Crianças que nascem já em fase terminal. O limite vertiginoso entre a eutanásia e o prolongamento artificial. E um cuidado que se curva diante da vida: quer dure três minutos, quer três meses. ELVIRA PARRAVICINI, neonatologista em Nova York, fundou a primeira unidade hospitalar para recém-nascidos. Aqui, explica-nos que a beleza “acontece”. E que ao segui-la, “jamais se engana”
Estão todos na ala operatória. Médicos, especialistas, enfermeiros: o parto de duas gêmeas siamesas é uma coisa rara, e por isso estão também ali os estudantes. E está também o pai, um adolescente de quinze anos de origem latina, com um lenço na cabeça e jeans. No leito, a namorada, também de quinze anos, pronta para a cesariana. Eles nunca tiveram dúvidas. O que há para entender ou decidir? “São as nossas filhas” Sabem desde o princípio que elas só viverão alguns minutos: estão juntas pelo tórax, só têm um coração e é impossível salvá-las.
O parto começa, em meio a um vai-e-vem de pessoas e de recriminações. A maioria pensa que isto não deveria ser feito, “porque vai marcá-los por toda a vida, os pais deviam ter optado pelo aborto e pronto. É absurdo!”, insistem, resmungam até o fim. Até que a Keela e a Kaya nascem. Abraçadas. Oitocentos gramas. O pai rapazinho pergunta “posso segurar?” e começa a embalá-las. Elas mal respiram. “Eu estou aqui, não tenham medo. O pai está aqui...”. O silêncio enche a sala. Ninguém se mexe. Em alguns rostos, escorrem as lágrimas.
“Acontecia uma beleza tão poderosa, que todos naquela sala mudamos. Contemplamos a beleza do Mistério”, diz Elvira. E nisto está tudo o que é preciso para explicar o que é a sua unidade hospitalar neonatal. Um lugar que acolhe aquela beleza, inclina-se e trata dela segundo o tempo de vida de uma criança, que pode ser desde três minutos ou três dias até poucas horas ou alguns meses.
Elvira Parravicini é neonatologista na Universidade de Columbia, em Nova York. No próximo Meeting de Rímini – que acontece de 19 a 25 de agosto na Itália, com o título: A natureza do homem é relação com o infinito – vai falar do programa que fundou para assistência aos recém-nascidos afetados por síndromes letais. Este programa, pioneiro no mundo, presta assistência à criança que nasce em estado terminal. Em qualquer lugar, estas crianças quando são autorizadas a vir ao mundo, nascem para morrer, porém, aqui, nascem para viver. “A existência tem um princípio e um fim. E não somos nós que os estabelecemos, mas fazemos de tudo para que a vida delas seja bonita”.
“POR QUE NÃO VAI PARA OS EUA?” Não é um departamento propriamente dito, na realidade, é uma sala de partos, especial, que se prepara quando e como for necessário. Há pouco tempo, o hospital financiou também um pequeno quarto onde os pais passam o tempo que lhes é dado com o seu filho. É um tempo fascinante. “Para todos nós, como também para os enfermeiros, obriga você a se envolver de uma forma humana, pois as técnicas não bastam”, diz Elvira. O comfort care, o “cuidado com conforto”, para os recém-nascidos não tem um modelo, não tem uma teoria e ela não o estudou nos livros. Pergunto-lhe onde ela aprendeu a cuidar dessa maneira dos recém-nascidos. Ela sorri: “Com a minha mãe. É um olhar, aquilo que aprendi. Vi isso na minha mãe e na companhia do Movimento”. Não existe um protocolo, só há aquilo a que ela chama “marcos”. “Responder às necessidades primárias de uma criança”. Ou seja: ser acolhida, e por isso, estar com quem a ama; não sofrer fome nem sede; estar quente.
Em nome destes marcos, saltam as regras da terapia intensiva. “Fazem-se coisas que nunca se fariam. Até coisas ‘loucas’. Mas são feitas porque o cuidado é muito pessoal. Depende completamente da criança, e nós dependemos dela”. Chegaram a fazer uma pequena cirurgia a uma recém-nascida. Devido à brida amniótica, nasceu com a cabeça e o rosto distorcidos: “Só se via um buraquinho, que era a boca, com a qual tinha que comer e respirar. Introduzimos-lhe um pequeníssimo tubo gástrico, para ajudá-la. E, assim, viveu os seus quatro meses, mas respirando bem”. Todas as decisões são tomadas com os pais, “decidimos o tratamento passo a passo, fazemos uma proposta, confrontamos tudo. Eles nos ajudam muito, porque quem opta pelo comfort care está totalmente focado na criança, não na sua própria dor. Quer servir a vida dela”.
Uma noite, chamam Elvira com urgência. Uma mãe que ela estava acompanhando deu à luz antes da data prevista. Estava ali, na confusão do pronto-socorro e sem um quarto. “Foi preciso um esforço enorme para conseguir que ficasse com o seu filho num lugar apropriado”. Uma luta para dizer: parem todos! Ele está aqui. Talvez o comfort care seja, acima de tudo, este parar. Porque está ali alguém. “Teriam sido deixados ali até que o pequenino morresse. Mas ele viveu doze horas, passadas com os pais e os irmãos. Vocês deviam ter visto a festa que todos eles lhe fizeram”.
Esta possibilidade há quatro anos tem o nome de hospice neonatal, mas nunca foi uma coisa programada. “Eu não fiz nada. Cada passo meu foi preparado por um Outro”, conta Elvira. Chegou à Nova York por sugestão de Dom Giussani: “Por que você não vai para os EUA?” Estávamos em 1986, ela não sabia uma palavra de inglês, tinha 30 anos. Começou com um ano de estágio, depois alguns avanços e recuos na profissão até ficar com uma situação estável em 1996. Sete anos depois, era professora assistente na Universidade de Columbia.
Entre todas as mudanças, uma coisa permaneceu sempre intacta: o desejo de cuidar dos recém-nascidos doentes, com malformações. “Sou muito afeiçoada a eles”. Por quê? “Porque precisam de tudo. E, depois, porque é algo que me foi dado”. Em 2001, entra na equipe de diagnósticos pré-natais da Columbia, onde todos os especialistas, do geneticista ao cirurgião, examinam casos de gravidez de risco. “A proposta automática era sempre o aborto, sem discussão. Nem sequer chegavam a falar com as mães e era sempre um grande sofrimento pra mim. Mas eu não queria ficar na indignação e começar uma guerra, pois não serviria para nada. Acabei por me sentir tão entristecida, que deixei a equipe”. Depois de três anos de ausência, uma manhã o chefe da obstetrícia, defensor do aborto, a encontra no seu departamento: “Elvira, por que não vem mais às reuniões? Aprende-se muitas coisas ali, volta!”. Só isto, um encontro no corredor. “Eu não pensei nem um segundo. Disse: Tu, Senhor, me queres ali. Vou voltar, vou sofrer, mas pelo menos sofro com aquelas crianças que não conseguem sequer nascer”.
No primeiro encontro em que a Elvira também está presente, entre os casos examinados estão os de duas senhoras à espera de filhos com Trissomia 18. E, para surpresa de todos, não queriam abortar. Ela diz: “Deem-me estas mães, eu as acompanho. Quando os bebês nascerem faremos o comfort care, mas nem eu sabia bem o que estava dizendo…”. Só sabia que queria “que a vida daquelas duas crianças fosse maravilhosa e que os seus pais pudessem ser pais até o fundo”. Foi em 2006. Desde aquele dia, obstetras e secretarias de saúde começaram a mandar-lhe todas as mães decididas a terem os filhos, as mães em dúvida e as que não podiam abortar porque o diagnóstico tinha sido feito depois da 23ª semana. Tudo começou assim.
Também a equipe de Elvira foi sendo criada. “Hoje somos uma dezena, entre enfermeiros e obstetras, em breve também contaremos com o apoio de uma assistente social. Quase todos vieram procurar-me, pedindo para trabalharem comigo”. O motivo mais forte e menos falado são aqueles momentos de beleza que acontecem: “Não se pode explicar a beleza. Mas o coração a reconhece, a intercepta”. Os pais, em primeiro lugar. “Eu continuo fazendo aquilo que faço, porque não me lembro de um único caso – nos últimos quatro anos acompanhamos 56 – em que a mãe e o pai não estivessem gratos. Alegres entre as lágrimas, dizem-me: ‘você nos ajudou a sermos pais’. Estas são pessoas muito diferentes entre elas, por isso não é um problema de escolha ‘moral’ ou ‘religiosa’: é a resposta a um desejo inscrito no coração de cada um”.
Este hospice de Columbia é único devido à ideia “médica” de comfort care. Nos outros hospitais, acaba por ser assim: sabendo que a criança vai morrer, suspendem os cuidados intensivos. No entanto, isto pode querer dizer tudo, até mesmo não dar de comer, e tornar-se assim um atalho para a eutanásia. Os limites são vertiginosos. O mesmo para o comportamento oposto: o prolongamento artificial, “o fato de manter a vida a qualquer custo, pois não consegue vê-lo morrer”. Mas, desta forma morre-se aos poucos. Onde estão os limites, então, é algo que só se descobre na experiência. “O único caminho a seguir é a realidade, pois a realidade fala. A criança nos dá todos os sinais de que precisamos, se não fosse assim, eu viveria angustiada. Mas, ao contrário do que imaginamos é simples, pois aquela criança é dada aos pais e a mim, que não podemos definir o seu destino. Só Quem o deu, sabe aonde ela vai. A nós, é-nos pedido para observarmos a realidade.”
Houve casos de recém-nascidos do comfort care que não morreram, como era previsto. Alejandra nasceu prematura e uma grave infecção destruiu-lhe os órgãos. Os médicos diziam que era só esperar que se extinguisse. “Nós a mantivemos por dois meses, com o mínimo de alimentação e morfina a cada meia hora. E, a propósito de cada coisa, tinha que me perguntar: é um prolongamento artificial, ou não? Por exemplo, a ventilação mecânica. É normal que os recém-nascidos precisem dela algum tempo, até respirarem sozinhos, e então a entubo. E observo. O fato é que não só começou a respirar sozinha, mas a melhorar”. Hoje Alejandra ainda está viva. E Sandra, a mãe, disse que viu tratarem da sua filha “todos os dias como se fosse o último”.
O RISCO E O SINAL. É impressionante ouvi-la dizer, à queima-roupa: “Nunca me enganei”. Não porque acertou sempre no tratamento. Aliás, nem sequer acredita que haja a “escolha certa” ou “errada”. “É outra coisa, seguir a realidade. É um diálogo com o Mistério que a faz. Mas é assim em todos os aspectos da vida. Ou queremos conduzir, ou respondemos sempre dispostos a mudar”. Você coloca todas as suas energias naquele diálogo, e arrisca seguir. Porque a evidência com que a realidade fala a você não é pacífica, “para mim é sempre muito dramática, implica a liberdade, a minha e a dos pais. Mas só me pede uma coisa: a pureza ao olhar para a situação”.
A vida e o trabalho assim são uma oração em ação. Pedir, continuamente, um sinal. Elvira é Memor Domini: “O meu trabalho é a maior verificação da minha vocação. Se a vocação é seguir que Jesus é tudo na minha vida, aqui vejo a sua vitória sobre o feio, sobre o mal e sobre a morte”. É franca também ao falar sobre o Mistério: “Não é belo não viver. E aquelas crianças não vivem ou vivem pouquíssimo. E não sei o por que disto, mas vejo a cruz de Jesus e a ressurreição”. Toca-lhes, estão presentes, como quando batizou as gêmeas Keela e Kaya antes de morrerem.
Estão ali numa caminha, abraçadas e iguais. Ela começa a fazer o sinal da cruz na primeira: “Eu te batizo, Keela…”. O pai rapazinho agarra-lhe o braço: “Não! Essa é a Kaya…”. O olhar daquele pai sobre as filhas é o olhar de Deus. “Só Ele nos ama assim, um a um”.
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