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Passos N.158, Maio 2014

ÁFRICA/ TESTEMUNHOS

As mulheres de Rose

por Alessandra Stoppa
Rose dança com as mulheres do Meeting Point.
Rose dança com as mulheres do Meeting Point.

Agnes, Teddy, Ketty e Florence cresceram nas favelas, foram sequestradas pelos rebeldes e abandonadas pela família. Tinham renunciado à vida e a ajuda para conseguirem os remédios não foi suficiente para mudarem. Junto com Rose Busingye, responsável do Meeting Point de Kampala, contam como renasceu nelas a vida e seu valor

“Mesmo um valor decisivo como o da vida pode se obscurecer. Somente no encontro cristão pode ser despertado em toda a sua beleza”. Neste período, padre Julián Carrón falou muitas vezes, a todos, sobre o que aprendeu com a amiga ugandense Rose Busingye, Memor Domini e enfermeira. Ela é a responsável pelo Meeting Point de Kampala, uma pequena ONG que nasceu há mais de vinte anos para acompanhar doentes, pobres e crianças, muitas delas órfãs, que vão à escola graças a um projeto de adoção à distância. “Rose queria responder à provocação que eram as mulheres doentes de Aids, ajudando-as a conseguir os remédios”, conta Carrón. Mas, mesmo levando-lhes os remédios, elas não se tratavam. “Só anunciando Cristo, conseguiu despertar nelas a consciência do valor da vida”.

Quebrando pedras. Teddy, Agnes, Florence e Ketty estão no escritório de Rose com ela. São lindas. Teddy logo diz, descontraída: “A felicidade nos tornou jovens e bonitas!”. Todas começam a rir. Algumas vezes, enquanto falam de si, cantam: uma começa e as outras a seguem. Mas é preciso saber que “as mulheres de Rose” têm vidas duras e repletas de graças. Cresceram na miséria das favelas, foram raptadas pelos rebeldes, abandonadas por todos, e todas elas, no fim, descobriram-se portadoras do HIV. Mas este fim marcou o início. Por isso continuam dizendo “obrigada”, inclusive por poder quebrar com uma marreta as pedras nas pedreiras das colinas de Kireka. Martelam incansavelmente, debaixo do sol, até que as pedras se tornem pedregulhos que possam ser vendidos às construtoras. Ficam sentadas durante horas nas pedras, descalças, com panos coloridos na cabeça. No entorno, barracas e toldos.
Agnes tem 46 anos e um rosto redondo sorridente; ninguém diria que está doente. “Eu me sentia um nada”. Os rebeldes a mantiveram na floresta durante três anos. Quando voltou para o vilarejo, “não era mais ninguém, só uma assassina”. Quando saía de casa, as pessoas tinham medo dela, a evitavam. Então, decidiu ir para a cidade morar com uma tia que, quando descobriu que ela estava doente, instalou-a em uma barraca fora de casa, sem comida, nem remédios. Os vizinhos, que conheciam o Meeting Point, mandam “tia Rose” até ela. Está imóvel, na cama. Rose, como faz com todos os doentes, leva os remédios para ela. “Mas, na maioria das vezes, quando eu voltava, os comprimidos ainda estavam no mesmo lugar, sem serem tocados”, diz Rose.
Agnes conta: “Rose sempre me dizia que eu tinha um valor, mas eu não entendia o que ela queria dizer. Depois, me convidou para vir aqui, para conhecer as outras. Encontrei mulheres felizes, que não pareciam doentes, então pensei que estava no lugar errado, porque não podia pertencer a esse grupo. Continuava me sentindo um nada. Até que consegui 20 mil xelins para poder voltar para meu vilarejo para morrer”. Nunca partiu, porque quando contou a Rose que iria embora, ela chorou. Agnes, em vez de ir para a morte, ficou aqui com elas. Tratou-se, está melhor. Ainda está doente, mas recuperada. “Quando comecei a frequentar os encontros de Escola de Comunidade descobri o valor do qual Rose me falava. Porque Giussani diz que ninguém é nada diante de Deus. Pequei, matei, mas sou alguém para Ele. Esse é o meu valor: a vida que Deus me deu. Não sou definida por nada mais. Por causa desse amor, comecei a ter a energia que os remédios não me davam. Agora, enquanto falo com você, sou livre. Sinto isso. Sou livre, mesmo estando doente”.
Rose fica com elas todos os dias do ano, mas ela não considera nada como óbvio. Sempre foi feliz por poder doar a vida desse modo. Mas via que os doentes continuavam a se lamentar. Alguns se enforcavam ou se deixavam morrer. Para os pobres, nada era suficiente. As crianças não queriam ir à escola, embora fosse gratuita. “Eu ia embora achando que o problema era a falta de remédios e de comida. Mas eu dava para eles essas coisas, e nada acontecia. Fiquei arrasada, porque queria resolver a epidemia dessa maneira!”. A tentação que vem é a de substituir o outro com aquilo que devemos ou conseguimos fazer por ele. “Porém, num determinado momento, a partir da descoberta de mim mesma, tudo começou a mudar”. Então, se cala, falará sobre isso depois, primeiro vêm as suas mulheres.

Outra pergunta. Teddy percebe que está mudada porque não tem mais medo de nada, nem mesmo da morte. “Porque Deus sabe tudo o que sou”. Descobriu isso com a fé, fazendo o caminho da Escola de Comunidade. Perdeu os pais quando era muito jovem e pensou que quando se casasse, tudo se resolveria. “Porém, os maiores problemas começaram ali. Para mim, não fazia mais sentido estar no mundo: não tinha visto nada de belo na vida”. Rose sempre diz: “A infelicidade chega quando decidimos que não é mais possível ser feliz”. E Teddy era infeliz. No Meeting Point, encontrou trabalho como assistente social, mas sucumbia diante dos problemas. “A Escola de Comunidade me colocou diante de outra pergunta: quem sou eu?”. Desde a primeira vez em que foi, percebeu que aquilo que liam falava dela. Sentia-se como a Samaritana no poço, que encontra alguém desconhecido que a conhece mais do que seu marido. Com ele, o relacionamento é dramático. É alcoólatra e quando bebe torna-se violento: há noites em que não a deixa sequer dormir em casa. E ele lhe diz: “Se continuar indo naquele lugar, eles vão fazer uma lavagem cerebral em você, você deveria pensar no dinheiro...”. Ela responde que se ainda estão juntos é só graças a isso. “Quando está sóbrio, se dá conta, e me diz: Dom Giussani é um homem inteligente”, conta Teddy, sorrindo. Por que não o deixou? “Eu não poderia. Se eu tenho um valor infinito, então, ele também tem”.
Ketty entende bem isso. Lembra-se que cheirava mal quando chegou ao Meeting Point, mas ninguém sentia nojo dela. Casou-se aos 13 anos, era muçulmana na época. Ficou um ano e meio com os rebeldes, que levaram o seu filho de um mês, a obrigaram a comer carne humana e a violentaram. Quando ficou grávida, não era mais útil para ninguém. “Então, me descartaram”. Tinha 17 anos e ficava gritando, como se estivesse louca. Era um esqueleto de 25 quilos e, apesar disso, as pessoas tinham medo dela. A família a abandonou quando souberam que ela estava com Aids. O que fez você desejar viver? “Rose me olhou como se eu fosse algo que eu não sabia que era. E a Escola de Comunidade me libertou, descobri que mesmo na floresta eu tinha o mesmo valor que tenho agora”. Pediu o Batismo.
Florence se apresenta assim: “Tenho 40 anos, venho do leste da Uganda e sou soropositiva”. Quando fez os exames, seus parentes temiam que os contaminasse e contavam os dias para a sua morte. “Eu também só pensava em morrer”. Mudou-se para Kampala para poder se tratar, “mas eu já tinha desistido de viver”. Embora lhe falassem do Meeting Point, ela não ia: “Se todos os meus parentes tinham me abandonado, quem iria me querer?”. Mas, um dia, olhando para seus filhos, sempre fechados em casa com ela, entendeu que devia fazer aquilo por eles. “Cheguei aqui e encontrei mulheres que aprendiam a ler e escrever. Comecei imediatamente o tratamento”. Quando surgiu o problema do aluguel, fugiu. Mas Teddy foi procurá-la. “Acolheram-me”. Hoje, seus parentes veem que ela está feliz, veem seus filhos indo à escola e lhe perguntam como isso é possível e quem conseguiu ficar com ela. “Eu digo: não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”.
“Do nada, Deus me faz”. Rose está imersa há anos em uma realidade sofrida e está ali como uma criança que se abandona ao pai. “Tanto com os remédios quanto com as palavras, não conseguia mudar nada nelas. Sem viver a experiência de que eu sou amada não posso ajudar os outros”. Precisou tornar-se consciente do modo com o qual Jesus a olha. “Só podia falar para elas do valor que tinham se conhecesse o meu próprio valor. Então, foi um caminho que descobrimos juntas, eu e elas”. Um valor, para ela, inseparável do modo com o qual Giussani a tratava: “Ele olhava para mim como se eu fosse algo especial, maior do que tudo, até do que os meus limites. Sempre pensava: ele não entendeu quem eu sou! Tentava lhe explicar, mas ele não me escutava: ‘Olha Rose’, me disse, ‘se você fosse a única pessoa sobre a face da terra, Deus viria e morreria por você’. Depois, corrigiu: ‘Veio e morreu por você’”.

“Ele não parou”. O que Rose fez, e faz, é deixar espaço para esse olhar que encontrou. “Hoje, sigo Carrón, curiosa sobre o que o torna ele”. Segue em frente assim, encontrando “problemas, contradições ou a minha incapacidade. Mas até o limite se torna um trampolim para o infinito”. Sentada entre as suas mulheres, conta como percebe isso: “O que eu fiz hoje, para afirmar Deus? Nada. Nem indo à missa ou rezando afirmei Deus. Mas Ele não parou, continua aqui para mim, e conta as minhas células. Eu não me lembrei d’Ele, mas Ele, hoje, também fez uma coisa que não deveria fazer: saiu de Si para me tirar do nada. Nós perdemos a consciência disso, e nos perdemos em coisas pequenas, em picuinhas. Mas se soubéssemos como somos grandes, como é grande o outro! Choraríamos”. E, assim, reencontra a si mesma, porque o “obrigada” torna-se comoção e consciência; diz: “Quem é Rose, para que Tu cuides dela?”.


 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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