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Passos N.156, Março 2014

DESTAQUE

Teologia da verdadeira libertação

Entrevista com Dom Filippo Santoro - por Stefano Filippi

Populista e pauperista. Depois da publicação da Evangelii Gaudium, reaparecem as acusações ao Santo Padre. Dom FILIPPO SANTORO, arcebispo de Taranto (Itália), explica de onde nasce a predileção pelos pobres por parte do Papa Francisco. E por que essa sensibilidade eclesial nascida na América do Sul não se refere só a quem tem pouco dinheiro


Uma Igreja pobre para os pobres. As periferias existenciais. O risco da idolatria e da mundanidade espiritual. Palavras que aprendemos a conhecer com o Papa Francisco, o pontífice que veio “lá do fim do mundo”. Há quem conecte esse lado do magistério à Teologia da Libertação, que nas décadas de 1980 e 1990 elaborou, com categorias marxistas ou, pelo menos, de tipo sócio-analítico, a “opção preferencial pelos pobres” presente no anúncio evangélico. Depois da publicação da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, teólogos americanos rotularam Bergoglio como marxista. Alguns, mais simplesmente, o tacharam de pauperista.
Por que o Papa insiste em querer uma Igreja pobre e próxima dos pobres? Como a vida vivida na América Latina influencia o estilo do Papa? E o que foi, de fato, a Teologia da libertação? Quem responde é Dom Filippo Santoro, que de 1984 a 2012 foi missionário no Brasil, primeiro como professor universitário no Rio de Janeiro, depois como Bispo auxiliar na cidade e em seguida Bispo de Petrópolis, tendo retornado à Itália para assumir a arquidiocese de Taranto. Ele colaborou com o cardeal Bergoglio quando o então arcebispo de Buenos Aires foi um dos protagonistas da Conferência dos bispos latino-americanos em Aparecida, em 2007.

O que significa essa preferência pelos pobres?
Na Evangelii Gaudium, o Papa Francisco diz: “Para a Igreja, a opção pelos pobres é uma categoria teológica, antes que cultural, sociológica, política ou filosófica”. E em seguida cita o beato João Paulo II e Bento XVI, quando, na abertura da Conferência de Aparecida, afirmava que essa opção “está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer através da sua pobreza”. O significado central dessa opção está no fato de Deus esvaziar-se para se tornar próximo de nós e por isso ela está ligada ao tema de fundo da Exortação Apostólica, que é o anúncio da alegria que nasce da misericórdia de Cristo. “Sem a opção preferencial pelos mais pobres, o anúncio do Evangelho, que também é a primeira caridade, corre o risco de ser incompreendido ou de se afogar nesse mar de palavras a que a moderna sociedade da comunicação diariamente nos expõe”.

De onde nasce, então, essa opção?
Do coração de Deus. Não tem nada a ver com as ideologias políticas ou pauperistas. Na minha história pessoal, esse aspecto tem também outro significado. Desde o início de CL, Dom Giussani nos indicou que a caridade, como compartilhamento gratuito da necessidade, é uma das dimensões essenciais da experiência cristã. À luz dos meus 28 anos passados em missão no Brasil, o encontro com os pobres e a atenção concreta à condição deles foram, para mim, um fator essencial para o crescimento na fé e para o testemunho de Cristo. É um sinal não só de doação aos pobres, mas de uma verdadeira imitação de Cristo, que nos liberta da mundanidade espiritual, “que consiste em buscar, em lugar da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal”.

Em meses passados foi dito que o Papa reabilitava a Teologia da Libertação. Como nasceu essa corrente teológica? A quais perguntas ela procurava responder?
O cristianismo, por sua própria natureza, é um anúncio de libertação, um fato que oferece aos homens a proximidade de Deus nas grandes questões da vida e nas circunstâncias quotidianas, marcadas por muitas feridas: a dor, a fome, a pobreza, a injustiça, a morte. Nesse drama intervém um anúncio: através de um encontro humano, o Senhor se oferece como companheiro de caminhada e progressivamente se revela como mestre e salvador. Na América Latina, e em outras partes do mundo, é duríssimo o impacto com a miséria extrema, a exploração, a opressão. Tudo isso é uma provocação à fé. Quem encontrou o Senhor e ouviu o seu anúncio se sente provocado por essa circunstância.

Mas houve aspectos críticos contestados pela Congregação para a Doutrina da Fé.
O aspecto crítico, que com o tempo e especialmente com a Conferência de Aparecida foi iluminado, refere-se à forma como responder, refere-se ao método. Isto é, se a fé tem o primado no modo de enfrentar a realidade, se ela faz a pessoa entrar no real com originalidade e com o coração, ou se é reduzida a uma suposição inicial óbvia, mas não eficaz, de se mudar a situação. Muitos se jogaram diretamente nessa defesa dos marginalizados, e também a reflexão teológica voltou-se toda para os pobres e para a superação das injustiças, considerando como pacífico e óbvio o pressuposto da fé. A urgência muitas vezes estava na organização social e na ação política para se mudar a situação.

Podemos dizer que era uma fé abstrata, professada mas não eficaz, que não se tornava fator de presença?
A fé no Deus revelado é o princípio primeiro, do contrário não se poderia nem falar de Teologia. Mas ocorreu que ela não era considerada um princípio operante, como escreveu Clodovis Boff num famoso artigo. Isso determinou uma ambiguidade. Foi justamente a Conferência de Aparecida que, sem negligenciar a opção preferencial pelos pobres, disse uma palavra clara sobre essa orientação ambígua.

O senhor colaborou com o cardeal Bergoglio, que presidia a comissão de redação do documento final.
Aparecida partiu da experiência da fé, do hino de louvor à Santíssima Trindade, e esse foi um aspecto explicitamente sugerido por Bergoglio em sua intervenção na Conferência. O ponto de partida por ele sublinhado foi e é a adoração da Trindade; isso nos faz ver a realidade, nos dá a perspectiva a partir da qual devemos olhá-la. É isso que, como Papa, ele repetiu na viagem para a Jornada Mundial da Juventude.

Nessa ocasião, ele também pediu aos jovens que fossem testemunhas presentes lá onde as pessoas vivem. É esse, no fundo, o apelo do Papa?
Aos três milhões de jovens presentes em Copacabana, justamente no lugar onde trabalhei como sacerdote e como Bispo auxiliar, ele disse: saiam sem medo para servir, para curar as feridas e aquecer os corações. Repetiu isso também na entrevista a Civiltà Cattolica. É preciso prestar atenção ao carisma que nos conduz neste momento, porque o Espírito se serve dos pontos de referência que ele nos oferece. Papa Francisco é mesmo um dom extraordinário para a Igreja, é a graça de Pedro para os homens do nosso tempo.

APROFUNDAMENTOS
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A opção pelos pobres e os desvios marxistas

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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