As preocupações políticas, as dificuldades econômicas, e aquele esforço quotidiano “que quebra as pernas”, como falava Pavese (e que diz respeito a todos). A realidade está nos obrigando a enfrentar uma pergunta decisiva: o que realmente serve para viver? E como a fé nos ajuda a reconhecer isso? Fomos à raiz de uma questão que na maioria das vezes procuramos evitar, mas que, pelo contrário, o Papa Francisco nos pede para levarmos a sério
Poderia parecer um slogan. Um mantra para repetir, para de alguma forma nos tranquilizar, para dar um alívio ao desânimo e à sensação de viver sob a capa de um mundo em agonia, onde as crises políticas e econômicas, guerras civis, violência e pobreza são as notícias habituais. Por isso, sabemos que “já ouvimos” também repetir que estamos arriscando muito, que apesar de vivermos sob esta capa é uma grande ocasião para aprendermos alguma coisa. Sobre nós e sobre a fé.
Mas é cada vez mais verdadeiro. Porque quanto mais a necessidade se alarga, mais atinge, mais interroga. Leva-nos até uma pergunta: mas, verdadeiramente, de que se trata? De que é que precisamos verdadeiramente? O que pode preencher este vazio tão penetrante, quase aniquilador? Nos Exercícios da Fraternidade de Comunhão e Libertação, no mês passado, foi citada uma passagem dos Diálogos com Leucò de Cesare Pavese: “Mas a vida do homem se desenvolve mais adiante, entre as casas, nos campos. Diante do fogo e num leito. E todo dia que nasce põe à nossa frente a mesma dificuldade e as mesmas faltas. No fim, é um tédio [...]. Há um temporal que renova os campos – nem a morte nem as grandes dores desencorajam. Mas o cansaço interminável, o esforço para nos mantermos vivos hora a hora, a notícia do mal dos outros, do mal mesquinho, enfadonho como moscas de verão – este é o viver que quebra as pernas”. Assim: o que é que responde a este mal de viver que está na base de todo o mal-estar?
Pode parecer insólito olhar para o que está acontecendo ao nosso redor partindo daqui, e afirmar que não estamos no momento de mudar tudo e de recomeçar. É, em primeiro lugar, o momento de pedir. Mas se existe um fio condutor que liga o mal-estar que vemos e experimentamos – sob formas tão diferentes – à política desenfreada e à dor de quem perdeu o trabalho ou atravessa algum drama, é precisamente aquele dado: a nossa necessidade. E, muitas vezes, existe uma estranha resistência para levá-la verdadeiramente em consideração, para a olharmos em toda a sua profundidade.
Vemos isto bem, por exemplo, no pântano da política italiana, onde recentemente foi necessário o gesto nobre de Giorgio Napolitano para desbloquear um impasse devastador e abrir uma passagem de razoabilidade num contexto em que, como tinha escrito Julián Carrón nos dias anteriores, domina a “percepção do adversário como um inimigo”, e não como “um recurso, um bem”, alguém de quem preciso para ser eu próprio, porque “faz parte da minha própria definição”. Sem recuperar esta consciência, escrevia o presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação, “será difícil sair da situação em que nos encontramos”.
A novidade. Com a chegada do novo Governo, na Itália, eles foram chamados a dar apenas o primeiro passo para sair da confusão. Mas o caminho para recuperar o fio do bem comum é muito longo. Pelo menos, tão longo como o que serve para pôr em andamento um país onde, segundo pesquisas atuais, existem 957 mil famílias sem salário, 46 empresas por dia fecham portas e acontecem cada vez mais histórias terríveis de suicídios desesperados e comentários ainda mais tremendos que falam de “atos de dignidade”, quase de heroísmo. Escreveram-no também a propósito do caso de um casal que se enforcou “porque a pensão não era suficiente”, e o cunhado se afogou no mar por não conseguir suportar a tragédia. Histórias de pobreza, de necessidade aguda. Mas, antes ainda, de solidão e laços cortados. Onde, o outro, precisamente, não existe, ou não se vê. E onde o “cansaço de viver” não encontra respostas adequadas. Algo por que valha a pena viver e alguém que nos ajude a sustentá-lo.
É neste contexto que está explodindo em toda a sua novidade o pontificado do Papa Francisco. Um início importante, que surpreendeu muitas pessoas por tantos motivos diferentes. Muitas pessoas fizeram análises de seus primeiros quarenta dias. Ficaram impressionados pelos gestos do Papa, pelas suas inovações. E alguns chegaram a fazer comparações entre a velocidade inesperada com que a Igreja retomou um novo progresso e a estagnação da política e da sociedade.
“Fascinante e persuasiva”. Mas se relermos tudo à luz deste aspecto, de como atos e palavras do Papa respondem à necessidade que somos, ficamos ainda mais impressionados. É um chamado contínuo para levarmos a sério até o fim. E é um percurso, verdadeiro. A começar pelas palavras proferidas aos cardeais, dia 15 de março: “Não cedamos jamais ao pessimismo, a esta amargura que o diabo nos oferece a cada dia; não cedamos ao pessimismo e ao desânimo. A verdade cristã é fascinante e persuasiva, porque responde a uma necessidade profunda da existência humana, anunciando de modo convincente que Cristo é o único Salvador do homem todo e de todos os homens”.
Por isso – e só por isso – a fé pode ser “fascinante e persuasiva”: porque “responde a uma necessidade profunda” da nossa existência. Uma necessidade que o próprio Papa demonstra, antes de tudo, reconhecer como sua, como testemunha o seu pedir contínuo desde o primeiro momento em que se aproximou da Varanda das Bênçãos: “Rezem por mim”. E uma necessidade que precisa de uma só coisa para se tornar um recurso poderoso: a nossa lealdade. Precisamente, não recuarmos em pedir: “Não nos fechemos à novidade que Deus quer trazer à nossa vida! Muitas vezes ocorre que nos sentimos cansados, desiludidos, tristes, sentimos o peso dos nossos pecados, pensamos que não conseguimos. Não nos fechemos em nós mesmos, não percamos a confiança, não nos demos jamais por vencidos: não há situações que Deus não possa mudar” (Vigília Pascal).
O desafio é este. Se é verdade ou não que não existem situações que Deus não possa mudar. Se é verdade ou não que todas as circunstâncias são uma ocasião para reconhecer o Mistério que as confia a nós e, consequentemente, são “para a nossa maturidade”, como sempre nos lembrou Dom Giussani. E se, por isso, em virtude desta companhia próxima e contínua que Deus nos faz, é verdadeiramente possível “não deixar nunca que nos roubem a esperança”, como disse o próprio Papa Francisco no Domingo de Ramos.
Provocação. Pode parecer uma exortação. É uma provocação. Em primeiro lugar, para nós próprios e para a nossa lealdade. Que desce à raiz da necessidade que somos. Precisamente, que pede. Quem o faz, pode recomeçar o jogo.
Podemos ver isso, por exemplo, em certos efeitos evidentes do Pontificado. Nos muitos “afastados” que estão a reaproximar-se da fé, por uma curiosidade que não é só intelectual, mas está relacionada com a hipótese que, talvez, quem sabe, pode verdadeiramente ajudar a viver. Ou naqueles que estão mesmo a descer à raiz desta necessidade, e voltam para fazer as contas com outra medida. E a pedir perdão. Por exemplo, nas últimas semanas, foram muitos os sacerdotes que assinalaram um forte aumento de confissões. Não é um fato a menosprezar.
Mas que o jogo seja este – a fé abraça ou não o nosso “viver que quebra as pernas”? E como? – o vemos também em muitas vicissitudes de pessoas nas quais a vida se transformou verdadeiramente, e reabriu-se, precisamente quando começaram a pedir: uma ajuda para o trabalho, a família, a doença: Mas dentro desta ajuda, muito mais. Como se vê nas histórias que narramos. E que nos ajudam a perceber por que não é o momento de nós próprios nos retirarmos, mas de pedir.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón