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Passos N.145, Fevereiro 2013

DESTAQUE - Oriente Médio

Carregar a cruz em Gaza

por Andrea Avveduto

Uma semana de inferno. E uma trégua frágil, que não se sabe quanto vai durar. Entre os rockets do Hamas e a ofensiva israelita, para os cristãos que vivem na Faixa de Gaza o Natal é descobrir as razões da sua fé e da sua presença ali, que parece um nada diante dos poderes dos outros. As vidas de George, Johnny, Hanna, Diana… Uma pergunta permanece: “Por quê?”. E uma única certeza: “Deus está trabalhando”

“Olá Gabriella, espero que você esteja bem...”. A carta do George à sua amiga começa com uma preocupação. Por ela, que vive na pacífica Itália. O George Antone está fechado na Faixa de Gaza desde que nasceu, e é cristão. Uma das duas mil almas em um milhão e meio de muçulmanos. Começa estas breves linhas enquanto um raid israelita bombardeia a casa do vizinho. “Gaza está em guerra, mas nós sabemos, no fundo do nosso coração, que o Senhor não nos abandona”. As linhas telefônicas vão e vêm, e George divulga muitas das suas preocupações, assim como os medos e as esperanças, nas redes sociais. E por alguns e-mails que envia aos amigos. “Agora a nossa vocação é carregar um pedaço da cruz de Cristo. E mostrá-la aos outros. O dever de todos os cristãos é suportar aquele lenho glorioso naquilo que se vive”.
Mesmo quando a vida é feita de medo e de dor. Foram momentos que George viveu muitas vezes, durante aqueles dias de guerra que acabaram nas primeiras páginas dos jornais de todo o mundo, antes de uma trégua tão frágil que, evidentemente, não retira o medo. Os rockets do Hamas. A ofensiva israelita. A Terra Santa novamente à beira da guerra. E eles, os cristãos, mais uma vez tendo de refletir sobre as razões e a raiz da sua presença, que é tão frágil que parece um nada, sob as bombas e perante o poder dos “outros”. E que, no entanto, é tão importante. Decisiva, ali onde tudo começou.

“VÃO TER COM ELE”. George aproximou-se do Natal sem eletricidade e com as janelas de casa abertas para que o barulho dos mísseis não partisse os vidros. E com as noites sem dormir, junto da sua filha Laila. “Cada vez que os mísseis ressoam, dizemos a ela que estão batendo na porta”. Mas que nunca a abrem com medo de quem – ou do que – pode entrar. George tem medo de que a pequena possa ficar com traumas para toda a vida. Durante as noites em claro, ele escreve no Facebook: “Rezem pelas crianças, elas não têm culpa do que está acontecendo entre estas falsas ideologias”. E depois acrescenta: “Vocês que sofrem, façam como Ele disse: vão ter com Ele. Não de carro ou a pé, de avião ou em um míssil. Usem o terço”.
Na comunidade cristã local há muitos que rezam o terço todos os dias. Cada um em sua casa, acuados pelo medo, por aquela semana de inferno. Depois das tréguas, três palavras simples confiadas ao seu diário: “Deus está trabalhando”. E George nunca duvidou disso. Basta olhar para os seus olhos, nas fotografias que foram tiradas durante aqueles dias e publicadas no Facebook, para termos a certeza disso. Sim, Gabriella, o George também está bem. Aliás, poderíamos dizer que é um homem feliz.
“Por que Deus permite que aconteçam estas coisas em Gaza?”. O desabafo de Johnny faz com que Irmã Nabila, uma amiga de longa data que tinha lhe perguntado como estava, se cale de repente. Foi nos primeiros dias da guerra. “Se quiser saber, pergunte a Ele”, e entrega-lhe um terço para rezar. Ele não reage. São dias difíceis para Johnny e para sua família. Não se pode sair de dia nem dormir de noite. Uma pequena prisão dentro da prisão maior que é a Faixa. “Não entendíamos nada do que estava acontecendo”, conta ele: “Ouvíamos explosões fortíssimas e não sabíamos se eram os mísseis palestinos ou os raids israelitas”. Exausto, tenta telefonar a um amigo no domingo à noite, por volta das 23h, quando os raids recomeçam a bombardear Gaza. Novamente a mesma pergunta: “Por quê?”. “Não sei”, responde-lhe Mujib: “Mas nós somos cristãos e temos de perdoar. Eu estou rezando por eles”. A seguir, o amigo lhe contou a história de Abu Boulos Salem, um cristão ortodoxo que morreu há pouco tempo. Sofria do coração e, após o enésimo raid, “quando você não tem a certeza se chega ao dia seguinte”, o seu coração cedeu.

O FUNERAL DE SALEM. No dia seguinte, o Mujib decidiu ir ao funeral. Todos estavam presentes no último adeus a Salem. A mulher e os cinco filhos, os amigos e quem nunca o conheceu. Durante algumas horas, centenas de paroquianos deixaram as suas próprias casas. Loucos, seguramente, para correr um risco deste tipo enquanto os mísseis voavam. “As famílias às vezes não têm o que comer, porque não é seguro ir à rua”, conta o pároco, padre Jorge: “E no entanto, mais de 200 pessoas decidiram vir aqui, rezar por ele”. Mas não é só uma questão de número. “Eu estava impressionado, via estas pessoas alegres, sorridentes. Eles me contaram como passam os seus dias em casa, rezando o terço em família. E contavam isto muito contentes”. Johnny também estava presente no funeral de Salem. E quem sabe se não terá também encontrado uma resposta à pergunta que o angustiava, depois de ter visto aquela multidão tão grande e feliz.
Hanna e Diana são casados há dez anos. Vivem em Gaza desde que nasceram, há 35 anos. A única filha deles, Claire, tem 8 anos. Na última guerra, em 2009, o carro de Hanna foi destruído e ele perdeu o emprego (conduzia por toda a Faixa e fazia entregas aos clientes). “E eu, alguns meses depois, tive câncer”, conta Diana: “Quando esta guerra começou, temíamos o pior. A operação “Chumbo Endurecido” ainda estava muito presente para nós”. Além disso, Claire ficava muitas vezes com os avós, porque os pais estavam fora de casa. Desde então ficou traumatizada. “Fazia muitas vezes xixi na cama, e quando ouvia um barulho ou um disparo começava imediatamente a tremer”. Por isso, “quando ouvimos as primeiras explosões, corremos imediatamente para casa”. Claire estava à espera deles, agitada. Diana correu para junto dela e a abraçou. “Aqueles minutos nunca mais passavam”, conta ela: “Ficamos ali no quarto, debaixo dos cobertores. Claire me pediu para rezarmos juntas uma Ave Maria”. Quando os “drones” deixaram de sobrevoar Gaza, Claire disse à Diana: “Sabe uma coisa, mãe, este foi o perigo mais bonito de toda a minha vida”. Já não tinha medo. Provavelmente, tinha o mesmo medo de quatro anos atrás. Mas, agora, a mãe estava com ela. Aquela presença que sustenta a vida. E isso mudou tudo.

UM PROBLEMA ADIADO. Poucas horas antes da assinatura do cessar-fogo, os últimos raids destruíram alguns edifícios. Nem o edifício da comunicação social foi poupado. Algumas casas de civis também foram arrasadas. A família Sruir regressava da paróquia latina. Na adoração eucarística com padre Jorge, tinham pedido o dom da paz. Ao voltarem para casa, só encontraram escombros. Todas as suas coisas tinham desaparecido sob os destroços. Correram para o pároco, para lhe pedir ajuda. Ainda agora, de noite, há quem se refugie ali. “Quando os vi voltar, não sabia o que dizer”, nos conta padre Jorge. Tinha intuído alguma coisa, ficou procurando as palavras adequadas para responder a todas as perguntas sobre o sentido daquilo que poderiam lhe fazer. Mas o Sr. Sruir antecipou-se: “Seja louvado o nome do Senhor, porque é bom”.
Agora, toda a Faixa de Gaza suspira aliviada. As tréguas, anunciadas no Cairo, impuseram o “cessar-fogo” a ambas as partes, ainda que o acordo já tenha demonstrado a sua precariedade. As pessoas sabem, por experiência, que uma trégua deste tipo só adia o problema por seis, sete meses, um ano, no máximo. Todos querem uma paz serena e duradoura. Incluindo os dois mil cristãos da Faixa. Mas aquilo que descobriram nestes últimos dias de guerra, não o trocariam por nada.



A FAIXA EM GUERRA
A Faixa de Gaza é um território entre Israel e o Egito, não reconhecido pela comunidade internacional
como estado soberano, mas reclamado pela autoridade Palestina com parte dos Territórios.
1948. A Faixa é governada pelo Egito até 1967. Com a Guerra dos Seis Dias passa para o domínio de Israel, que se retira em 2005, acatando parcialmente a resolução 242 da ONU de 1967 (que previa também o fim da ocupação de Golan e de Jerusalém Leste, ainda hoje militarizadas). Na Faixa, pelos acordos de Oslo (1993), Israel mantém o controlo do espaço aéreo, das fronteiras e das águas territoriais. Para a Onu, Gaza é “um território palestino ocupado”.
2006. Depois de um período de controle por parte da Al Fatah (o partido do presidente da Autoridade Palestina), as eleições são ganhas pelos islamitas do Hamas que, no dia 14 de junho de 2007, depois de uma guerra civil, obtém o controle da Faixa. Desde esse momento, Estados Unidos e Europa decidem o bloqueio das ajudas. Israel reage com o embargo.
2008. Dia 27 de dezembro, Israel ataca para neutralizar o Hamas e reagir ao lançamento de rockets Qassam sobre alvos civis, a resposta dos palestinos à violação das tréguas por parte dos israelitas. A guerra termina em 18 de janeiro de 2009.
Hoje. Dia 14 de novembro, o conflito reaparece: Israel leva a cabo a operação “coluna de nuvem”. O cessar-fogo é assinado após oito dias, que custaram a vida a 140 palestinos e a 5 israelitas. Dia 29 de novembro a ONU admitiu a Palestina como estado observador (com 138 votos favoráveis, 9 contra e 41 abstenções). Brasil votou a favor. EUA e Israel votaram contra.


 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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