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Passos N.153, Novembro 2013

RUBRICAS

Cartas

“Daria tudo para ter essa paixão”
Caro padre Julián, ouvi-lo na Jornada foi para mim, como você disse, "um fato no qual naufragar". Durante muito tempo, para mim, reconhecer Jesus significava seguir um caminho que, questionando a realidade, me faria chegar a um ponto de origem, ou perceber o impacto de algo e dizer: "É Jesus", mas eu não sei por que, este chegar a Ele era como o resultado de um processo externo a mim, que não tomava a intimidade da minha pessoa. Este "reconhecimento" era como quando você vê um bilhete sobre a mesa, o lê, reconhece a letra de seu marido e diz: "Foi ele quem me escreveu", mas aquelas palavras não fazem você vibrar, e não comovem. Para mim, dizer "É Jesus" não tomava nada de mim, não penetrava através dos meus olhos no fundo das minhas entranhas. Jesus permanecia do lado de fora, enquanto o meu coração estava preenchido, mas não pleno, por outra coisa. Então, um dia, durante um passeio nas montanhas, vi uma aluna minha de 13 anos, chorar. Perguntei-lhe por que chorava, e ela me escreveu: "Uma amiga me disse que, para ela, quando dizemos que vemos Jesus, dizemos apenas besteira. Fiquei profundamente ferida com cada uma dessas palavras, vi Jesus morrer diante de mim. Senti um buraco no coração. Eu continuava pensando nisso, e a ferida continuava a arder. Então, percebi que a dor me fazia estar bem, porque a ferida é o sinal que Ele deixou quando entrou em mim. Então, me perguntei: antes, como eu podia viver? Se antes seu nome era um nome entre tantos outros, agora não: quando você gosta de um rapaz, toda vez que ouve o seu nome, mesmo que não diga nada a respeito dele, seus olhos brilham, você se sente queimar por dentro. Agora, acontece isso quando ouço pronunciar o Seu nome". Desde aquele dia, todos os dias rezo para que eu também me apaixone desse modo por Jesus, para sentir essa ferida. Comecei a procurar pessoas em quem transparece essa paixão por Ele, desejei ver meu marido com essa ferida nos olhos. Aconteceram os Exercícios e quando você fez a pergunta: "Do fascínio por Cristo, o que resta? Onde está o nosso primeiro amor?", não conseguia parar de chorar por causa da ternura, da vibração com que Ele presente me abraçava e me respondia. Na Jornada, quando você começou com o Cântico dos Cânticos: "Em minha cama à noite busquei o amor da minha alma", e com o comentário sobre Maria Madalena; quando você disse: "Como eu gostaria de ter um pouco dessa paixão", senti-me novamente abraçada com ternura, meu coração pulou novamente e gritou: "Eu também daria tudo para ter essa paixão de pessoa apaixonada". Fui literalmente invadida pela doçura e pela gratidão pela iniciativa que ele está tendo comigo: coloca perto de mim pessoas que ultrapassam as minhas armaduras e barreiras para alcançar e conquistar meu coração, que surpreendo capaz de um desejo e uma paixão desconhecida.
Francesca

Há sempre amigos que dizem: "a vida está aqui”
Caro Julián, gostaria de tentar fazer um balanço do trabalho realizado a partir da pergunta que você nos deixou como trabalho: "Como se faz para viver?”. Confesso que quando a ouvi pela primeira vez, pareceu-me uma pergunta inútil, ou pelo menos, óbvia. Que homens "vivos" se perguntem "Como se faz para viver?" é algo que me parecia semelhante à pergunta "por que a água é molhada?", uma provocação normal, mas de resultado provavelmente óbvio. Porém, depois de ouvi-la várias vezes e fazendo memória dela, percebi que efetivamente é possível viver sem realmente viver. Parece um trocadilho, mas é algo concreto facilmente experimentável, um drama real no qual todos estamos envolvidos. É como quando lemos alguma coisa, mesmo interessante, e no final nos perguntamos: "O que eu li?". O empenho, o "trabalho" de ler foi feito, mas eu não estava lá. Em agosto, começando pelas férias de Cervinia e, depois, as férias com a minha comunidade, a viagem à praia com a família, o Meeting de Rímini, o retorno ao trabalho, foram momentos em que, mantendo a pergunta, fiquei surpreso ao ver ao meu lado uma vida superabundante. Pessoas, circunstâncias, olhando para as quais você diz: "Aqui existe vida". Amigos com uma capacidade de acolhida impensável, ou com uma paixão que move com incansável empenho, homens com uma inteligência sobre a realidade que impressiona. Todas, experiências que mostram bem que a realidade é o que temos de mais precioso para viver. Eu quero essa vida para mim, quero continuamente buscá-la, quero segui-la. Portanto, o primeiro resultado do trabalho destas férias foi manter sempre aberta a pergunta "como se faz para viver?", porque só assim é possível estar, a cada instante, diante de tudo com aquela curiosidade e aquele desejo de vida, sem nunca se contentar com uma resposta que deixe de fora a própria pergunta.
Alberto, Pavia (Itália)

Depois da panfletagem, o encontro com Tiago
Caro Julián, estudo Física em Florença. Eu gostaria de contar o que aconteceu comigo e alguns amigos neste início de semestre. Quarta-feira, houve um teste de auto-avaliação para os cursos de graduação em Ciências. Depois da proposta que você nos fez na Equipe dos Universitários para encontrar os novos alunos e, depois de participar de um jantar maravilhoso com os calouros de Engenharia e Medicina, decidi junto com outros amigos, fazer um panfleto convidando para a Escola de Comunidade. Propus a meus amigos da comunidade de Ciências panfletarem comigo no dia do teste. A primeira coisa que me surpreendeu foi a resposta deles: a mesma sede nos mantinha unidos no desejo de arriscar nisso, conscientes de que "quem não dá Deus, dá muito pouco". Então, em grupo, fomos panfletar: a experiência comum entre nós foi de liberdade e de uma grande letícia. Uma amiga me disse: "Descobri em mim um desejo de falar a todos sobre a beleza que estava por trás do panfleto: o meu estar ali era para testemunhar aquilo que eu encontrei, e isso fez com que eu me libertasse de reduzir tudo a uma capacidade minha". Eu realmente vi aquilo que você nos disse na Equipe, que a única condição para gerar e construir é a letícia. O grande presente que recebemos logo depois, foi Tiago, um calouro que veio para a Escola de Comunidade no dia seguinte à panfletagem. Com sua simplicidade, ele realmente tocou e surpreendeu a todos: ele foi o primeiro a intervir, falando sobre o que significa, na sua vida, o abandono a Cristo. Enquanto me despedia dele, e vendo-o feliz e grato, pensei: seu rosto é o rosto de Cristo para mim, hoje. A plenitude que me foi dada é de fato muito maior do que o que eu esperava de uma simples panfletagem. Outro sinal disso foi a maneira como todos nós nos olhávamos depois da Escola de Comunidade, com uma amizade nova, e da qual nasceu com simplicidade – sem nenhum traço de "ativismo" – a ideia de fazer um jantar com todos os amigos de CL da Faculdade para saber mais sobre Tiago e os novos calouros. Todos percebemos como é mais bonito viver assim.
Francesco, Florença (Itália)

Minha mãe levou-me a dizer: "Tu"
A sala estava cheia de silêncio. Um silêncio pleno. Sua presença preenchia tudo. Era uma presença cheia de perguntas. O sol, se pondo, chamava para a despedida. Despedida triste, adeus sincero. Sua presença foi a de uma doente, a de uma dor que a fazia sofrer. Eu olhava para ela, era um olhar cheio de impotência, ou talvez não. Eu não posso curá-la, mas posso compartilhar com ela a maior coisa que encontrei: Tu, Jesus. Era um olhar cheio de alegria afetuosa, de encontro, de permissão para partir por ter encontrado aquilo que realmente enche de paz, de vida, de luz. Tão misteriosa, grande e preciosa foi a nossa separação, em um segundo nos despedimos com um "até breve" e ela se foi. Era minha mãe. É minha mãe. Obrigado, Senhor, como é grande a vida e como és grande Tu. Eu, como sempre, traidor, mentiroso, pobre e de mãos vazias, Tu, grande, cheio de ternura, de luz, de abraço, de perdão. Obrigado por poder viver este adeus com a Tua companhia, nessa comunidade. Nunca encontrei nada melhor do que Tu. O caminho não chegou ao fim, pelo contrário, continua, pleno de Ti, pleno dela que agora descansa em ti. Cheio dela que agora repousa em ti.
Ernesto, Alcobendas (Espanha)

Um dia com Tata Mimi (e com a sua pergunta)
Caríssimo padre Carrón, Mireille, de Camarões, veio nos visitar e por meio dela – que eu chamo de Tata Mimi – foi Rose, da Uganda, e você que nós acolhemos. Tata Mimi tocou cada um de nós com a sua alegria comunicativa, seu senso crítico da realidade, e com o testemunho de sua vida renovada pelo carisma de Dom Giussani. Léandre, recém-chegado em nossa comunidade, nos disse: "O que me ajudou muito foi o calor humano de todas essas pessoas que eu encontrava pela primeira vez, e o espírito de compromisso e perseverança que caracterizava os organizadores e participantes para o sucesso do encontro, apesar da forte chuva". Foi um dia de cantos e testemunhos. Tata Mimi nos chamou a atenção para uma pergunta dirigida a Cristo: "Quem és Tu? Tu, que amas meu marido, minha esposa, meus pais, meus filhos mais do que eu?". Para mim, isso foi como um tapa na cara, porque nunca tinha pensado que alguém, nem mesmo Deus, poderia amar as pessoas que me são caras, mais do que eu. Tata Mimi também nos lembrou – retomando a homilia de Bento XVI do dia 25 de abril de 2005 – a nossa missão de fazer Cristo entrar nas vidas daqueles que não O conhecem. Também nos ajudou muito com a história da sua primeira experiência de caritativa. O cristão não é alguém que só fica na igreja rezando, mas que sai do seu pequeno mundo para ir ao coração do sofrimento dos outros. Esses dias passados com ela nos moveu novamente em relação ao nosso pertencer ao Movimento. Por isso, queremos agarrar esta mão estendida através dessa visita e caminhar com você, padre Julián, a quem Dom Giussani nos confiou antes de sua morte, como Jesus fez com João e Maria. Tata Mimi voltou para Camarões e nós também precisamos voltar para a nossa rotina diária, mas desta vez com o coração inflamado e marcado para sempre por uma pessoa verdadeiramente apaixonada pela realidade.
Éveline, Abidjan (Costa do Marfim)

A verdade vos libertará
Querido padre Cárron, diante de todos os protestos no Brasil e da insatisfação da população por uma série de questões políticas, econômicas e sociais e depois da vinda do Papa Francisco ao Brasil, me perguntava sempre: o que eu tenho a ver com isso? Os protestos para mim sempre foram um chamado particular. Meu desejo por justiça é algo muito intenso, que marca um pouco meu jeito de ser. No meu trabalho sempre tive uma postura ética e moral, e quando foi preciso me posicionei, assumindo todos os riscos das minhas ações. Quando concluí meu doutorado e comecei a fazer concursos, percebi que existe uma rede de favorecimentos em muitas universidades, mas não pensei que iria passar por dois concursos em que claramente houve favorecimento de um mesmo grupo com os seus alunos. Movida pelo meu senso de justiça, fiz todos os trâmites legais para denunciar e coibir essas ações. Até então estava muito certa de que essa seria a ação correta, até que um dia, uma amiga que compartilhou essa experiência comigo, com quem eu procurava julgar o ocorrido, me disse coisas duras, inclusive que amizades importantes para ela foram envolvidas na denúncia que eu havia feito. Nesse dia uma mistura de sentimentos tomou conta da minha consciência e a única coisa que eu pensava era deixar meu emprego e ir embora da cidade. Porém, quando fui conversar com meu chefe sobre toda a situação, ele me disse algo que mudou tudo, que temos que ter uma postura ética e moral porque a verdade vos libertará! Depois de quase 20 anos no Movimento, eu agi como alguém que separa Cristo do trabalho. O Movimento me educou desde muito nova, ainda no colegial, a trazer Cristo para a nossa realidade e eu só enxerguei a dor de perder uma amiga que eu amava muito, quis abandonar tudo, só olhei para os meus sentimentos. Quando saí da reunião com meu chefe, uma nova consciência (porém velha) me foi retomada, uma consciência que eu tinha perdido. Então decidi continuar o meu trabalho, que é em regime de contrato, e fiquei mais atenta à vinda do Papa do que às manifestações. Percebi o quanto sou amada pelo Senhor, pois no momento em que minha consciência me foi tirada, Ele me fez passar pela experiência de retomá-la, a consciência de que eu fui chamada a participar da sua Cruz pela dor, pela rejeição. Essa consciência me fez ser mais humilde no trabalho, me fez ser mais humana, a consciência de que Cristo é o centro e não está distante de nenhum desejo que colocou no meu coração. Ir às ruas por justiça e contra corrupção é válido, assim como se posicionar contra um sistema corrupto, mas sem essa consciência de que Cristo é o centro, isso tudo se torna vazio, sem sentido, sem foco e não responde em nada ao desejo do meu coração.
Carta assinada

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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