O filme de Sorrentino triunfa no Globo de Ouro e segue para o Oscar. Não é um afresco da Doce Vida romana, mas a história da saudade de algo que se deseja sempre. E que se mantém fiel. Quase apesar de nós
Ele entrou em cena como o principal vencedor do European Film Awards, o Oscar do cinema europeu, e em seguida conquistou o Globo de Ouro. Para completar, no fim de janeiro foi indicado ao Oscar verdadeiro, o de Hollywood, como melhor filme estrangeiro. Mas, prêmios à parte, são muitos os motivos para assistir (uma ou várias vezes) A Grande Beleza, filme italiano de Paolo Sorrentino. Porém, tem um slogan que, embora tenha a finalidade de promovê-lo, o reduz.
Não se trata, como foi dito e escrito, de um filme sobre a doce vida romana dos nossos dias: é, antes de tudo, um filme sobre a crise. Aliás, se a crise econômica nada mais é do que uma crise pessoal, A Grande Beleza é um filme que, talvez com mais dramaticidade, fixa o olhar na enorme emergência humana do nosso tempo. E é curioso que os defeitos que os críticos atribuíram ao filme – com um antipatia talvez excessiva – sejam todos problemas que encontramos há bastante tempo no homem de hoje: falta de unidade, episódios desligados e sem nexo, falta de uma verdadeira história narrativa, personagens aludidos e pouco desenvolvidos, a incapacidade de que a relação com a beleza possa superar o impacto da simples sugestão e se tornar história.
A miséria da vida. A mundanidade romana, que para muitos pareceu o tema do filme, é apenas o “objetivo correlativo”, uma série de fatos e situações que servem para evocar uma condição existencial: neste caso, a figuração de uma vida reduzida a um arrastar-se mecânico. Não é uma representação do luxo, mas da miséria. Um mundo que, de si, diz: “Estamos todos à beira do desespero”, não é um mundo atormentado pela riqueza. Ao contrário, usa a riqueza para se distrair de uma vida desumana e dolorosa. Não é a mundanidade que pode se tornar uma armadilha, mas a vida. Neste mundo desambientado, confuso, estrangeiro a si mesmo, se move o protagonista, Jep Gambardella, um homem elegante e bem de vida “condenado à sensibilidade”. Escritor de um único romance escrito na juventude, O aparato humano, um livro do qual todos falam, mas do qual o filme revela apenas uma citação: “Numa luz intermitente, o amor sentou-se num canto. Tornou-se esquivo e distraído. Por essa razão, não toleramos mais a vida”. A única obra de Jep, portanto, termina com uma desilusão e uma ferida: o amor não foi fiel. Não é que não estivesse presente ou que não existisse, mas tornou-se “esquivo e distraído”: não manteve a sua promessa.
Um ponto chave. O filme não possui qualquer unidade narrativa, a não ser a presença de seu protagonista: pode-se dizer que a história do filme seja ele próprio, o evento de um homem que, algumas vezes, quando olha, vê. Porém, o filme tem um ponto chave, que é a entrada da personagem Ramona (Sabrina Ferilli), uma stripper, filha de um velho amigo de Jep: uma mulher que parece ter o talento, entre todos os personagens mostrados até agora, de ainda possuir uma capacidade de maravilhamento intacta. Ramona introduz na vida de Jep um fator novo, uma fresca imprevisibilidade de vida. Será ela que verá o pranto de Jep no funeral do filho da amiga Viola (pranto que ele mesmo se proibira), será ela, enfim, que tirará Jep do enfado pessoal para a experiência do drama e da dor real, com um olhar não apático, mas ferido.
Poucos parecem ter percebido que o título não é descritivo, mas “anunciativo”: o objeto descrito nunca aparece no filme. Em um diálogo com uma freira bastante idosa, com ares de santidade, que lhe pergunta por que, depois do romance da juventude, não escreveu mais nenhum livro, Jep responde: “Buscava a grande beleza, mas não a encontrei”. Então, a freira pergunta: “Sabe por que sempre me alimento com raízes?”. Não, por quê?”. “Porque as raízes são importantes”. Pareceria uma frase new age ruim, se a passagem seguinte não nos mostrasse o significado, ingênuo mas potente, dessa mensagem: Jep embarca (ele, que nunca deixava Roma), para a ilha onde – aos 20 anos – viveu sua primeira paixão por uma menina “de inexorável beleza”. A cenografia sugere: “O maravilhamento indefinível da primeira vez”. É um momento definitivo, no qual a vida aconteceu revelando a natureza da sua promessa. E “voltar às raízes” não significa voltar ao passado, mas recuperar aquele instante de pureza total, um retorno ao “maravilhamento indefinível” da primeira vez. O percurso de Jep será a verificação daquele pressentimento da juventude: o pedido de uma fidelidade, de uma felicidade fiel à vida. Um pedido sepultado provavelmente sob “o tagarelar e o rumor”, mas nem por isso menos verdadeiro. Pensávamos que a beleza citada no título se referisse à extraordinária beleza de Roma. Porém, descobrimos que não era essa a grande beleza que o filme anunciava: e que tudo era apenas um sinal, um indício, o sobressalto de uma beleza mais humana, “maior”, que se intui e cuja saudade se revela, e nunca aparece completamente.
Tese desmentida. Por isso, supondo uma beleza impossível de perseguir, redutível a “uma fraude”, o filme desmente a sua própria tese: qual é, realmente, o motivo do sucesso de público se não o fato de que a paixão e a saudade da beleza ainda permanecem latentes no coração do homem? Uma tese, para dizer a verdade, também ela, enfraquecida internamente: e basta, para percebermos isso, ler a tradução da música I lie (Eu minto), de David Lang, que é cantada na primeira e belíssima cena do filme por um coro de mulheres, na fonte de Gianicolo: “Sim, ele está perto, a noite é feita de muitas horas / e cada uma é mais triste do que a anterior. / Somente uma é feliz: quando meu amado chega. / Alguém chegou, alguém está batendo, / alguém chama o meu nome. / Corro para fora, descalço: sim, chegou” , como que testemunhando que a beleza não está morta e que a espera não acabou.
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