A multidão reunida em Milão para o funeral do cardeal Carlo Maria Martini impressionou a todos. Ele era importante demais para não calcularmos que o seu desaparecimento tivesse um eco vastíssimo, e sua relação com a cidade foi muito profunda para não esperarmos uma saudação assim da “sua” Milão. Mas uma coisa é imaginar e prever, outra é ver os milhares de pessoas que vieram saudar o ex-arcebispo ambrosiano na Catedral. Um povo, comovido.
Bastava isto (e tantos pormenores que surgiram nos dias sucessivos; a sua “caritativa” pessoal com os pobres, a relação com os ex-terroristas, algumas passagens dos seus escritos) para reconhecermos que Martini foi muito mais do que aquilo a que muitos comentários, ainda que benevolentes e entusiasmados, o reduziram. Designando-o como uma espécie de “bispo do diálogo” entre culturas e com os não crentes, empenhado acima de tudo em “procurar plantar a cruz na atormentada fronteira da modernidade” (como escreveu o jornalista italiano Ernesto Galli della Loggia no Corriere della Sera) e contrapondo-o a figuras como Dom Giussani, muito diferentes em temperamento e carisma mas, no fundo, “satisfeito com o seu pleno reconhecimento pela Igreja”. Duas “correntes”, talvez mesmo “povos diferentes” na “federação” da Igreja de hoje.
Sobre afinidades e diferenças haveria muito mais a dizer. Basta ler a carta enviada por Julián Carrón ao mesmo Corriere, publicada no site de Passos. Mas o tema proposto por Galli della Loggia foi: o que é verdadeiramente o diálogo entre fé e modernidade? Um debate em que cada um – crente ou não crente – diz o que tem a dizer e, no fim, concorda sobre algum ponto genérico e distante, mais ou menos como antes, para além da nobre e recíproca estima pessoal (como muitos comentadores disseram, no fundo, do alto da “cátedra dos não crentes”, reduzindo-lhe em muito alcance)? Ou é a valorização ecumênica de qualquer “migalha de verdade” que se vê no outro, e que precisamente a fé permite reconhecer onde quer que aconteça – como acontecia com Martini?
Uma pergunta urgente. Mais ainda para quem participou do último Meeting de Rímini, onde o título era absolutamente “religioso” (“A natureza do homem é relacionamento com o infinito”). E a sua declinação – encontros, conteúdos, vida – permitiu a quem estava lá entrar no mérito dos desafios que a modernidade coloca: desde os “práticos” e quotidianos (a crise econômica e a ideia de homem que ela exprime) às fronteiras teóricas (a literatura, a filosofia, as neurociências…), até às expressões mais populares, como o rock.
Foi um debate sério, real, como se pode ver nas páginas que se seguem (apesar de, por força das circunstâncias, oferecerem apenas uma síntese reduzida). E foi uma viagem em alto mar. O contrário de uma justaposição entre mundos longínquos, o exato oposto de procurar confirmação ou “reconhecimento” por parte de quem organizou o Meeting. Aprofundando a própria experiência da fé, se entrou em um diálogo verdadeiro. Até mesmo com muitas personalidades que são expressão daquela modernidade, que partem de posições não religiosas, mas que reconhecem em quem crê um ponto comum original – o desejo de infinito – uma forma de viver este desejo que os interroga. Que exige curiosidade e aberturas recíprocas. E que permite, imprevisivelmente, percorrer uma parte do caminho juntos.
É este o caminho de que precisamos, sobretudo no momento em que se retoma o trabalho. E é por isso que estamos gratos a quem nos indica e nos acompanha no caminho.
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