Por enquanto, os lampejos da guerra em Gaza foram apagados. Mas as perguntas permanecem: há uma saída para o conflito? E o que os cristãos podem fazer? Colocamos estas questões para PIERBATTISTA PIZZABALLA, Custodie da Terra Santa, que respondeu partindo do realismo de Bento XVI
Faz pouco tempo que se apagaram os relâmpagos da guerra em Gaza e em Israel, mas as questões de fundo continuam de pé, em toda a sua dramaticidade. Como escapar da escuridão da violência e do ódio, dos vetos cruzados dos governos? Neste difícil momento de transição, qual o papel que cabe aos cristãos que vivem na região?
O franciscano Pierbattista Pizzaballa, um italiano de 44 anos que, em 2004, foi nomeado Guardião da Terra Santa, observou de Jerusalém os acontecimentos das últimas semanas, e mantém viva a esperança de paz. Ao mesmo tempo, sublinha o realismo e a racionalidade das palavras de Bento XVI.
Mesmo nesta fase do “pós-guerra” parece que assistimos a um diálogo de surdos. Aliás, a situação é tão complicada que ninguém presume ter em mãos a fórmula mágica para resolver a crise. Quais são as condições indispensáveis para se construir uma paz duradoura?
A primeira condição é pôr fim a todos os tipos de violência, tanto dos exércitos quanto das milícias. Se as armas não se calarem, qualquer negociação estará fadada ao fracasso. E é preciso dialogar, reconhecer a legitimidade dos respectivos interlocutores. Nesse sentido, é fundamental o papel dos mediadores e da diplomacia. No mundo árabe, o Egito desempenha um papel-chave, pela credibilidade que lhe é atribuída nessa área. No Ocidente, serão importantes os primeiros movimentos da nova administração norte-americana, que sempre teve muita influência em Israel, enquanto que a Europa pode exercer a sua mediação sobretudo em relação aos palestinos, mas deve ter a capacidade de caminhar numa direção unívoca e não dispersiva, como ocorre com frequência. Enfim, há a ONU, pela sua autoridade super partes, mas que nessa área perdeu credibilidade. O trabalho das diplomacias, de qualquer modo, é condição necessária mas não suficiente. Para construir a paz duradoura precisamos de mais.
Do quê?
Nestes anos produziram-se feridas profundas; precisamos encarar os fortes ressentimentos que se solidificaram com o tempo. Os esforços da política devem ser apoiados por um trabalho no nível das sociedades civis, pelo desenvolvimento de uma mentalidade nova, no que as agências educacionais e os meios de comunicação exercem um papel determinante. A grande maioria dos israelenses e dos palestinos está cansada da violência, da precariedade em que vivem o presente e das incertezas quanto ao futuro. Cresce o desejo de paz, mas os governantes até agora não foram capazes de dar respostas sólidas e duradouras a esse anseio.
Bento XVI interveio várias vezes, pedindo uma ação multilateral tendo em vista o que definiu como a “difícil mas indispensável reconciliação”. E pede que imploremos incessantemente o dom da paz. Quanto de realismo há nessa posição?
Se olharmos para o que aconteceu nas últimas semanas, é evidente que a lógica da vingança tem fôlego curto e torna as coisas ainda mais difíceis. Precisamos de algo profundo, que resulte da disposição de abraçar uma lógica maior do que a humana, e a oração nos educa para isso. Orar pela paz não é sinal de conformismo, ao contrário: nasce do desejo de mudança, porque age nas profundezas do espírito humano, e ao mesmo tempo reconhece que ela só pode vir de um Outro, que é capaz de mover os corações dos homens. Um Outro presente e protagonista da história, que nos torne capazes de conviver com o diferente. À luz de tudo isso, é cada vez mais evidente que a posição de Bento XVI está calcada num realismo autêntico, porque leva em conta todos os fatores em jogo – a partir do necessário engajamento dos governos internacionais e do enfrentamento dos nós que permanecem há tempo sem solução na mesa de negociação –, inclusive no nível de cada pessoa.
Que repercussão tiveram, na Terra Santa, os pronunciamentos do Papa? E que papel podem desempenhar os cristãos, que na área parecem vasos de barro entre vasos de ferro?
A Igreja universal, e em especial a palavra do Santo Padre, é muito respeitada no Oriente Médio e goza de grande prestígio. Há um reconhecimento quase que unânime de que a atitude da Santa Sé e a sua ação diplomática movem-se por um sincero desejo de ajudar na pacificação da área e na reconciliação dos espíritos. Aqui na Terra Santa os cristãos são uma presença cada vez menos consistente e muito “marcada” etnicamente, pois é constituída quase que inteiramente por palestinos. Claro, isso não significa que eles não têm influência. Ao contrário, podem desempenhar um papel importante.
Como seria esse papel?
Antes de tudo, na decisão de ficar aqui, como semente de vida nova, encarnando a lógica do Evangelho: uma lógica que não exclui ninguém, mas considera o outro parte de um único projeto de salvação. Com sua atitude, os cristãos testemunham que é preciso sempre considerar a pessoa humana como um sujeito que não pode ser subjugado por qualquer esquema ou projeto político. E isso se manifesta em particular nas numerosas obras de caridade e de educação promovidas pela Igreja católica ou por outras confissões cristãs. As escolas administradas pela Custódia da Terra Santa e por várias congregações religiosas gozam de um prestígio que se consolidou depois de séculos de atividades e dos resultados conseguidos pelos alunos no nível cultural e profissional. Elas são frequentadas por milhares de muçulmanos e constituem um importante laboratório de convivência, que propõe e testemunha valores decisivos num contexto como o do Oriente Médio: o valor irredutível da pessoa em todas as suas dimensões, a liberdade, os direitos humanos, a dignidade da mulher, o respeito ao outro, o repúdio à violência. Tudo isso deixa um traço indelével nas mentes e nos corações dos jovens que as frequentam, e contribui para criar e difundir uma mentalidade nova. Claro, nada é automático: não construímos autômatos, e a liberdade é soberana no coração de cada homem. Mas se um jovem muçulmano e um cristão crescem lado a lado durante anos, como colegas de classe, e aprendem a se conhecer e se estimar, como adultos estarão mais preparados para lutar contra os preconceitos e as desconfianças e dispostos a construir algo comum. Todos os dias, em nossas obras, eles frequentam a escola da convivência: é um desafio diário, que contribui para criar um terreno fértil para o crescimento de “homens novos”, o que é muito necessário.
Há pessoas que temem o desaparecimento dos cristãos no espaço de algumas décadas. A Terra Santa poderia se reduzir a um museu arqueológico do cristianismo?
As tendências demográficas testemunham que o nosso peso específico sobre o total da população, em relação a muçulmanos e judeus, continua a diminuir. E torna-se cada vez mais difícil também manter a tutela do território, há o risco crescente de que as propriedades imobiliárias dos cristãos sejam adquiridas por outros. Mas não creio que os cristãos desapareçam de todo, que cheguemos à “museificação”. É mais verossímil prever que assistiremos a uma redução progressiva da sua incidência porcentual, a uma presença que se tornará menos visível e menos qualificada, especialmente em Belém.
Muitos se perguntam: o que posso fazer pela Terra Santa? A resposta curta e grossa é “rezar e visitá-la”. Em 2008, registrou-se uma forte retomada do fluxo de peregrinações, seja da Itália quanto de outros países. Além da evidente ajuda econômica que deriva das peregrinações, o que elas representam para os cristãos que moram nos lugares onde Jesus viveu?
As peregrinações são o testemunho do afeto que a Igreja universal nutre por eles, ajudam-nos a vencer o desânimo e o sentimento de solidão (e, às vezes, de estar “sitiado”), a compreender que são parte de uma grande família. E, não raramente, levam-nos a relevar os olhares de inveja e de competição entre os cristãos locais, que ameaçam enfraquecer a consciência de unidade, o grande dom que recebemos e que somos chamados a testemunhar diante dos homens. Os encontros que os peregrinos fazem com as comunidades que vivem aqui, as colaborações que se consolidam entre dioceses, associações e movimentos, o apoio a distância de projetos educacionais e de caridade: tudo isso cria uma teia de relações e de obras que alimenta a confiança no futuro e ajuda os cristãos daqui a se sentirem parte de um desígnio providencial. É uma barreira à recorrente tentação de emigrar, combate o pessimismo e alimenta a esperança, ajudando a que nossos irmãos sejam uma realidade viva na terra onde o Mistério se deixou abraçar pelo homem.
“DOAÇÃO PARA GAZA. A AVSI faz próprio o apelo da Custodia de Terra Santa e do Patriarcado Latino para uma campanha de solidariedade em favor dos três mil cristãos de Gaza e de suas obras de caridade, que há anos são um ponto de referência importante para os mais necessitados, e um exemplo concreto de fraternidade, sem distinções religiosas. Para apoiar a iniciativa, os depósitos deverão ser identificados como “Emergência Palestina” na conta corrente da AVSI: Banco do Brasil, Agência número 3495-9, Conta: 23100-2. Para maiores informações, é possível entrar em contato com o número (71) 3555-3355 ou consultar o site www.avsi.org. |
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