Em 1841, Solomon Northup, violinista negro que vive tranquilamente no Norte dos Estados Unidos, é raptado e vendido como escravo a fazendeiros do Sul, onde permanecerá por 12 anos… A terrível realidade da escravidão é vista através dos olhos de quem, mesmo tendo a mesma cor da pele dos seus companheiros, tinha nascido livre e voltará a ser livre, mesmo depois de anos de sofrimentos. O britânico Steve McQueen, com excepcional eficácia, coloca seu talento de diretor a serviço de uma história verdadeira (a produção de “12 anos de escravidão” é baseada no livro de memórias que Solomon escreveu após sua terrível experiência), extraordinária no seu desenvolvimento, mas infeliz e terrivelmente "normal" numa época em que a propriedade do homem pelo homem era um sistema econômico aceito e justificado. Por isso a película mereceu o almejado prêmio de melhor filme no Oscar 2014. Venceu também nas categorias de melhor roteiro adaptado e melhor atriz coadjuvante (Lupita Nyong'o), e já havia vencido outros numerosos prêmios como o Globo de Ouro e o Festival de Toronto. O filme consegue transmitir o sentido de um mundo cujo valor de um homem pode ser reduzido àquele do algodão que consegue recolher, enquanto a violência se torna a norma, sobretudo na sua forma mais sutil, mas não menos terrível, que é a destruição da esperança.
Solomon (que deixa no Norte, de onde vem, uma mulher, dois filhos e um respeitável trabalho como violinista) em primeiro lugar é despojado das suas roupas, depois do seu nome e da sua identidade, até encontrar-se reduzido a uma mercadoria a ser exibida, comprada, trocada e eventualmente destruída. O seu grito, diante de quem lhe sugere se calar e suportar em silêncio se desejar sobreviver, é aquele de um homem que não aceita esta redução (“Eu quero viver, não sobreviver”) e a luta dele é para manter a própria dignidade e integridade, mesmo nas piores situações. Solomon (renomeado pelo seu vendedor como Platt Hamilton) primeiro é comprado por um proprietário “gentil”, que tem apreço por ele e até cultiva suas capacidades artísticas (lhe dá de presente um violino), mas de todo modo é alguém que o olha como um escravo dotado que nunca será nada além de um animal de estimação. Problemas econômicos obrigam o primeiro patrão a cedê-lo ao brutal Edwinn Epps, um homem que justifica o próprio domínio com uma versão pessoal das Escrituras e tem uma relação perversa com uma escrava muito jovem, Patsey, que é ao mesmo tempo objeto do desejo e da máxima violência do patrão.
McQueen não deixa de explorar a brutalidade amplamente documentada dos regimes escravagistas, mas tem êxito na dificílima tarefa de evitar uma exploração exagerada da violência. No entanto, 12 anos de escravidão é um filme muito duro, que requer um público maduro, seja pela violência que contém, e mais ainda pela tensão psicológica que impõe ao espectador, preso na visão de Solomon, à mercê da vontade de homens frequentemente cruéis e, mesmo quando gentis, sempre seus patrões.
O sistema escravagista no qual o protagonista cai, reduz os escravos a propriedade, mas do mesmo modo transforma profundamente os proprietários, que no melhor dos casos desviam o olhar diante da violência, mas normalmente acabam se transformando em monstros. Uma espécie de violência dialética servo-patrão que McQueen considera evidentemente imprescindível deste sistema.
Contudo, diante deste abismo de mal e injustiça, o filme ainda consegue transmitir de um modo límpido a fé dos escravos negros, expressa de modo comovente nos cantos entoados por eles, e o valor profundo da esperança.
Se o nome de Deus e a Bíblia são citados impropriamente diversas vezes pelos patrões para justificar o abuso do homem sobre o homem, ao invés, é justamente o olhar de Deus que torna todos os homens iguais, sejam brancos ou negros. Uma verdade universal que Bass, o homem que finalmente permitirá a Solomon de recuperar o próprio nome e a própria liberdade, recorda como inscrita no fundo do coração de todo homem.
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