, um encontro totalmente simples e despretensioso. Às 15 horas, do dia 29 de abril, ao som dos sinos e do órgão, a Catedral de Petrópolis acolhia solenemente três diáconos, que se tornariam sacerdotes sob as mãos do não menos comovido Dom Gilson Andrade, Bispo Auxiliar de São Salvador da Bahia. Dom Gilson fora Reitor do Seminário de Petrópolis e acompanhou toda a formação deles, inclusive os apresentou ao Diaconato, em meados do ano passado, ao então Bispo Diocesano, Dom Filippo. E estávamos lá – gente das comunidades de CL de Petrópolis e do Rio – não só para prestigiar, mas principalmente para testemunhar aquele Acontecimento. Ocasionalmente, era possível cruzar os olhares e arrancar um sorriso do ordenando. Eis o sinal de que nos carregava junto a si no “sim” definitivo, bem ao modo do seu lema sacerdotal: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos” (Jo 13,15). Em seguida, na fila dos cumprimentos, atestava-se que não se tratava de uma frase genérica. Estes amigos têm nome e muita história para contar. E uma delas é a de uma carmelita à qual ele fora visitar uma semana antes da ordenação e, sabendo que era apaixonada pela experiência de CL, pelo fato de que lia a Revista Passos, pediu-me, então, alguns livros de Dom Giussani para presenteá-la. Na manhã seguinte à ordenação, já havia um convite, o primeiro ao neo-sacerdote: abençoar a nova casinha de Marilda, aquela mesma que, semanas antes, durante a Via Sacra da Sexta-Feira Santa, o ainda Diácono ajudou na construção, carregando um saco de pedras morro acima... O nosso Moisés torna-se padre, disponível ao serviço, a exemplo de São José, a quem se consagrou em sua primeira Missa, para construir uma grande catedral, lugar da consciência do povo que pertence a Cristo, através do ofício de Vigário Paroquial da Catedral São Pedro de Alcântara e na solicitude de um pai, quando confirmado formador no Seminário Menor Diocesano. Este é apenas o início de um grande caminho a percorrer e uma história que continuar... Para levar ao mundo esperança, paz, beleza e verdade... Como escreveu São Paulo: “Tendo a plena certeza de que Aquele que começou esta boa obra, há de levá-la à perfeição”.
Fabiana, Petrópolis (RJ)
A PRESENÇA EXCEPCIONAL DE CRISTO
No início de 2007, minha esposa e eu começamos a participar da Escola de Comunidade em nossa cidade. Já tínhamos uma experiência com Cristo, mas, por meio daqueles encontros semanais, começamos a sentir a importância do testemunho do outro para nosso crescimento pessoal e participamos de assembleias dirigidas pelo padre Paulo Romão. Durante as férias, exatamente, dia 31 de janeiro de 2008, sofri um sério acidente de motocicleta. Tive traumatismo craniano grave, fratura da clavícula e escoriações por todo o corpo. Desde o momento do acidente fiquei inconsciente e só tomei conhecimento destes fatos por meio de exames, documentos e testemunhos das pessoas envolvidas. Assim que alguns familiares e amigos chegaram ao hospital, receberam a notícia de que eu não aguentaria uma transferência, e logo chegou o neurocirurgião. Fiz uma craniectomia descompressiva e drenagem do hematoma subdural. Alguns médicos e enfermeiros amigos pensaram que eu não iria resistir. Fiquei alguns dias no CTI e depois no quarto. No dia 24 de março fiz a segunda etapa da cirurgia, a cranioplastia com a recolocação da parte da calota craniana que fora resguardada no abdômen. Novamente a cirurgia teve êxito. Certo dia, refletindo sobre a experiência pela qual passei, fiquei imaginando não o porquê e sim o para quê de tudo que me ocorreu. Pensei em como poderia empenhar-me para ajudar em minha própria recuperação. Constatei que a única coisa que podia fazer naquele momento era acreditar em Cristo. Depois desse dia encarei o acidente como uma dádiva de Deus. Quando saí do hospital, continuei meu tratamento com plena confiança em Deus, que sempre faz sua parte, e eu também queria fazer a minha da melhor maneira possível. Usando a liberdade que Ele me deu, em quase todos os momentos procurei pensar em benção, crescimento interior, possibilidade e esperança. Hoje, ainda me encontro em recuperação. Agradeço profundamente a Ele por me presentear novamente com o dom da vida. Por isso, continuo fazendo a minha parte, vivendo o meu presente intensamente e abraçando a realidade que me é dada. Em cada detalhe do meu dia-a-dia, procuro viver o ensinamento de Cristo: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em plenitude”. Viver essa abundância de forma a integrar a totalidade da vida é agora essencial para mim. Viver se tornou a mais linda arte que posso empreender, pois estou empenhado em reconhecer Cristo Ressuscitado em cada circunstância. Os livros de Giussani, as orientações de Carrón, o apoio de padre Paulo e os testemunhos dos companheiros da Escola de Comunidade têm me ajudado muito neste percurso. Não posso deixar de registrar que minha esposa me ajudou a escrever este depoimento e que também trilha comigo esse caminho de redescoberta da vida. Estamos aprendendo a olhar para a vida sob um novo prisma, sentindo que mesmo em meio a tempestade é possível existir beleza, estar em paz consigo mesmo. Essa Presença Excepcional nos convida a levarmos a sério nossa humanidade e as exigências infinitas do nosso coração. Portanto, em todos os momentos, sejam eles alegres ou tristes, queremos continuar a fazer experiência com Cristo, pois, temos presenciado os “sinais indiscutíveis” de Sua presença em nossa vida.
Paulo Henrique, São Lourenço (MG)
GUIADOS, COMO O CEGO DE NASCENÇA
Caríssimo padre Julián, depois de muitos anos participando dos Exercícios da Fraternidade, é impossível não lhe comunicar o que me aconteceu neste ano, pois mesmo chegando ali emocionada e esperando algo, “dificilmente o homem aprende o que acha que já sabe”. Desde a primeira noite os seus juízos começaram a limpar as ideias que eu acreditava que fossem “nossas”, e aos poucos tive a sensação de que você estava tirando uma crosta para fazer emergir o esplendor da verdade, aquilo que o meu coração desejava ouvir para sentir-se jovem e pleno de entusiasmo e de paixão como nos primeiros anos, quando a voz e Dom Giussani superava todas as nossas expectativas. E sábado o milagre continuou, e de novo estávamos como o cego de nascença, e todos os nossos rostos, amados ou desconhecidos, estavam sendo conduzidos pela mão. Plena de gratidão, ao chegar em casa repeti como programa de vida: “Na simplicidade do meu coração, com alegria, te dei tudo”. Obrigada porque nos fez entender que é isso que deseja de nós, e, no tempo que me é dado, é isso que quero levar ao mundo.
Irene, Florença (Itália)
AQUELE ERRO DE AVALIAÇÃO E A CARTA DO JORNAL
Caro padre Julián, há algumas semanas cometi um grave erro de avaliação no meu trabalho, ocorrido porque não olhei para o menino que tinha diante de mim, mas para a ideia que tinha dele. Felizmente, não houve graves consequências, mas certamente foi muito humilhante porque comigo também estava uma estagiária que precisava aprender comigo a técnica, exatamente sobre o que eu tinha errado. Durante vários dias, só de pensar naquele momento, eu me sentia mal, sentia-me incapaz de estar diante do meu erro. Profissionalmente, para mim era fundamental continuar supervisionando o caso clínico após o erro, mas o pensamento de admiti-lo diante da minha coordenadora e da própria estagiária, apenas fazia aumentar minha dificuldade. O ponto de virada aconteceu quando, pouco antes de fazer a supervisão, reli a carta que você escreveu no jornal La Repubblica e fiquei tocada quando você disse que nossa fraqueza em não ter sido testemunha nos torna mais conscientes da necessidade que nós também temos da misericórdia de Cristo. Essas linhas mudaram totalmente a minha posição, foi uma mudança de postura de ter que justificar meu erro para um pedido de fazer novamente a experiência daquela Misericórdia pela qual até meu erro é salvo, sem ter mais a necessidade de eliminá-lo, justificando-o de alguma forma. A supervisão foi a possibilidade carnal disso: mesmo na técnica, poder olhar para o meu erro não como juízo último sobre mim, mas poder dar um juízo – mesmo clínico – que fosse a possibilidade de recomeçar, tanto para mim como para aquele menino.
Marta
“DESDE QUE CONHECI VOCÊ TENHO UMA NOVA ESPERANÇA”
Caro padre Julián, faleceu Giacomo, um aluno da minha escola que há alguns meses tinha começado a participar do grupo dos colegiais. Experimentei uma grande dor e, para minha surpresa, essa dor reabriu a ferida que tenho há alguns anos por causa da doença do meu filho. No dia seguinte, fomos visitar os pais do menino e eles ficaram muito comovidos e tocados. O pai de Giacomo disse que, depois de tantos anos sem ir à Igreja, reconsiderou a fé transmitida por seus pais e pela Escola de Comunidade da qual o filho havia começado a participar e que, da sua morte, era possível nascer algo de bom. Eu fiquei profundamente tocada e, aquilo que aconteceu mudou minha posição diante de tudo e me permitiu olhar a realidade além da aparência. Permitiu olhar meu filho não como um corpo doente, mas como um mistério chamado a um destino de eterna felicidade e olhar tudo dessa maneira: a mim mesma, meu marido, meus alunos e as mães que encontro. Sozinha, não sou capaz nem de estar diante da doença do meu filho, nem da minha dor, nem da dor dos outros, mas aquilo que aconteceu fez-me estar diante de tudo porque, ou Cristo está realmente presente e é tudo aquilo que o coração deseja, ou de outra forma seria impossível que um homem que acabou de perder o filho dissesse essas coisas e reconhecesse a excepcionalidade da Sua presença. Naquele mesmo dia, liguei para uma mãe que conheci há uma semana e que tem uma filha com retardo psicomotor, porque desejava dizer-lhe tudo aquilo que tinha visto e convidá-la para a Escola de Comunidade. Ela me disse: “Quero realmente ser uma de ‘vocês’ porque, desde que falei com você e lhe conheci, olhei para minha filha com uma nova esperança”.
Irene
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