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Passos N.160, Julho 2014

SOCIEDADE/ Política - Eleições Europeias

Existe uma saída para a Europa?

por José Roberto Cosmo

As urnas revelaram um resultado dividido, tornando difícil de interpretar o futuro da União Europeia. A seguir, alguns dados e uma análise da atual situação política daquele continente

As últimas eleições europeias ocorridas no 25 de maio, em 28 países daquele continente para o preenchimento das 751 cadeiras do Parlamento Europeu, provocou um verdadeiro “terremoto político”, nas palavras do Primeiro Ministro francês, Manuel Valls. De um modo geral, os partidos nacionalistas e os eurocéticos (que não acreditam no futuro da União Europeia) levaram a melhor empunhando as bandeiras contra a imigração e contra a integração continental, especialmente na França e na Grã Bretanha. Os partidos de extrema direita e de extrema esquerda mais que dobraram suas cadeiras no Parlamento europeu. O baixo comparecimento dos eleitores (43,1% dos votantes), já é um importante indicador de insatisfação política face aos mecanismos tradicionais de representação popular. Documento público de CL divulgado recentemente por ocasião destas eleições menciona uma pesquisa a qual indica que 70% da população acha que as estruturas europeias são inadequadas face às exigências de sua vida pessoal e social.

Alguns exemplos. Na França, Marine Le Pen, principal líder da Frente Nacional, partido de extrema direita, obteve, pela primeira vez 25% dos votos, com um discurso xenófobo expresso na bandeira que sustentou sua campanha: “Não à Bruxelas. Sim à França”. Em sequência à sua vitória, seu partido pediu a dissolução da Assembleia Legislativa francesa e a convocação de novas eleições, além de reivindicar um referendo sobre a saída da França da União Europeia. A UMP, partido conservador, e o Partido Socialista, do atual presidente François Hollande, com 20,3% e 14% dos votos respectivamente, ficaram em segundo e terceiro lugares. Em reação a esta inusitada situação política, o Primeiro Ministro francês, Manuel Valls já anunciou uma redução de impostos na economia.
Na Grã Bretanha, o UKIP (sigla em inglês do Partido da Independência do Reino Unido), de Nigel Farage, derrotou os tradicionais Partido Trabalhista e o Partido Conservador de David Cameron. Durante sua campanha, Nigel Farage pediu a saída imediata da Grã Bretanha do bloco europeu. Após sua derrota, o Primeiro Ministro inglês, David Cameron, já acenou com um plebiscito em 2017 npara que a população inglesa decida pela permanência ou não de seu país na União Europeia. Na Alemanha, Itália e Espanha os partidos de centro pró-Europa continuaram firmes em suas posições. Na Alemanha, maior país membro da União Europeia, o partido de Angela Merkel, Primeira Ministra, conquistou o maior número de cadeiras no Parlamento. Matteo Renzi, Primeiro Ministro italiano, obteve uma vitória significativa pois seu partido conquistou 41% dos votos, defendendo a integração ao bloco europeu. Ainda na Itália, o Movimento 5 Estrelas, de Beppe Grilo, um comediante que faz carreira política ironizando a política tradicional, ficou em segundo lugar, enquanto a Força Itália, do ex-Primeiro Ministro Silvio Berlusconi, ficou em terceiro.
Na Grécia, o Syriza, movimento radical de esquerda e contra a austeridade imposta pela União Europeia ao país, liderado por Alexis Tsipras foi o vencedor destas eleições embora o Primeiro Ministro, Antonio Samaras, não tenha sido atingido significativamente. O Governo grego conseguiu uma pequena maioria com assento no Parlamento Europeu. Na Dinamarca, os partidos alinhados à extrema direita racista com propostas anti-imigração; e antissemitas obtiveram resultados expressivos. Na Holanda, o Partido para a Liberdade, eurocético e antiislâmico ficou empatado no segundo lugar atrás do partido de centro pró-europeu.
Diante deste quadro político posto pelas eleições europeias, quais seriam as causas da ascensão de movimentos político-partidários de extrema direita e de extrema esquerda? Quais foram os fatores que fizeram com que a Europa fosse varrida por ventos intensos de extremismo político a ponto de se questionar abertamente a integração dos países que compõem a União Europeia? Quais as causas da insatisfação dos eleitores europeus em relação à integração dos seus países à União Europeia?

As análises da situação. Pelas notícias trazidas por analistas políticos e jornalistas que cobriram as últimas eleições para o Parlamento Europeu, as principais causas que teriam contribuído para esta situação dizem respeito, em grande parte, às políticas econômicas adotadas pela maioria dos países para suplantar a crise financeira de 2008, crise que teve seu início nos Estados Unidos, mas que se alastrou por todo o mundo, atingindo em cheio os países europeus. Tais medidas dizem respeito às políticas de austeridade que cortaram postos de trabalho, salários, aposentadorias e investimentos governamentais, mergulhando vários países em crise econômica profunda, com níveis de desemprego assustadores para os padrões da União Europeia, chegando em alguns casos a 20% de desempregados. Isso afetou fortemente o desempenho dos países da comunidade europeia sendo que, nos últimos anos, o crescimento econômico foi medíocre, para não dizer pífio, insuficiente para manter o padrão de vida da população da Europa, acostumada a um estilo de vida que teve porbase o chamado welfare state, isto é, o estado do bem-estar social.
Outra causa aventada pelos analistas políticos e jornalistas refere-se à questão das imigrações de populações vindas da África e de ex-colônias europeias, professando em muitos casos o Islamismo, e que foram para a Europa em busca de empregos e salários que lhes permitissem um nível de vida mais digno do que em suas regiões de origem. Políticas mais rígidas contra a imigração foram adotadas por alguns países recentemente, sendo a Suíça o caso mais exemplar. O ressurgimento de movimentos racistas e antissemitas tem ocupado as páginas dos principais jornais europeus sempre destacando a oposição de boa parte da população contra as imigrações que tomaram conta da Europa nas últimas décadas.
No entanto, seriam apenas essas causas mais imediatas as responsáveis pela eclosão deste verdadeiro “terremoto político” a que aludiu o Primeiro Ministro francês? Ou causas mais profundas estariam provocando um movimento subterrâneo na história da Europa de modo a abalar seus alicerces?

É possível um novo início? Diante da situação europeia, ainda antes destas eleições continentais, Comunhão e Libertação lançou um Documento intitulado: “Europa 2014: é possível um novo início? A contribuição de uma experiência” (publicado aqui, pp.17-20). O texto mostra que é necessário uma análise mais profunda do que ocorre na Europa atualmente, que não leve em conta apenas fatores econômicos, para a explicação da situação europeia. Temos de ir às raízes da crise, o que significa, em última análise, considerar todos os fatores em jogo e não só os fatores de ordem material, como bem nos ensinou Dom Giussani. Trata-se de um passo fundamental para reencontrar uma nova consciência que permita dar conta da grave situação em que se encontra a Europa.
A Primeira Ministra da Alemanha, Angela Merkel, tocou num ponto que merece ser mais bem entendido. Ela diz: “Vai se tratar mais de estimular políticas que ecoem nas pessoas”. A questão que coloca inverte o problema: trata-se de estimular as pessoas, com suas necessidades mais elementares, a se fazerem mais presentes no espaço público tornando-as participantes na construção das políticas públicas e não de colocar as pessoas como receptoras de políticas que, na maioria das vezes, nada têm a ver com suas necessidades de verdade, de justiça, de beleza e de bondade. É preciso ampliar o diálogo com todos os cidadãos de modo a se resgatar a “centralidade, unicidade e a sacralidade” de cada pessoa, como tão bem reconhece o Documento divulgado por CL frente às eleições europeias.
Também Manuel Valls, Primeiro Ministro da França, diante da hostilidade em relação, aos imigrantes fez uma afirmação que nos leva a refletir de modo diverso. Ele afirmou que “a rejeição dos outro não é a imagem da França”. Tem razão em parte o Primeiro Ministro: mas, qual é a natureza deste “outro” a que ele se refere? Para nós, o outro tem um significado mais profundo do que o entendido por Manuel Valls. Assim, padre Carrón frequentemente tem nos ensinado que devemos entender o outro como um bem que nos é dado para redescobrir e recuperar o humano, aquilo que é essencial ao indivíduo e à sociedade. O Papa Francisco também tem enfatizado a necessidade de ficarmos mais atentos ao outro gerando uma atenção amiga. Ele nos diz: “O nosso compromisso não consiste exclusivamente em ações ou em programas de promoção e assistência; aquilo que o Espírito põe em movimento não é um excesso de ativismo, mas primariamente uma atenção prestada ao outro ‘considerando-o como um só consigo mesmo’. Esta atenção amiga é o início de uma verdadeira preocupação pela sua pessoa e, a partir dela, desejo de procurar efetivamente o seu bem” (Evangelii Gaudium, 199).
Isso nos chama a atenção para a responsabilidade de cada pessoa para a construção de uma sociedade que pratique, cada vez mais, uma subsidiariedade real através de organizações sociais intermediárias com o objetivo de construir obras que o Estado, devido à crise atual, não tem condições de suprir à população.
Como afirma o Documento de CL: “Uma Europa que percebesse isto não tenderia a fechar-se à imigração; não poria em prática somente a austeridade, mas também a solidariedade na economia; não se fecharia em nacionalismos irrealistas e anti-históricos; não promoveria uma legislação resolvida a desfazer todos os vínculos cultivando a obsessão pelos novos direitos individuais; não avalizaria a hostilidade às fés e, em particular, à fé cristã (traindo precisamente aquilo que, na história, edificou e fez grande a Europa)”.

Um aprendizado. Diante destas reflexões, que ensinamentos podem os extrair da situação posta pelas eleições europeias tendo em vista a proximidade das eleições que serão realizadas no Brasil em outubro próximo?
A dignidade da pessoa humana é um ponto fundamental para que possamos refletir a respeito das relações do Estado brasileiro com a sociedade civil, na medida em que políticas vindas do alto e impostas à população não garantem, necessariamente, a satisfação das necessidades mais elementares tais como o desejo de justiça, de beleza, de bondade que constituem cada um de nós; a afirmação do eu diante da realidade que se nos apresenta é um desafio constante que deve ser enfrentado através de juízos sobre as diversas situações político-eleitorais com as quais conviveremos em nossos ambientes; a ampliação de um diálogo sincero com todos aqueles com os quais nos encontraremos para debater a respeito dos rumos que queremos para nosso País; a divulgação de nossas obras sociais que representam um exercício real de subsidiariedade efetiva na medida em que garantem serviços que o combalido Estado brasileiro não consegue realizar.
Estão colocados, portanto, os desafios que exigirão da parte de cada um de nós um posicionamento claro e razoável que leve em conta todos os fatores em jogo, incluindo, sem dúvida, a contribuição da tradição cristã para o enfrentamento dos graves problemas que afligem não só o mundo, mas particularmente o nosso País.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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