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Passos N.148, Maio 2013

SOCIEDADE - Diário de Classe

Um castigo para o infinito

por Marcelo Belga

Olhando meus filhos sentados na calçada, no ponto de ônibus, lendo, percebo que a vida me impressiona. Por que gostam de ler? É tão fácil para eles. Para mim, mesmo professor de português sempre foi tão custoso, com raríssimas exceções. Chegar, pegar o livro e lerem como se o mundo em sua volta fosse em função do que acontecia ali, na história lida.
Não só como pai experimento esse maravilhamento com a realidade. Também como professor. Todo ano participo de um gesto de caridade intitulado “Coleta de alimentos” que ocorre uma vez por ano, em todo Brasil, organizado pela Companhia das Obras (CDO). Aqui em Belo Horizonte, o PRODAL e o Mesa Brasil são quem recolhem e distribuem os alimentos para instituições educativas e assistenciais. Nesse dia, doamos um tempo em algum supermercado da cidade da rede DMA e pedimos para as pessoas doarem os alimentos listados em um panfleto, pois são os que as instituições mais precisam.
Até aí tudo bem. Mais um ano de “coleta”, mais um dia especial para mim. Sempre acontecem coisas que me ajudam – depois de um sábado inteiro no supermercado, acompanhando os voluntários e abordando as pessoas – a chegar na segunda-feira com um sorriso, sem nenhum desânimo: é um milagre. Até aí, normal, como diriam meus alunos. Mas, na quinta-feira, antes do gesto, na escola onde estou exercendo o cargo de vice-diretor, chamo o aluno que desrespeitou o professor para conversar junto com o seu mestre. Já era a milésima vez que abordava esse estudante sobre algum caso complicado. Estava predisposto a suspendê-lo, chamar os pais, era preciso uma lição ainda mais severa. Quando, de repente, estando eu, o professor e esse estudante, ele me solta esta: “não quero terminar como meu amigo... eu assisti tudo... ele sendo preso na porta de sua casa...” Fiquei paralisado. Minhas primeiras intenções desmoronaram. Mas esse rapaz era orgulhoso, não pedia desculpas ao professor, mesmo com as tentativas mais criativas. E o professor, lógico, olhava severo para mim, exigindo uma resposta, já não dava, mais uma vez o fulano... como pode... estamos a mercê desses que não querem nada! Vamos, Marcelo, já está no final do ano, não adianta mais para este... Minha cabeça fervilhava. Como deixar esse menino em casa, ou seja, na rua, depois do que ele havia entendido sobre a vida? Qual seria o melhor local para acolher aquela experiência de um jovem, agora, com um juízo adulto sobre a vida? Lembrei-me de Pavese: “É bonito viver porque viver é começar sempre, a cada instante”. Sempre: tempo indefinido; difícil de lidar; eu, professor de português, enrolado com a conjugação desse tempo verbal. Mas no achamento do dia (brincando um pouco com o grande mestre Guimarães Rosa), no achamento do dia convidei o estudante, melhor, dei um castigo a ele: eu precisava de voluntários para o sábado da Coleta de Alimentos; então, disse a ele, você fez uma coisa muito errada com o professor, entende, precisa fazer algo para se concertar... eu preciso de voluntários no sábado para pedir as pessoas que doem alimentos a quem precisa. É um dia especial para mim. Não é chato não. Topa? Depois, disse a ele: agora peça desculpas ao professor... Ele sem olhar para o mestre, sem baixar a cabeça, custosamente pediu.
Ele foi. Foi um dia bonito. Eu... ganhei um amigo. Acho que isso é o que Mariapia Veladiano disse que é necessário o tempo no processo educativo para construir o relacionamento, sem alarde e escândalo com o que acontece.

* O autor é Professor de Língua Portuguesa na E. M. Oswaldo França Júnior, em Belo Horizonte/MG, Especialista em Educação Inclusiva.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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