No início, brincadeiras com as crianças da favela. Depois, o desejo de oferecer-lhes algo mais. Uma história que começou em 1978 e aos poucos foi crescendo. Hoje, uma realidade que acompanha centenas de crianças e adolescentes, oferecendo a eles a possibilidade de ver a beleza da vida
Ali, bem ao lado da movimentada e barulhenta marginal Tietê da capital paulista, escondidos entre muros cinza do bairro da Freguesia do Ó (aquele da música do Gilberto Gil), encontram-se três lindos prédios. São as unidades da Creche Menino Deus, o Centro Mary e o Núcleo São José. O fundador e patrono destas obras é o padre Luigi Valentini, carinhosamente chamado de padre Gigio. Este sacerdote italiano chegou a São Paulo em 1970 e iniciou seu trabalho missionário na zona leste da cidade, servindo à igreja local para a evangelização de regiões carentes. Em 1978 ele se transferiu para a Zona Oeste e começou a trabalhar com os universitários na PUC. Aos sábados levava os jovens para uma caritativa na antiga favela Minas Gás e ali celebrava a missa. Há 32 anos, provocado pela dura realidade que via naquela região, e após o incêndio de um barraco que levou à morte três crianças que ali estavam trancadas enquanto os pais trabalhavam, padre Gigio decidiu começar uma estrutura de acolhida para receber algumas crianças. Elas precisavam de um lugar. Assim, em 1980, com muita luta para angariar fundos, seja com jantares e campanhas entre amigos, seja com projetos junto aos órgãos públicos, foi construído um barraco de madeira compensada e telhas de amianto. E chegaram as primeiras 50 crianças.
Desde aquele primeiro núcleo de trabalho, para todos os funcionários das obras, mas também para as crianças, jovens e famílias atendidas, padre Gigio sempre repete a consciência que tem: “Estas casas são de Deus. Quem doou dinheiro é porque foi tocado por Ele. Quando entro nestes lugares fico sempre impressionado porque penso: esta é a casa que Deus quis”. Há alguns anos padre Gigio voltou a viver na Itália, próxima, pois acompanha de perto com frequentes viagens diversas obras sociais, não só em São Paulo, estendendo-se por Belo Horizonte, Salvador, Brasília e Argentina.
Respondendo à realidade. Aquela primeira escola da Freguesia foi batizada de Creche Menino Deus. Atualmente esta unidade atende 120 crianças de 0 a 4 anos. Nestes mais de trinta anos de atividades o trabalho cresceu e a instituição constitui-se em Associação e é dirigida por Solange Gomes e Denise Avelans.
Aos poucos, os rostos por trás dessa obra se tornaram pontos de referência na vida de muitas famílias da região. Assim, no ano 2000, alguns ex-alunos começaram a “invadir” a creche. Eles iam tomar banho na caixa d’água e brincar no parquinho. Disseram que queriam voltar a ter um lugar. Diante disso Denise conta que começaram a acolhê-los voluntariamente. “Duas vezes por semana os recebíamos para dar o café, fizemos parceria com outra entidade para usar uma perua escolar e levávamos no SESC Pompéia. Aí de15 virou 30, de 30 virou 60. Tínhamos atividades sem nenhum recurso financeiro”. Em 2005 conseguiram um terreno. Em 2007 começou a construção, feita em partes. Tijolo a tijolo, contando com a caridade de tantos amigos que fizeram doações, com destaque às Equipes de Nossa Senhora e o empresário Mario Mazzaferro.
Ali as crianças vão com gosto. Na hora da entrada fazem fila para dar o beijo e o abraço na professora. Elas se servem sozinhas para o almoço. As três cozinheiras são ótimas profissionais e a comida é muito boa, dando inveja a muitos restaurantes. Ali são servidas 300 refeições por dia. Para levar as crianças à creche as famílias contam com um transporte pago em parte pela Prefeitura e em parte pelos pais. Também para os pais a creche é um ponto de referência. “Eles nos procuram quando têm dificuldades”, atesta Denise.
Hoje a Associação tem são 45 funcionários. “Em uma reunião uma pessoa disse que aqui existe uma compreensão entre eles que é fruto deste clima de ‘casa de Deus’. Esta é a minha maior satisfação”, afirma padre Gigio. A equipe de direção é formada por dez pessoas e a cada quinze dias se reúnem para a Escola de Comunidade com o casal Silvia e Ulisses Brandão, que voluntariamente ajudam na direção da obra. Silvia conta como começou sua ligação com eles: “As obras da Associação Menino Deus são para mim um sinal muito forte da misericórdia e fidelidade de Deus. Eu era estudante universitária quando fui àquele bairro pela primeira vez e de lá para cá tenho o privilégio de testemunhar a história de amor que Deus tem construído com seu povo, por meio de pessoas muito precisas: como o padre Gigio, tantas famílias que participam das obras já há duas gerações, uma senhora da comunidade que é funcionária desde o início e tantos amigos que ofereceram seu trabalho para a construção da creche, como a Mary, Virgínia, Mara, Marina e aqueles que atualmente se desdobram com vigor e alegria na formação das crianças e familiares a partir da comunhão que vivem com Solange e Denise. Ultimamente tem me marcado o fato de que o ‘sim’ a Cristo gera uma gratuidade e um amor sem limites, capaz de fascinar, de mover tantas pessoas e envolver todos os aspectos da vida: desde as crianças até os idosos que agora também são acolhidos, do reforço escolar à formação profissional, à educação para a Beleza, aos passeios, ao cuidado com a alimentação e com a limpeza, à companhia presente na doença e na morte. Enfim, esse é um lugar em que é possível tocar com as mãos que Deus se faz carne por meio de um relacionamento vivo, que abraça as circunstâncias concretas da vida e se torna um caminho no qual o Bem, a Beleza, a Verdade se fazem presentes agora”.
Um crescimento inesperado. Padre Gigio tinha um pesar por São Paulo não ter o reforço escolar e a ajuda na formação de jovens ao mercado de trabalho, desafio que já era enfrentado nas obras das demais cidades que ele acompanha. Até que em 2006 a Associação foi procurada pela Prefeitura. Eles cediam um espaço para realizar cursos de formação para jovens entre 15 e 18 anos, e queriam a presença dessa Associação. “Viam algo diferente”, afirma Solange. Deram início, assim, aos cursos de Gastronomia e Manutenção de Hardware. A divulgação é feita boca a boca, ou através de encaminhamento da própria Prefeitura por meio dos centros de apoio à família. “O trabalho com os jovens é a experiência com a qual mais aprendemos. Eles passam pela creche, o reforço, e depois vem a parte de formação. E aqui a gente começa a perceber a parte mais sofrida da vida deles. A gente escuta, ouve, apoia e os ajuda a ter uma esperança”, diz Solange.
Neste meio tempo também conseguiram comprar um terreno, sobretudo pela ajuda da Associazione Condividere Onlus, presidida por padre Gigio. Esta entidade, reconhecida pelo Governo italiano, arrecada recursos para ajudar a Associação Menino Deus, dentre outras obras. Juntamente com a herança que próprio padre Gigio recebeu de uma parenta, que não era muito próxima, mas admirava suas iniciativas e por isso deixou-lhe uma casa, em 2008 foi inaugurado o projeto Mary, cujo trabalho nasceu do acompanhamento voluntário dos meninos que saíam da creche e os procuravam. O nome do projeto é uma homenagem à enfermeira já falecida Maridalva Morales, conhecida como Mary, que foi a iniciadora dos trabalhos.
Uma nova surpresa ocorreu em 2010 quando foram novamente procurados pela Prefeitura. Pediam que se ocupassem de um Núcleo de Convivência do Idoso. Aceitaram! Assim, acompanham também 60 idosos. Eles fazem atividades como bordado e canto, têm aulas de alfabetização e almoçam no local. Ficam por meio período todos os dias.
Em 2012, sempre para responder a uma solicitação imprevista, começam o atendimento de crianças e adolescentes, de 6 a 14 anos. Mais um desafio que está sendo respondido.
Aprendendo sempre. São muitas as atividades da Associação e cada uma delas é realizada com dedicação. Denise conta sua experiência. “Nós acompanhamos tudo, ficando na parte burocrática dos papéis, mas quando é possível sair com eles e ver o rostinho de felicidade deles, isso não tem preço. Outro dia foram ao cinema 3D, e muitos nunca tinham ido. Uma amiga do padre Gigio sempre nos empresta um sítio e levamos noventa meninos todos os anos. A gente quer mostrar o belo pra eles, pois muitas vezes vivem em locais sujos, então aqui tem que ser bonito, oferecer novas perspectivas”. Por isso, canto da Associação, é tudo muito cuidado e limpo.
Pelo envolvimento de alguns amigos que se sentem “contagiados” pela beleza do que ouviram falar sobre a obra, atualmente alguns professores universitários atuam como voluntários dando aulas de reforço aos jovens. E Solange conta como eles aceitaram essa ajuda: “Aqui os meninos encontram uma experiência que ajuda a melhorarem na escola, aprendendo inglês, matemática e língua portuguesa. Antes eles ‘fugiam’, mas agora eles vêm sempre e ainda pedem mais”. Uma mudança que se notou foi a criação do hábito da leitura. Assim, outra proposta nascida de uma amizade foi a parceria com a Livraria Companhia Ilimitada, na Zona Norte da cidade. As crianças são levadas para uma tarde de contação de histórias e assim se abre um pouco mais o horizonte da vida.
Pela ótima relação que a diretoria exerce com o poder público, são frequentes as ofertas de atividades de entretenimento, como uma visita ao centro, que ofereceu a possibilidade de muitos jovens conhecerem pela primeira vez os pontos históricos da cidade, subir no prédio do Banespa, entrarem na Bolsa de Valores. “Se é bom para as crianças a gente topa”, confirma Denise. E assim, com o tempo, um povo vai sendo educado a cada dia, passando de pai para filho a tradição de que “ali tem gente em quem podemos confiar”.
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