A espera e o abraço: retorno ao dia 18 de maio, na Praça de São Pedro. O primeiro encontro entre o Papa Francisco e os Movimentos. Um fato que continua a nos provocar, porque marcou um novo início para quem esteve presente: das respostas surpreendentes aos gestos simples e poderosos, onde há uma origem a ser redescoberta e também uma responsabilidade
TINHA ALGUÉM NAQUELA PRAÇA
QUE MUDOU A TODOS NÓS
O céu sobre Roma é um céu de maio, com cheiro de rosas frescas e de Maria. Mas “os inícios são sempre difíceis”, como se diz no Midrash hebraico. E junto com o vento quente romano caem também algumas gotas de chuva na Praça de São Pedro. Como será desta vez encontrar o Papa para os muitos Movimentos e Associações? No aperto para entrar, agitando o bilhete cor-de-rosa, pensamos: desta vez é diferente com relação à 1998 e 2006. Não só porque mudou ele, o Bispo de Roma. Mas todos nós também mudamos. O risco do já sabido, do já visto e codificado, do “não assim tão novo” é quase natural. Uma sensação, contorno mal delineado. Ainda que provoque um baque no coração rever e voltar a ouvir, na recordação televisiva passada nos telões, Dom Luigi Giussani que fala do mendicante “protagonista da história” e que depois se ajoelha diante de João Paulo II. Mas tudo é invadido pela sensação de uma praça lotada que está entretida, passiva, um pouco caótica, um pouco distraída. Apesar dos esforços da animadora Lorena Bianchetti, que anda no átrio para frente e para trás como se estivesse num palco. É talvez este o primeiro maio dos Papaboys? Há um público e um espetáculo ao qual assistir, mais ou menos entusiasmados? E de que tipo?
Desta vez é diferente, também desta vez acontecerá algo, mas agora, neste início, quase que não dá para perceber. Sim, acontecem os cantos, o Gen Verde no centro do átrio; os testemunhos começam a aflorar através dos cônjuges da Renovação no Espírito, mas a grande multidão dentro do abraço formado pelas colunas da praça concebida por Gian Lorenzo Bernini é ainda uma multidão. Por que estão aqui? Por que estamos aqui? Há algo que já sabemos, que já possuímos e, no entanto, isso não nos satisfaz; ou talvez não nos satisfaça precisamente porque pensamos possuí-la. De vez em quando um flash, uma Ave Maria, o canto do Povera Voce comovem-nos verdadeiramente… une a todos. De fato, não é um problema de siglas, de bandeirinhas. Há tantas, hoje. A lista distribuída na sala de imprensa inclui mais de 150 nomes. O Espírito soprou e gerou na Igreja muitas “realidades presentes”. Um espetáculo, um dom, uma Graça. Isto é evidente. Devem, no entanto, estar de acordo, sintonizar-se? Mas como? Estilos, cantos e línguas diferentes, talvez na busca de uma unidade construída, organizativa, eclesiástica? O que procuram? Talvez um compromisso, uma liderança, um chefe?
O jipe e o silêncio. Depois chega o Papa Francisco. Irrompe na praça e as nuvens no céu de maio já se afastam. Roma não trai, o cansaço começa a desaparecer, o vento quente dá lugar ao ar fresco do vento oeste que faz correr o jipe branco no átrio. Um vento que parece encrespar as colunas da praça, tornar ligeiro e significativo e verdadeiramente religioso o nosso estar aqui. Desta vez é diferente. Subitamente, as pessoas na praça percebem que algo está verdadeiramente acontecendo e sobre ela cai um novo clima. A distração e a ligeira confusão que parecia atordoar-nos dá lugar ao silêncio. Um silêncio que é um dom. Francisco parece querer abraçar todos, saudar cada um, sobe no jipe como se estivesse subindo em uma moto e fosse um corredor um tanto imprudente, tal é o ímpeto com que se lança para a multidão. Então toma a palavra o Dom Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a nova evangelização, que explica ao Papa mas também a todos nós, o que é que une todas estas realidades: “Dizer ao homem de hoje que não se pode passar sem Cristo e que é preciso ser testemunhas credíveis disto”. Depois Fisichella introduz a procissão, composta de jovens, que transporta a imagem de Nossa Senhora, “Salus populi romani”, a salvação do povo de Roma. Como é terna e bela a imagem de Santa Maria Maior! A praça já não está apinhada de uma multidão, mas de muitos homens e mulheres, crianças e idosos, que voltam a sentir o fascínio simples da devoção popular mariana. Neste lugar, nesta cidade, que é ao mesmo tempo também todo o mundo.
Parece começar agora a cair a noite, com um céu límpido por detrás da cúpula de São Pedro. Fala John Waters, belíssimo testemunho de vida e de fé, e sem se deter demasiado no papel histórico e eclesiástico do Movimento ou dos Movimentos. Desta vez é diferente. Como se tivesse sido dado mais um passo agora. Fala o irmão do ministro paquistanês brutalmente assassinado num atentado com contornos fundamentalistas: “A sua grande fé superou as montanhas da divisão, tão altas no meu país”.
E depois fala Francisco, depois de lhe serem dirigidas quatro belas perguntas. Fala no discurso mais longo, até agora, do seu pontificado, um discurso estrondoso, determinado, cujo início resgata tudo. Esclarece-nos cada coisa. Havia Alguém naquela praça, naquela Roma de maio, que estava à nossa espera. Alguém que nos quer bem.
UMA GRANDE SORTE. “Nós dizemos que devemos buscar a Deus, ir até Ele para pedir perdão… Mas, quando chegamos, Ele já está à nossa espera, Ele chega primeiro! Em espanhol, temos uma palavra que explica bem isto: ‘O Senhor sempre nos primerea’, é o primeiro, está à nossa espera! E esta é uma graça mesmo grande: encontrar alguém que te espera.” O medo, a dúvida é não acreditar até ao fim que o Senhor nos quer bem. O encontro. Ainda o Papa: “O Senhor espera por nós. E, quando O procuramos, deparamos com esta realidade: é Ele que está à nossa espera, para nos acolher, para nos dar o seu amor. E isto infunde no seu coração uma maravilha tal que nem acredita, e assim vai crescendo a fé! No encontro com uma pessoa, no encontro com o Senhor. Alguém poderá dizer: ‘Não, eu prefiro estudar a fé nos livros’. É importante estudá-la, mas olhem que isso não basta! O mais importante é o encontro com Jesus, o encontro com Ele; é isto que te dá a fé, porque é precisamente Ele quem a dá”.
E depois aquela maravilhosa interpelação aos Movimentos, dizendo-lhes para se abrirem, se escancararem, saírem. “Neste tempo de crise, não podemos preocupar-nos só conosco, fecharmo-nos na solidão, no desânimo, numa sensação de impotência face aos problemas. Não se fechem, por favor! Isto é um perigo: fecharmo-nos na paróquia, com os amigos, no Movimento, com aqueles que pensam as mesmas coisas que eu... Mas sabem o que é que acontece? Quando a Igreja se fecha, adoece, fica doente. Imaginem um quarto fechado durante um ano; quando lá entras, cheira a mofo e há muitas coisas que não estão bem. A uma Igreja fechada sucede o mesmo: é uma Igreja doente. A Igreja deve sair de si mesma. Para onde? Para as periferias existenciais, sejam elas quais forem…, mas sair. Jesus nos diz: “Ide pelo mundo inteiro! Ide! Pregai! Dai testemunho do Evangelho!” (cf.Mc16, 15). Entretanto o que acontece quando alguém sai de si mesmo? Pode acontecer aquilo a que estão sujeitos todos que saem de casa e vão pela estrada: um acidente. Mas eu vos digo: Prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, caída num acidente, que uma Igreja doente por fechamento! Ide para fora, saí!”
Saiam para encontrar, arriscando, não tendo medo. Desta vez foi verdadeiramente diferente: a tarde de 18 de maio ficará como uma grande metáfora daquilo que aconteceu e está a acontecer à Igreja e também ao mundo. Um novo início, uma imensa Graça, uma grande ventura colhida do gesto de despojamento de Bento XVI. Já não debruçados sobre nós mesmos, já não ocupados com nós próprios, mas lançados no confronto com uma nova evangelização. Num regresso simples a Jesus Cristo, Aquele que nos espera sempre, que nos quer bem e que, nunca como agora foi claro, que faz existir e viver a Sua Igreja. A Maria, tão amada pelo povo romano. Às gentes. Porque todos precisam saber que há Alguém que os espera.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón