Um convite ao arcebispo emérito para que contasse sobre a amizade com o Novo Pontífice. Assim ocorreu o encontro com o cardeal Dom Claudio Hummes e o testemunho de um homem de fé
“Este é um homem novo”. É o que muitos afirmavam logo após o encontro com Dom Claudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo, no último dia 29 de junho. Reunidos no auditório do colégio São Bento, no coração da cidade, um grupo de 60 amigos de CL, entre outros participantes, tiveram a oportunidade de ouvir o testemunho de um homem de fé, visivelmente tocado pela novidade de Cristo, na figura do Papa Francisco.
Durante um diálogo, com duração de duas horas, mediado por Olivio Pereira, o cardeal falou sobre sua relação próxima e de longa data com o então arcebispo Jorge Mario Bergoglio, com quem viveu momentos importantes da Igreja Católica na América Latina. Dom Claudio também ressaltou a importância do Ano da Fé, além de se posicionar em relação à onda crescente de manifestações em todo o país.
“O Papa Francisco foi a grande surpresa que Deus deu a nós, uma grande graça, no sentido de ser, de fato, um sinal de Deus que nos indica novos tempos. E segundo ele próprio diz, não devemos ter medo da novidade. O Papa pretende trazer novidades, mas não ser somente novidadeiro”, pontuou Dom Claudio.
E prossegue: “A grande novidade é Jesus Cristo, é o morto que ressuscitou, o vivente. Cristo não é passado, ele é a própria vida e o Papa acentua muito isso. O Papa traz novidades, mas vem na continuidade de uma história, a história de Deus conosco. Há novos aspectos, novos horizontes, mas com uma continuidade.”
Empenhado em levar adiante esta história é que o Papa Francisco encampa o Ano da Fé e nos guia a renovarmos e celebrarmos a nossa fé publicamente. Neste sentido, Dom Claudio descreveu através de citações dos Papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco o percurso da fé. Inicialmente mencionando João e André e seu encontro definitivo com o próprio Cristo. Aqui, o cardeal ressalta a importância da caridade como expressão primeira da fé e a capacidade de levarmos a fé através da evangelização.
Disse ainda, mencionando Bento XVI, que o ser cristão não começa por uma bela doutrina ou uma moral, mas sim por um encontro e deste encontro nasce o desejo de aderir a tudo, inclusive à doutrina e à moral. Ainda citando Bento XVI, Dom Claudio nos questiona: “A moral tem que ter suas razões, é o seguimento de Jesus. E como seguir alguém que não conhece? Principalmente até a cruz?” E finaliza: “O encontro com Jesus é o início, é Jesus que transforma, não é a pregação. A fé bíblica é que você se entrega a uma pessoa, você se encantou e isso muda sua vida. O Ano da Fé é isso, refazer este encontro.”
Questionado por Olivio, após falar sobre a questão determinante do encontro, Dom Claudio nos conta como recebeu a notícia da renúncia de Bento XVI. “Em primeiro lugar ele é um alemão racional (risos). Tem uma racionalidade coerente, além de ser um santo homem, o que lhe deu humildade a renunciar com serenidade.”
Falando sobre a personalidade de Bento XVI, o cardeal afirma que o Santo Papa soube fazer uma leitura da realidade, as necessidades do mundo atual e seus limites diante delas. “Ele fez este grande gesto, que abriu portas e nos deu uma nova esperança, ao mesmo tempo pode-se presenciar a humildade do Papa. Foi este gesto que culminou com a eleição do Papa Francisco. Foi uma reviravolta.”
Segundo Dom Claudio, tanto a renúncia de Bento XVI, quanto a nomeação de Francisco, foram novidades fundamentais para a vida da igreja e seu caminhar. “Este era um obstáculo, confiar que um latino-americano pudesse guiar nossa igreja. Isto é o Espírito Santo, em um dia e meio os cardeais transpuseram este obstáculo. Os católicos estão de cabeça erguida, felizes, confiantes. Isso é o Espírito Santo.”
Dom Claudio enfatizou a ação misteriosa do Espírito Santo durante o conclave e os dias que o precederam e nos indicou sinais de sua presença. “Um Papa que resolve ser Francisco como programa de vida? São surpresas do Espírito Santo. Uma vez eleito, Deus faz deste eleito o seu ungido.”
O cardeal, então, nos revela como se iniciou sua relação com o então arcebispo Bergoglio e nos fala mais sobre quem é este homem. “Nos encontrávamos em várias circunstâncias, mas foi durante a V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, em Aparecida, em 2007, que pudemos trabalhar juntos por quase três semanas.”
É importante mencionar que Hummes e Bergoglio participaram de todo o percurso que a Igreja Católica percorreu na América Latina. Segundo Dom Claudio, em certo momento, após o Concílio Vaticano II, foi dada a orientação de que a Igreja se inserisse de fato na América Latina e não mais andasse paralelamente. Desta forma, os padres e bispos inclinaram-se a conhecer mais de perto as peculiaridades destes países e não mais trabalhar apenas os efeitos de sua história, como a pobreza.
Começou, então, uma reflexão sobre quais eram as grandes causas daqueles efeitos negativos na sociedade, pelos quais a igreja zelava (pobreza, falhas na saúde, falta de moradia, violência, etc.). Segundo Dom Claudio, observou-se que as próprias instituições públicas reproduziam a pobreza e esta constatação foi determinante para que o trabalho da Igreja se voltasse para as periferias e as causas das grandes mazelas.
Para Dom Claudio, não é possível conceber o Papa Francisco sem olhar para esta experiência, pela qual, segundo ele, o Papa tem grande amor e certamente é orientado por ela em seu caminho. “Ele é um grande homem, um jesuíta de muita oração e muita escuta. Tem uma grande capacidade de ouvir e entender o outro. É um homem da periferia. Ele diz que a Igreja deve ir a todas as periferias.”
E entenda-se por periferia não somente aquelas econômicas, mas todas as formas de exclusão. “Às vezes ele olhava um cardeal e dizia: ‘Ele está sofrendo.’ Então se levantava e ia até lá conversar com esta pessoa em sofrimento. Ele não somente chega às periferias, mas ele sabe identificá-las.”
Dom Claudio cita ainda algumas frases recentes de Francisco como: “O pastor tem que ter cheiro de ovelha.” “A Igreja deve construir pontes e não muros.” “Vocês tem que seguir Jesus e não Francisco.” E sobre elas, afirma: “Ele diz o óbvio, mas com uma autoridade de quem vive aquilo.”
Em sua primeira audiência com a imprensa, onde seis mil jornalistas estavam presentes, o Papa Francisco fez a seguinte declaração: “Na eleição, eu tinha ao meu lado o arcebispo emérito de São Paulo, um grande amigo. Quando a coisa começou a ficar um pouco perigosa, ele começou a me tranquilizar. E quando os votos chegaram a 2/3, aconteceu o aplauso esperado, pois, afinal, havia sido eleito Papa. [...] Ele me abraçou, me beijou e disse: ‘Não se esqueça dos pobres’. Aquilo entrou na minha cabeça. Imediatamente lembrei de São Francisco de Assis.”
Dom Claudio afirma que foi exatamente como o Papa descreveu e para ele, o nome Francisco, escolhido pelo amigo após sua fala, o remete a três pontos principais: a pobreza, ou seja, as periferias. A paz, essencial em um mundo tomado por guerras. E a criação, representada pela natureza e o meio-ambiente, os quais são extremamente maltratados e esquecidos pela modernidade.
O cardeal, orgulhoso da escolha de Francisco, nos relata o primeiro sinal de mudança. “No dia seguinte ao conclave, o Papa celebrou a missa e disse as seguintes palavras: ‘As três leituras de hoje tratam de movimento. É preciso caminhar, construir com pedras vivas e confessar Jesus crucificado, abraçar a cruz. A ressurreição brota da cruz.’”
Para Dom Claudio esta será uma das principais características do papado de Francisco, o caminhar. “Ele vai conduzir a igreja a caminhar. Certamente é um homem compreensível e que fala muito da misericórdia. E isso quer dizer, se colocar no lugar do outro e com ele caminhar. Todos seremos mais exigidos, porque o Papa diz que não podemos ficar parados.” E finaliza. “Qualquer mudança será feita a partir de Jesus Cristo, esta é a grande referência, assim como a misericórdia. Precisamos ser abertos. A igreja é uma unidade na diversidade.”
Por fim, nosso amigo Olivio pergunta a Dom Claudio que lição tirar das manifestações públicas, que nas últimas semanas tomaram conta de centenas de cidades em todo o Brasil. Para o cardeal este é um tipo de movimento que veio para ficar. “As redes sociais facultam ao povo o direito de se autoconvocar e assim nasce um novo sujeito na história.”
Este tipo de movimento, segundo Dom Claudio, é justo, pois dá voz às pessoas que não se sentem ouvidas. “O que estamos presenciando é uma forma de realidade muito bonita.” O cardeal menciona ainda a relação desequilibrada entre Estado e Sociedade que finda com estes movimentos. “O Estado não pode pretender que a sociedade esteja a seu serviço. A sociedade deve ser sujeito da sua história. Por exemplo, o Estado é laico, mas está a serviço de uma sociedade religiosa. Tudo isso vai se aprendendo com essas manifestações.”
Sobre a revolução inserida por Cristo na nossa história, Dom Claudio observa que ela não cancela ou contradiz esse tipo de fenômeno. “A mensagem de Cristo tem tudo a ver com essa reinvindicação do povo. Por isso temos de estar presentes. Na rua a gente evangeliza de fato.”
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