Dom Bernardo Bonowitz mostra que a mística monástica pode ser incorporada na vida diária de todos aqueles que buscam um sentido na vida
São Bento coloca como única condição para a recepção de um candidato no mosteiro o fato de que ele “busque verdadeiramente a Deus”. Também em nosso dia a dia, o desejo de uma maior intimidade com Ele pode se dar através do caminho da espiritualidade monástica, proposta do livro “Buscando Verdadeiramente a Deus”, de Dom Bernardo Bonowitz, abade do Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo, de Campo do Tenente, Paraná. A cada capítulo é apresentado algum aspecto dessa espiritualidade, mostrando que a vivência da fé é semelhante para todos aqueles que buscam um sentido. Segundo Dom Bernardo, “a espiritualidade monástica tem sido alvo de grande interesse da Igreja nos últimos anos. Todo tipo de pessoas tem descoberto que em vez de se tratar de um estilo de vida exótico, radicalmente diferente daquele dos cristãos ordinários e voltado para um número pequeno de pessoas, o jeito de ser monástico é muito próximo do cristão comum e suas práticas são facilmente incorporadas na vida diária de todos aqueles que buscam a Deus”.
A partir de sua experiência como abade, Dom Bernardo vai descrevendo os pilares dessa espiritualidade. Os primeiros capítulos – Silêncio e Oração – nos colocam em sintonia com a “escuta” da voz sem palavras de Deus e os instrumentos para que silenciemos a nossa “orquestra” interior: suportar os assaltos do próprio barulho sem deixar de lado o desejo de ouvir a Deus. A oração – privada ou comunitária – nasce pelo contato com a Palavra de Deus que comunica sua própria vida aos seres humanos. A oração não é nada mais do que a livre acolhida desta vida divina e de suas consequências transformadoras nas profundezas da pessoa a quem Deus fala nos diferentes tipos de oração monástica: o Ofício Divino, a meditação das Escrituras na Lectio Divina, e na oração pessoal. Citando o arcebispo Anthony Bloom, autor ordodoxo russo, Dom Bernardo lembra que é importante aceitar que às vezes Deus pode nos deixar esperando e “não dar as caras”. Estaremos lá no momento da oração, mas Ele optará por estar ausente. “E este é um dos mais belos e autênticos aspectos da oração, que é um encontro de duas pessoas livres: Deus e nós mesmos. Assim como nós somos obrigados a comparecer diante de Deus na oração, Ele é livre para ir e vir como quiser. Essa é a santidade e a soberania divinas. Mais maravilhoso ainda, então, quando Ele escolher vir e falar ao nosso coração. Aquilo que o Senhor diz em tais momentos é inesquecível, é vida e luz e remédio e alimento (...) e os efeitos daquilo que Ele diz não terminam com o final do momento da oração. Eles nos sustentam e nos alegram nas ocupações e na complexidade da vida diária. Pouco a pouco, transformam tudo em paz”.
Um problema de conhecimento. Quando o Papa Bento XVI lançou sua encíclica “O amor na verdade” (Caritas in veritate), foi muito criticado, pois se dizia que ele queria enquadrar o amor numa concepção única de verdade – coisa impensável para nossa cultura relativista. A referência à verdade, nos títulos da encíclica e no livro, não tem a intenção de enquadrar o que quer que seja, mas nos alertar quanto aos perigos de um caminho enganador, que não leva àquele ponto ao qual desejávamos chegar quando iniciamos a caminhada.
No capítulo sobre a Ascese, Dom Bernardo fala sobre o desejo e a sua importância na vida do monge e do cristão em geral. Este é o elemento dinâmico de nossa jornada a Deus; é a energia que nos põe em marcha. Os Padres da Igreja ensinavam que originalmente o desejo do ser humano era completamente unificado: desejava Deus. Entre as consequências negativas do pecado original está a fragmentação do desejo. “E o resultado é que não desejamos nada com todo o nosso coração e com toda a nossa alma”. Dom Bernardo propõe um método para restaurar a unidade de todos os cacos de nosso desejo: o desapego. “Define-se a ascese como a batalha concreta pela reunificação do desejo. É a implementação diária da teoria do desapego”.
No capítulo sobre o Autoconhecimento, Dom Bernardo fala sobre os “logismoi”, termo grego que pode ser definido como “pensamentos carregados de paixões” ou “tentações” e que nos são apresentados na tradição católica sob a forma dos “pecados capitais”. Os “logismoi” estão em nosso interior, mas também são “a atmosfera mesma do mundo”, representam a nossa cultura secular dominante. A questão moral não vem apresentada como uma questão normativa, mas como um problema de conhecimento e de reconhecimento da própria natureza. Poderíamos dizer que, assim como a fé é um problema de conhecimento de Deus – e a adesão é tão mais fácil quanto mais justo é este conhecimento – também a moral é uma questão de autoconhecimento de nós mesmos – e a conduta moral é tão mais fácil quanto mais nos conhecemos. Ainda que fé e conduta moral sempre sejam partes de uma permanente luta interior. Em nossa sociedade, muitas vezes a natureza humana parece ter que estar a serviço da norma moral – e não a norma moral a serviço do crescimento da natureza humana. Para nós, como para os judeus do tempo de Jesus, ainda é difícil aceitar que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado.
Na segunda parte do livro “Como se faz um Monge” conhecemos um pouco mais sobre o nascimento da vocação monástica, o permanecer no mosteiro, a primeira grande crise e seu apaziguamento, e por fim a visão da morte, que nas palavras de Dom Bernardo, é o encontro definitivo com Ele.
“Buscando Verdadeiramente a Deus”
Dom Bernardo Bonowitz
Ed. Mensageiro de Santo Antônio
Sobre o autor:
Dom Bernardo nasceu em Nova Iorque (EUA), primogênito de uma família judia. Formou-se em letras clássicas em 1970 e aos 19 anos converteu-se ao catolicismo, sendo batizado na Abadia Trapista de São José, em Massachusetts. Em 1973 ingressou na companhia de Jesus e foi ordenado sacerdote em 1979. Fez estudos na Alemanha para doutorado em teologia mística. Em 1982 ingressou na Ordem Cisterciense da Estrita Observância (trapistas) em Spencer, mesmo mosteiro onde fora batizado. Professou seus votos solenes em 1986 e, no mesmo ano, foi nomeado mestre de noviços. Exerceu esta função até 1996 quando foi eleito prior do Mosteiro Nossa Senhora do Novo Mundo, em Campo do Tenente, Paraná, vindo a ser o primeiro abade desta comunidade em novembro de 2008.
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