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Passos N.140, Agosto 2012

VIDA DE CL - Em caminho

Um tsunami humano

por Lucia Bellaspiga

Um povo que irrompe “visivelmente feliz”e uma meta “que facilita a redescoberta da fé.” Eram 90.000 pessoas na XXXIV edição da peregrinação a pé de Macerata a Loreto.Vinte e oito quilômetros percorridos durante a noite, até a Casa “na qual Maria curvou a cabeça”. A enviada do jornal Avvenire nos diz o que viu. Espectadora (e não só) de um mistério “não muito escondido”

“Cristo é algo que está acontecendo agora”. Sem dúvidas é uma frase bonita. Soa bem. Mas, como acontece quando um belo dia se começa a rezar de um modo novo, dando de repente um sentido a cada um daquelas palavras que foram repetidas por anos sem nem mais escutá-las direito, aos meus olhos tomou corpo quando o estádio em Macerata se encheu de pessoas que estavam felizes apenas por estarem ali. E ainda mais quando a mesma multidão, depois de uma missa festiva, saiu como uma maré irrefreável em direção à saída do estádio e encheu as ruas na noite, ainda cheios de vigor e daquela felicidade.
Mas mais ainda na madrugada do dia seguinte, quando em Loreto, em frente à Basílica da Santa Casa, eu os vi romper todos os 90.000, segurando bem alto a bandeira da cidade da qual eles tinham partido, e ainda cantavam e oravam, e estavam felizes. Cansados, pálidos, alguns até mesmo tendo se sentido mal e pedido a ajuda médica, mas todos ainda visível, inequívoca e misteriosamente felizes.

Contudo, um arrependimento... E então você que, enviada de um grande cotidiano nacional, pela enésima vez se encontra como espectadora e cronista daquele “algo que está acontecendo agora”, não pode não se perguntar o que é, não pode ficar indiferente e nem liquidar tudo como uma iniciativa de sucesso que chegou à sua 34ª edição com ótima saúde. Naquela praça, em horários impraticáveis (o sol ainda não havia nascido) vi irromper um tsunami humano, mas um tsunami de vida, formado por homens e mulheres, velhos e crianças, até mesmo com muitas pessoas deficientes, vindas de toda a Itália (alguns até do exterior ) não para bater um recorde ou ganhar um troféu, mas para orar, cantar, fazer silêncio, ouvir ... e caminhar vinte e oito quilômetros à noite.
Eu tinha a clara consciência que não poderia começar a caminhar com eles às 22h, depois de dirigir vindo de Milão durante todo o dia e até enviei uma comunicação ao jornal que o trabalho começaria às 5h da manhã seguinte, em Loreto, depois de um bem merecido descanso de três ou quatro horas. Consciência limpa, então... No entanto, um arrependimento e um sentimento de inadequação, talvez de solidão, trabalhou como um verme pequeno em mim, pois quando o estádio Helvia Recina de Macerata abriu as suas portas para expor a maré humana, você cronista já quase os invejava, porque eles existem, são peregrinos a caminho da Casa de Loreto, eles “fazem”, enquanto você olha-os, conta sobre eles, mas permanece imóvel. São protagonistas de um mistério não muito escondido, e você é espectador.
Apenas um espectador? Talvez não. Às 6h, diante da Casa de Nazaré, onde Maria disse seu sim, os sinos tocam celebrando e a multidão irrompe (as mesmas caras da noite anterior, que você reconhece logo, os mesmos sinais, os nomes dos mesmos países nas faixas, até mesmo as mesmas músicas, ainda que a voz esteja mais cansada). Ela contagia você também!
O Bispo e os últimos. Na cabeça do tsunami, como todos os anos até esta 34ª edição, está o bispo usando tênis. É Giancarlo Vecerrica, bispo de Fabriano-Matelica, que chegando ao pátio logo dá as costas à Basílica, preocupado em abrir os braços para a praça, a quem chega depois dele. “Eu estou aqui para os últimos”, me diz, e sabe bem que serão justamente eles a transportar a Nossa Senhora Negra, levantada nos braços pelos aviadores da Força Aérea de Loreto. Dom Giancarlo me conta que por anos Ela havia aberto a procissão de peregrinos, mas desde 2009 acompanha os últimos, aqueles que chegam se arrastando, e com dificuldade começam a entrar na praça cerca de uma hora após o grupo, perto das 7h. É Ela que encerra o caminho, enquanto o Seu povo, apesar de exausto, ainda tem força para ir até a basílica na pequena Santa Casa de tijolos, “trazida” aqui de Nazaré – diz a lenda – carregada pelos anjos (na verdade, conta a história que foi transportada da Terra Santa pela rica família Angeli): é a casa onde Maria curvou a cabeça ao seu Filho e Senhor, e pronunciou o seu sim. É uma meta que facilita a redescoberta da fé, tantas vezes vivida como uma coisa óbvia, escreveu na sua mensagem aos peregrinos padre Julián Carrón, “A segurança de Nossa Senhora se apoiava no Senhor, que tinha agarrado o seu nada para fazê-la a primeira morada de Deus no mundo”.

O fato mais arrebatador. Maria, então, é a morada humilde, mas sólida, é ela mesma a casa, vivente, que dá abrigo a Deus que se faz homem, e se torna ventre e veículo de Graça para todos nós. E então é a Ela que agora a multidão dos 90 mil entrega as centenas de milhares de intenções, escritas em pedaços de papel recolhidos por baldes na praça, para depois queimar e subir ao céu como uma enorme oração cumulativa. E ao repórter (o habitual vício de querer descrever, quase pintar o que vimos!) esses baldes que passam de mão em mão para se preencher de súplicas lembram a ajuda mútua das correntes humanas quando, para apagar um incêndio, se passam baldes cheios de água. E no fundo aqui não é a mesma coisa? O que estou vendo não são verdadeiros baldes de água fresca, clara, inesperada, capaz de tirar a escória desses tempos ruins? E com aquela água, ironicamente, não se vivifica a chama do braseiro, quando as folhas ardem e sobem para o céu entre vórtices de faíscas?
Não é literatura, é aquele “algo que está acontecendo agora” e que chamamos Cristo. Algo, não alguém – o cardeal Mauro Piacenza explicou na noite anterior celebrando a missa – porque Cristo “é um fato que ocorre na história humana. Aliás, é o fato mais arrebatador”.
Como disse muitas vezes o Santo Padre: “No início do cristianismo não existe uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma pessoa que dá à vida um rumo decisivo”.
*repórter enviada pelo Avvenire


A MENSAGEM DE PADRE JULIÁN CARRÓN
Caros amigos, a peregrinação de vocês deste ano – conscientes do que está acontecendo na Igreja e no mundo – seja sustentada pelo desejo de redescobrir a fé que nos foi doada e que muitas vezes vivemos como uma coisa óbvia. Dom Giussani nos indicou o caminho: “A reconquista, para o homem, qualquer que seja seu interesse ou sua expressão, só pode recomeçar a partir da retomada, plena de dor pelo esquecimento, da memória de Cristo: a memória de Cristo como conteúdo normal da autoconsciência nova do cristão” (1994).

A meta da peregrinação, a Santa Casa onde o Anjo anunciou a Maria, lhes facilita tal recuperação: de fato, toda a segurança de Nossa Senhora se apoiava no Senhor, que tinha agarrado o seu nada para fazê-la a primeira morada de Deus no mundo, tão grande era a Sua piedade por cada um de nós. Assim, todos os dias de espera eram para Maria uma renovação contínua do seu “sim”, sem o qual Cristo não teria podido se tornar o Deus conosco na sua carne.

A afeição de Cristo por cada um de vocês determine o olhar que levarão às pessoas e às coisas ao longo do caminho, de modo que Ele não seja reduzido a um simples nome, mas se torne o conteúdo novo da autoconsciência de vocês: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (São Paulo). Nenhum limite ou pecado nos arranque a humilde certeza de ter encontrado o Senhor que plasma cada fibra do nosso ser e nos faz recomeçar sempre.
De modo especial neste ano peço a vocês para viverem a fadiga da noite como oferta a Cristo pelo Santo Padre, gratos a ele pelo testemunho de um caminho humano que nos deu em Milão. Em sua irredutibilidade ao poder deste mundo, porque os seus pés se apóiam sobre a rocha de Cristo, Bento XVI continua a mendigar o nosso “sim” a fim de que se realize a tarefa mais urgente para os cristãos, a de ser “maduros na fé e testemunhas de humanidade”: “Numa época em que, para muitos, Deus se tornou o grande Desconhecido e Jesus simplesmente um grande personagem do passado, deixemo-nos encontrar e arrebatar por Deus, para levar o homem de hoje, muitas vezes distraído, a um renovado encontro com Jesus Cristo” (Na Assembleia da Cei, 24 de maio de 2012).

Com as palavras de Bento XVI em Milão, lhes digo: “A santidade é o caminho normal do cristão: não está reservada a poucos eleitos, mas está aberta a todos. A Virgem Maria conserve sempre a beleza do vosso ‘sim’ a Jesus, seu Filho, o grande e fiel Amigo da vossa” (2 de junho de 2012).
Peçamos ao Pai, por intercessão de Dom Giussani, a conversão do nosso coração, para não perder a graça que recebemos.



 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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