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Passos N.156, Março 2014

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Cartas

“AGORA MEU PAI TORNOU-SE MEU AMIGO”
Uma das minhas maiores dores desde a infância foi a falta de um pai, porque o meu era alcoólatra. Antes de encontrar a amizade cristã, para mim meu pai não era nada. Era melhor censurar essa dor. Todavia, depois de ter encontrado este abraço, era impossível estar diante dele e fazer de conta que não significava nada. Se havia pessoas tão apaixonadas pela minha vida, como eu poderia não começar a fazer o mesmo? Foi um caminho no qual fui acompanhado por alguns pais que Deus me deu, que despertaram em mim o desejo de me reconciliar com meu pai. A primeira pergunta que nasceu, foi: “Que valor tem meu pai, se ele nunca esteve comigo?”. No ano passado, ele estava morrendo em um hospital. Um dia, depois de ter ido visitá-lo, fui almoçar com minha mãe e meus irmãos. Nós discutimos e eles ficaram irritados comigo porque eu dizia que meu pai tinha um desejo de felicidade tão grande, que nem o amor de minha mãe ou o dos filhos seria capaz de satisfazer. Reconhecia que o seu desejo de felicidade era infinito como o meu, mas que, no entanto, havia uma diferença: eu encontrei aquilo que preenche totalmente esse desejo, enquanto ele, não. Naquele dia, percebi que sentia uma grande simpatia em relação a meu pai. Agora, que sua saúde melhorou, posso ir visitá-lo. Desejo oferecer-lhe a minha amizade, porque a partir dela posso ser alcançado por esse abraço que envolve tudo, também ele, com todos os erros que possa ter cometido. Diante dessa dor, cresceu em mim a capacidade de olhar para ele com a certeza de um bem. “Alguém pensou em mim antes mesmo de eu existir no ventre de minha mãe”. Meu pai não foi escolhido pelo acaso, mas por Alguém que me ama. Olhando para o meu futuro, percebo algo de novo. Não sei o que vai acontecer, mas me impressiona o fato de não ter medo do exame para o vestibular. Por quê? Exatamente pela certeza de que, através da Sua companhia, Seu abraço me acompanha e me sustenta no caminho.
Camilo, Santiago (Chile)

É PRECISO VIVER ASSIM, TODOS OS DIAS
Voltei à Colômbia depois de dois anos na Itália, com um fogo no coração que só pode ser explicado pela experiência que vivi com os amigos italianos. Voltei com o desafio de ser capaz de transmiti-la na minha cidade, na minha família. Durante o primeiro mês procurei, aqui em Cali, uma menina que participa do Movimento da Colômbia há dez anos. Encontramo-nos com outro amigo e começamos a fazer Escola de Comunidade no salão do meu condomínio. Tentei explicar à minha família, com palavras (e, também, vivendo) o que é o Movimento, o que estávamos começando a fazer. Infelizmente, por causa de experiências e relacionamentos difíceis vividos no passado, meus familiares não acreditavam. Houve, inclusive, discussões nas quais me aconselhavam a ter cuidado, não queriam que outras pessoas me fizessem mal. Tudo permaneceu o mesmo, continuamos a fazer Escola de Comunidade. Soube através dos amigos de Bogotá que as férias do Movimento seriam em janeiro; porém, por questões financeiras, eu não podia ir. Além disso, minha família não concordava muito, porque para chegar ao lugar, era preciso viajar dez horas de ônibus e, aqui, a segurança não é a mesma da Itália. Telefonei para padre Marco, responsável do Movimento na Colômbia, para dizer que eu não podia ir, mas ele respondeu: “O dinheiro não é problema, você precisa ir e conhecer a comunidade. Você pode devolver o dinheiro quando começar a trabalhar”. Depois, descobri que Juanse, um amigo de Bogotá que conheci no Meeting, estava em Cali com sua mulher Mariala para as férias de Natal, e poderiam me levar às férias de carro. Fiz a viagem com Juanse, Mariala, seu filho Gabry e outra amiga, Lizeth: parecia que já eram meus amigos há muito tempo. Nas férias, vivi uma experiência fantástica. De fato, para a pergunta “Como viver?”, a resposta, para mim, era: “É preciso viver assim todos os dias”. Como Dom Giussani. Como aquilo que vivi na Itália, que é idêntico aqui na Colômbia. Conheci pessoas maravilhosas, cantamos, jogamos, participamos da missa. Encontrei uma família de amigos. Era como se nos conhecêssemos a vida inteira. Depois das férias, todos me ofereceram ajuda para procurar emprego. Fiquei em Bogotá três dias a mais, porque Juanse e Mariala me hospedaram. Finalmente, entendi que essa amizade não muda, é a mesma, mesmo que eu esteja do outro lado do mundo. Porque é o rosto de Jesus presente. Contei à minha família o que aconteceu e falei sobre as pessoas maravilhosas que conheci. Eles se deram conta da generosidade e do amor desses amigos, da sua preocupação em me ajudar na busca de emprego. Aconteceu o milagre maior: minha família, agora, está tranquila, confiam mais naquilo que estou vivendo e nas pessoas que estou encontrando. Quero continuar e peço para viver assim sempre, em cada particular, em cada relacionamento, em cada circunstância. Aquilo que durante o primeiro mês tentava fazer as pessoas entenderem através de palavras, da minha vida, Ele fez com que entendessem através dessas férias e desses amigos.
Maria Alexandra, Cali (Colômbia)

SE O DOM MAIS BELO ESTÁ FORA DOS ESQUEMAS
Caro padre Julián, num domingo, assistia ao Angelus na TV com Maddi, minha filha de quatro anos. O papa rezou uma Ave Maria pela população das Filipinas atingidas pelo tufão, e ela me pediu explicações. Assim, nasceu em mim o desejo de propor na escola maternal em que ela estuda um gesto simples de coleta de fundos para enviar através da AVSI. Estava animada por um desejo de ser educada, para que a realidade não me fosse indiferente. Era, portanto, um problema, antes de mais nada, da minha humanidade. Por isso, podia propô-lo a minha filha e à sua escola. Ao mesmo tempo, entendia que aquela pergunta nascia da presença do Senhor em minha vida, do desejo de verificar se aquela Presença que tinha me surpreendido desse modo, e que entendia que estava me chamando naquele momento, seria “leal”. A resposta das professoras foi surpreendente: na sede do Colégio, decidiram que aquele se tornaria o gesto do Natal, mudando todos os planos que tinham em mente, porque o consideravam uma grande ocasião, de um lado educativa, para fazer experiência da beleza de doar, de outro para que se pudesse criar uma rede de amizade entre as famílias. As professoras viam em uma experiência do gênero uma possibilidade de unidade entre as famílias, independente do credo religioso e da cultura. Disseram-me que estavam impressionadas porque, em todos esses anos, os pais nunca tinham feito uma proposta assim à escola. Concretamente, montamos uma feira beneficente com trabalhos feitos pelas crianças e o dinheiro arrecadado foi enviado para a AVSI. Nessa iniciativa, que chamamos “O dom mais belo”, aconteceram coisas grandes: pais que deram seu tempo gratuitamente para nos ajudar, a paixão das professoras e das crianças, que entenderam a importância daquilo que faziam. A soma arrecadada foi alta. Fiquei impressionada com a amizade que nasceu com aquelas que mais nos ajudaram: entre elas, uma mãe que se diz ateia, que nos contou sua história de busca de significado e que se desgastou demais com isso. Depois, foi apaixonante, nas várias circunstâncias que aconteciam, tentar dar um juízo juntas, em um confronto às vezes até muito crítico, mas bonito, porque nascia de uma estima recíproca. Houve, ainda, outro fato: uma senhora escreveu um e-mail muito polêmico à diretora por causa da escolha da AVSI e pedia que o dinheiro fosse entregue a uma associação laica. Esta foi uma ocasião para julgar mais profundamente o sentido da experiência feita: propusemos àquela senhora que viesse trabalhar conosco. Tivemos a tentação de responder dialeticamente, talvez fornecendo até argumentos justos, mas no fundo entendemos que isso não era interessante porque não fomos tratadas assim pelo Mistério. Desse modo, foi possível um diálogo verdadeiro com essa senhora, porque reconhecemos nela um coração vivo e, portanto, uma positividade de fundo, independente de estarmos de acordo ou não com aquilo que ela dizia. Assim, decidimos dar uma pequena parte do dinheiro arrecadado a uma associação sugerida por ela que, no fim, um pouco surpresa, colaborou conosco ajudando-nos a escrever o cartaz conclusivo da iniciativa e colocando-se à disposição para iniciativas futuras. O Papa realmente tem razão quando diz para “sairmos” dos nossos esquemas e irmos de encontro aos outros: com Ele, acontecem grandes coisas.
Giuditta


A BUSCA POR TRABALHO? UMA OCASIÃO INESPERADA...
Publicamos a carta que um amigo escreveu para Alberto, responsável por uma obra social que ajuda pessoas com mais de 40 anos a procurar trabalho.
Caro Alberto, agradeço por ter reencontrado você e outros amigos seus. Em particular, a ocasião de conhecer Carlo e a amizade que nasceu entre nós. Estou sem trabalho. Na verdade, ainda sou funcionário com contrato de solidariedade, não cumpro nenhuma carga horária. Ainda não foi decidido como o pessoal inativo será aproveitado depois desse período. Desde outubro, de modo inesperado, pude desfrutar de dois encontros e propor-me como consultor junto com outros dois profissionais. Carlo me colocou em contato com um fabricante de produtos semiacabados que está interessado em iniciar um projeto para ampliar sua oferta de produto. No todo, esses são sinais positivos e reflexo de uma Presença boa para mim, que me dá uma hipótese a ser verificada. A Presença boa que me faz ir em frente nessa história e faz com que eu não caia no desânimo e nos pensamentos ruins é que posso dizer – agora – que o meu valor não depende do trabalho. Entendo isso pelos fatos relacionados à busca de um novo emprego, mas em particular pela atenção de algumas pessoas, amigos daqui, como você e o Carlo. A perda de trabalho e a situação de incerteza é o modo que Deus escolheu para me fazer perceber que se me confio a Ele, sou livre. Normalmente, pedia que Ele se fizesse presente no trabalho que precisava fazer: devo dizer que Ele levou a sério o meu desejo. A pergunta que alguém me fez: “Por que exatamente você foi dispensado?”, me fez suspeitar que tivesse sido abandonado. Porém, agora posso dizer que não é assim. O futuro continuará a ser outra ocasião para encontrá-Lo. Tocou-me uma coisa que um padre da nossa cidade disse em uma homilia: “Nossa Senhora simplesmente acatou aquilo que Deus lhe pediu para fazer: cuidar de Jesus e até ficar diante da cruz”.
Giorgio

UMA COMPANHIA CERTA PARA O CAMINHO
“Tudo posso Naquele que me fortalece”. Esse foi o primeiro versículo que me veio à mente assim que percebi que havia alteração na mamografia, e descansei no Senhor. Quando levei o laudo para o mastologista, ele confirmou que havia um nódulo e precisaria retirá-lo para biópsia. Imediatamente concordei e fizemos a cirurgia. No aguardo do resultado só me vinha o pensamento: “câncer, cirurgia, quimioterapia, vida, morte, nada vai me separar do amor de Cristo”. Sem nenhuma preocupação da minha parte, fizemos a mastectomia radical e iniciamos o tratamento quimioterápico. Não foi fácil, pois Ele não nos poupa na nossa humanidade, mas com certeza é Ele quem nos fortalece nas tribulações. Hoje, após um ano e reiniciando novos exames para acompanhamento, posso dizer com certeza que a Sua Companhia é essencial para o caminho, para a vida, pois, sem Ele nada sou, nada podemos fazer. Na alegria do caminho percorrido e certa que este é o caminho rumo ao destino, fico grata a todos que me fizeram companhia nesse árduo percurso e me confirmaram a Presença amorosa que habita no meio de nós.
Maria Aparecida, São Lourenço (MG)


“SUA HUMANIDADE ERA A MESMA QUE EU BUSCAVA”
Quando, no ano passado, as condições de saúde do nosso amigo Dionino pioraram, pediram-me se eu podia ajudar como médica. A proposta podia parecer simples, mas foi um trabalho muito duro do ponto de vista físico. Para ir visitá-lo, eram necessárias duas horas para ir e duas para voltar. Eu não conhecia muito Dionino. A primeira vez que entrei em sua casa, me deparei com um homem no leito de morte; mas ele mantinha toda a sua dignidade de homem. No início, não foi simples, porque Dionino continuava me fazendo uma série de perguntas, tanto no âmbito médico quanto pessoal. Eu precisava responder honestamente. Muitas vezes, preferia ir embora ou me esconder. Assim, essa simples conversa semanal me obrigou a fazer um trabalho verdadeiro. Entendi que, para estar diante dele, primeiro eu precisava ser séria e honesta comigo mesma. Não podia fugir, não podia dizer-lhe meias verdades. Dionino precisava de lealdade e sinceridade. Assim, enquanto sua doença avançava e ele se preparava para ver Jesus, eu caminhei com ele. E, acompanhando-o, reencontrei a mim mesma. Dei-me conta de que não podia parar de olhar para ele, porque a sua humanidade era a mesma que eu desejava e buscava. Dionino, através da sua experiência, ajudou a despertar em mim o desejo de estar viva, de ser humana e verdadeira comigo mesma. Esse grande afeto recíproco tornou-se uma verdadeira familiaridade, porque compartilhamos a mesma tensão em direção ao Destino. O afeto se estendeu aos outros Memores da sua casa e, por consequência, renasceu um relacionamento com meu namorado e com os outros amigos. A intuição inicial de um bem para mim transformou-se em um trabalho pessoal nascido do olhar a um homem que viveu de modo humano o seu encontro com Jesus. E o trabalho pessoal tornou-se um juízo sólido, também pressionado por sua morte. É verdade que, acompanhando alguém à morte, há a possibilidade de olhar novamente para a vida. Agora, na luta cotidiana, é fácil ficarmos paralisados. Mas o que tornou este último ano extraordinário não foram as circunstâncias difíceis e dramáticas, mas o fato de que aprendi a amar mais Jesus seguindo um homem que queria ir abraçá-Lo. Assim, aprendi a amar a mim mesma, a minha humanidade e tudo aquilo que me circunda.
Giulia, Londres (Grã Bretanha)


CONSTRUTORES DE CATEDRAIS NA PRISÃO
Agradeço a Silvio e a seus amigos, que vêm me visitar regularmente. Trazem-nos Passos e, para mim, é um grande prazer lê-la. Durante a missa de hoje assistimos ao Batismo de dois companheiros de prisão que passam suas horas de sol fazendo um curso sobre a Bíblia comigo. O que desejo a mim e a eles é que, depois que formos soltos, possamos continuar fiéis àquilo que encontramos em nossas almas e dentro do nosso coração através de Jesus. Precisamos ser como os operários que constroem a catedral: exaustos, mas cheios de alegria por sua colaboração na construção do templo de Deus. Rezo sinceramente para que, quando estiver livre, possa continuar trabalhando na obra que é o meu relacionamento com Deus. Em um lugar como este, onde vivo há mais de quatro anos, há sempre a tentação de se refugiar dentro da raiva. Eu, porém, agradeço ao Senhor por carregar-me nos braços durante o tempo que ainda me resta cumprir. E, graças a vocês, apesar da solidão entre esses muros, eu não me sinto só.
Laurent, penitenciária de Fleury Mérogis, Paris (França)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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