Há poucos dias, o jornal católico italiano Avvenire publicou um editorial assinado pelo cardeal Angelo Scola, patriarca de Veneza. É um texto que vale a pena ser lido atentamente e, por isso, o publicamos também nesta edição de Passos. Entre as duas tentações que sempre estão presentes, quando nos confrontamos com a fé (a redução do cristianismo a mera “religião civil, simples suporte ético” e a “criptodiáspora” de quem se contenta com o “anúncio puro e cru” da cruz, fugindo das batalhas da história), Dom Scola indica um outro modo – talvez o único – de viver o cristianismo: “Propor o acontecimento de Jesus Cristo em toda a sua inteireza, que não pode ser capturado por nenhuma ideologia humana”, desvendando “a beleza e a fecundidade da fé na vida de todos os dias”. Esperança, portanto. Algo bem diferente de “hegemonia mundana”.
São temas que merecem ser aprofundados, não em algumas poucas linhas, mas no trabalho das próximas semanas. Tanto mais que se harmonizam de maneira surpreendente – e até comovente – com a trajetória educacional que estamos percorrendo nestes meses.
O texto de Dom Scola enfatiza a natureza do cristianismo e a dinâmica da fé: o Acontecimento, um Fato presente, “Algo que vem antes”, na expressão de Dom Giussani que vai se tornando cada vez mais familiar. E o testemunho, o “incansável relato” que “oferece a todos a esperança”. Mas o que significa testemunhar Cristo? E fazê-lo hoje, numa realidade que parece literalmente enlouquecida, incapaz de usar plenamente a razão? Esse é o desafio que somos chamados a enfrentar.
Para afirmar valores podemos esgrimir e brandir argumentos justíssimos, embrenhando-nos na luta, armados de uma doutrina correta, contrapondo-a à loucura dos que chegam a negar até as evidências mais imediatas. Essa é uma possibilidade, que vemos acontecer com frequência em nossos dias. É uma tentação sempre viva para todos nós, como vimos acontecer recentemente no Brasil, nas discussões sobre a menina de Alagoinha. Mas o cristianismo não é isso. Antes, é aquele Acontecimento que irrompe em nossa vida por meio das testemunhas, as quais nos levam a compreender melhor o que é a vida. É aquele Fato que tem um alcance de conhecimento incomparável, porque nos acompanha até o fundo da realidade, e o faz do modo mais simples: levando-nos a encontrar pessoas que vivem de maneira diferente, que acolhem o sofrimento de maneira diferente, que constróem família de maneira diferente. E que nesse “diferente”, tão carregado de razões e de atrações – porque corresponde aos anseios do nosso coração –, oferecem ao mundo uma esperança sem fim: a Sua Presença. Sem Ele, essa diversidade não se explicaria. Essa capacidade de viver o real seria impossível. Mas ela existe.
“Para defender a vida, Dom Giussani fez pulsar em nossas veias uma febre de vida”, lembrava há algum tempo padre Julián Carrón a um grupo de responsáveis de CL. Testemunha, justamente. Trata-se de um desafio excitante. Aliás, o único que verdadeiramente vale a pena abraçar.
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