Acompanhamos a visita de padre Julián Carrón ao Quênia, onde encontrou amigos de vários países africanos, como Costa do Marfim, Etiópia e África do Sul. Uma intensidade de experiência que surpreende: em lugares tão distantes do início histórico do Movimento, vibra um encontro totalizante
Poeira e muitas pessoas nas ruas. As artérias que alimentam o coração da cidade estão entupidas com milhares de automóveis impacientes. O jipe de padre Alfonso Poppi, missionário da Fraternidade San Carlo, avança com dificuldade. Nairóbi, capital do Quênia tem quatro milhões de habitantes e nos mostra todos eles.
É uma cidade com muitas feridas. Históricas, urbanas, humanas. Mas a vitalidade do seu povo a mantém viva apesar das velhas cicatrizes e das novas queimaduras. A última é a cratera aberta dentro do Westgate Mall, o shopping que foi palco de um ataque terrorista que começou no dia 21 de setembro. Foram quatro dias de cerco e mais de sessenta mortos. Quem praticou o atentado foi um número impreciso de shabab, guerrilheiros somalis ligados à Al Qaeda.
Nosso carro para em frente ao portão do Dimesse Center de Karen, o instituto de freiras onde acontece a Assembleia de Responsáveis de Comunhão e Libertação da África (Ara). Um guarda de segurança se aproxima. Observa dentro do veículo e, sorrindo, diz: “Nenhum shabab a bordo? Então, continuem...”.
Ali se reúne uma centena de pessoas vindas de 13 países. Além do Quênia, Uganda e Nigéria, onde o Movimento está presente há muitos anos, também Angola, Burundi, Camarões, Congo, Costa do Marfim, Etiópia, Madagáscar, Moçambique, Serra Leoa, África do Sul e Sudão do Sul. No pátio do convento, padre Julián Carrón sorri e abraça a todos. Acabou de voltar do encontro com o Papa Francisco e, na introdução, começa falando desse encontro: “Nossa tentativa é fazer com que a fé se torne cada vez mais nossa na vida cotidiana, dentro dos desafios em todos os ambientes em que a vida se desenvolve. É ali que podemos dar nosso testemunho, mostrar uma vida mais intensa e razoável”. Estamos a milhares de quilômetros, geográfica e culturalmente, dos lugares na Itália onde essas palavras foram ditas pela primeira vez por Dom Giussani. No entanto, aos ouvidos de quem as escuta, kikuyu ou masai, igbo ou fulani, baganda ou basoga, a distância não existe. Até porque a provocação deixa pouco espaço para interpretação: “Como se faz para viver?”, e ainda: “Se as coisas vão bem ficamos felizes e se vão mal, ficamos tristes. Mas, para que serve a fé se reagimos como todos os outros?”.
Logo se entende que para a comunidade de Nairóbi, o ataque ao shopping ainda é uma questão em aberto. Na primeira assembleia se fala sobre isso. Maggie, por exemplo, fala do seu medo. “Ia para o trabalho rezando o terço. Não podia deixar de rezar. Pensava no horror do terrorismo. A mesma coisa, dizia a mim mesma, poderia acontecer comigo. Mas, fiquei escandalizada ao ver que eu tinha tanto medo. Tentei controlar minha reação e me apoiar nas pessoas em vez de me apoiar em Cristo. Ele me demonstrou que pode tudo. Mas o que pode transformar o escândalo de si mesmo em reconhecimento do Mistério?”. Carrón responde: “O problema é se você encontrou ou não algo que pode resistir ao ataque terrorista. Temos uma certeza que pode suportar esse impacto? O desafio é que exatamente uma situação do gênero pode ser ocasião para crescer na certeza de Cristo”.
Padre Alfonso, pároco da paróquia São José, em Nairóbi, também fala sobre os fatos ocorridos no shopping, mas partindo do dia de jejum pela Síria. Ele, há um ano, desde que os shabab atingiram uma igreja protestante da cidade, vê seus fiéis entrarem na missa passando por detectores de metal. “Nós nos unimos, não sem uma dificuldade inicial, em oração pela paz na Síria. Rezamos uma missa e fizemos uma hora de adoração diante do Santíssimo. Minha resistência desapareceu e uma presença se revelou na densidade daquele silêncio. Não era apenas a presença sacramental, mas dizia comigo mesmo: somos uma coisa só com o Papa, os sírios e todo o mundo. E, poucos dias depois, encontramos a violência na nossa casa. O Presidente decretou três dias de luto nacional. ‘Mas, que luto?’, dissemos. Nós somos cristãos, para nós serão três dias de oração para que Cristo abrace a nós e a este país”. Joakim, responsável de CL no Quênia, voltará à questão dois dias depois, perguntando “Como nasce uma presença?” em uma situação como esta.
Uma intensidade de experiências. O italiano Enrico mora em Luanda, Angola, para onde se mudou a trabalho. Ele conta que começou a se reunir com outros dois colegas para fazer Escola de Comunidade no prédio da nunciatura. Também convida o Núncio, que algum tempo depois diz a Enrico: “Soube que há um outro grupo que se encontra para ler o mesmo livro que vocês leem”. São três portugueses de CL que se juntaram aos italianos. “O Senhor continua a nos surpreender. Nossa comunidade dobrou em um só lance”, afirma Enrico. Maria e Giacomo trabalham para a Fundação AVSI, em duas aldeias do Sudão do Sul. Ela, sorrindo, diz: “A minha ainda nem aparece no Google Maps”. Giacomo, acostumado com a vitalidade da comunidade dos universitários de CL na Itália, se vê agora do outro lado do mundo. Sozinho. Usando outras palavras ele também pergunta: como se faz para viver?
Na segunda assembleia quem começa a falar é Maria, vinda da Suíça ao Quênia: “Tenho certeza de que o Senhor está respondendo à pergunta da minha humanidade. É uma beleza inesperada. Mas a pergunta continua dramática e, por vezes, desejo uma manifestação da resposta diferente da que recebo da companhia. Isso é uma falta de fé?”. Carrón diz: “Não, é uma questão de tempo. O Senhor responde quando Ele quer. Temos certeza de que estamos em boas mãos. A certeza está no relacionamento com Ele e isso nos permite esperar que Ele responda”.
Padre Gabriel, também da Fraternidade de missionários San Carlo Borromeu, acompanha os universitários de Nairóbi. Ele estava insatisfeito com o modo como um outro amigo da comunidade guiava os universitários e reclamou. Como resposta recebeu uma proposta: “Vamos jantar com ele e falar sobre isso”. Carrón lhe diz: “Ainda bem que há alguém que não reduz o desafio. Alguém irredutível”. Padre Gabriel continua: “Nos encontramos eu, Simon e Joakim e conversamos claramente. Joakim me propôs acompanhar Simon na responsabilidade dos universitários. Não podia imaginar que nos tornaríamos amigos de verdade e tudo o que nasceria depois”. Carrón tinha visto aquilo sobre o qual ele falava, um dia antes na assembleia com os jovens. Cinquenta meninos do Movimento, capazes de perguntas e testemunhos que não têm nada a invejar das históricas comunidades italianas.
Sim, isso é o que impressiona, não só dos universitários, mas de toda a realidade do Movimento na África. Uma intensidade de experiências que derruba o preconceito de quem acha que, no fundo, longe dos locais históricos, o Movimento é mais fraco. As dificuldades são muitas. Mas a vibração pelo encontro feito é palpável. Os obstáculos? Padre Emil, de Camarões, fala de seu irmão mais novo que fugiu há alguns anos chegando à Itália pelas encostas de Lampedusa após uma viagem da esperança. Mireille, que trabalha em Yaoundé com crianças de rua, diz que é a segunda de oito filhos e foi a única entre seus irmãos que não emigrou, e acrescenta: “Se eu não tivesse encontrado CL, eu também teria deixado Camarões”.
A mosca e o elefante. Rose Busingye é coordenadora do Meeting Point International de Kampala, na Uganda, que orienta e ajuda pessoas doentes de Aids nos subúrbios da cidade. Para introduzir as três pessoas que darão seus testemunhos Rose diz: “O Movimento nos educa a olhar para o que acontece entre nós, quer dizer, a ver aquilo que o Mistério faz. Precisamos de alguém que nos diga ‘olhe aqui!’. Mas quando olhamos para a nossa vida sem os olhos da fé, uma mosca parece grande como um elefante...”. Falam Irmã Elena, Eveline e Roland. A primeira mora na nova casa de Nairóbi das Missionárias de São Carlos Borromeu (a primeira fora da Itália). Ela não fala das coisas que faz (é professora de artes), mas sobre si e sobre como o seu relacionamento com Jesus está se aprofundando pela unidade com as próprias companheiras de hábito. “Essa unidade é a coisa mais significativa que aconteceu na minha vida”, diz. Eveline é caixa em um supermercado de Abidjan, na Costa do Marfim. Ela fala de seu encontro com o Movimento e da amizade com Mireille. “No relacionamento com ela, aprendi a me amar. Nunca pensei que Cristo pudesse me amar mais do que eu mesma pudesse fazê-lo”. Roland é nigeriano, mora em Lagos e frequenta a universidade. “Estava prestes a abandonar os estudos, mas por causa da amizade com os jovens do Movimento, decidi continuar. Com eles, estou vivendo algo diferente, é a coisa mais bonita da minha vida. Eles não são mais apenas amigos, mas irmãos”, diz ele. Entre estes “irmãos” estão também os amigos do coro dos “alpinos de Kampala”. Rose faz questão de salientar: “Ele chamou de ‘irmãos’, amigos não nigerianos. Um nigeriano nunca faria isso, apenas os compatriotas podem ser ‘irmãos’: é realmente um milagre”.
À noite, o italiano Michele Faldi introduz o vídeo dos ensaios da sinfonia Moldávia, de Bedrich Smetana regido por Ferenc Fricsay. Duzentos olhos focados nos gestos do maestro que, convidando os músicos a se identificarem com a própria experiência, oferece o caminho para a execução correta da música. A maioria nunca viu o rio que atravessa Praga, no entanto a música, descrevendo-o, comove.
No final, Carrón introduz outro filme: “Nós todos desejamos que nossas comunidades se tornem como essa orquestra. O valor de cada um pode contribuir com a orquestra. Mas, para se tornar uma orquestra, para se tornar uma verdadeira comunidade, é necessário um diretor. Somente seguindo o diretor, nossas comunidades poderão tornar-se como uma orquestra”. Sobre a tela aparecem as imagens do vídeo preparado para a apresentação do livro
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón