DIANTE DA REALIDADE NÃO BASTA UMA BELA FRASE DE CL
Há alguns meses, minha mulher foi diagnosticada com um tu¬mor no cérebro. Benigno, mas que necessitava de uma cirurgia. A notícia é uma daquelas que “quebra as pernas”: imediatamente, pensei nas dificuldades que nos esperam, em nossos três filhos, no que vai acontecer como se, no fundo, dependesse tudo de mim. Ao mesmo tempo, experimentei um desejo de compartilhar o que aconteceu com meus amigos mais queridos. Na mesma noite, falando com minha mulher, vi que ela estava inacreditavelmente serena, sobretudo quando me dissera: “Não é explícito que o que está nos acontecendo não seja para o nosso amadurecimento”. Impulsivamente, eu respondi: “Vamos eliminar o ‘não é explícito!’, Deus nunca nos enganou! E podemos dizer isso olhando para amigos nossos que passaram por experiências semelhantes”. Porém, pensando melhor, percebo que, teoricamente, aquilo que disse a ela está “ok”, mas a realidade pode muito bem tornar essa frase apenas uma “bela frase nos padrões de CL”. Preciso verificá-la. Enfrentando o desafio das circunstâncias, logo fico tocado com muitas coisas: os amigos que, com afeto, começaram a se mexer dando sua disponibilidade tanto física, quanto espiritual, através da oração. Por intermédio de alguns deles, conseguimos rapidamente uma consulta em uma clínica de Milão, onde foi marcada a cirurgia e onde conhecemos um neurocirurgião que nos impressionou por sua humanidade. Fizemos uma peregrinação ao Sacro Cuore de Varese, para nos confiar totalmente a Nossa Senhora. Tenho experimentado uma dependência da qual tenho extrema necessidade. A operação aconteceu no dia 6 de junho e o tumor foi removido. Durante o período de internação, muitas coisas aconteceram: encontros com pessoas inesperadas com as quais compartilhamos a dor e um pedaço do caminho; conversas com enfermeiros que vieram nos contar problemas e dores que evidentemente não podemos resolver. Há uma necessidade de compartilhar a vida com alguém que nos olhe do modo como fomos olhados por Cristo: com amor. Pergunto-me constantemente o porquê, e deixo essa pergunta aberta. Essa gratidão por termos sido preferidos por Deus, que cresce dia após dia, está nos mudando, está fazendo com que nos apeguemos cada vez mais a Ele, desejosos de ter, cada vez mais, uma posição original e verdadeiramente livre sobre tudo. Não é um apego sentimental, mas um reconhecimento d’Ele em ação. Isso nos muda e salva tudo. Porque o ponto não é apenas a recuperação da minha mulher, o ponto é a minha, a nossa conversão, e o desejo de levá-Lo ao mundo, com um rosto radiante.
Gabriel, Varese (Itália)
UMA DESCOBERTA PARA A VIDA
Esses quatro dias que passamos nas férias dos colegiais, em Teresópolis (RJ), nos permitiu conhecer o nosso verdadeiro “eu’’. Fizemos amizades que serão para o resto da vida! Vivemos tudo intensamente, dando valor a tudo o que fazíamos. Foi algo intenso e único. Foi tão intenso que ainda me sinto comovida de ter feito parte de toda essa beleza. Fizemos coisas normais de adolescentes, mas não posso negar que a companhia que me cercou durante aqueles dias tornava as coisas simples, diferentes. Antes eu as considerava óbvias. Hoje, depois de ter voltado das férias, percebo que eu, sendo uma pessoa extremamente tímida, sinto um grito que já existia, mas que agora possui uma força que não é minha, que me dá a certeza de que não estou sozinha. Que existe Alguém que pensou em mim e que me fez especial, desde quando eu estava dentro da barriga da minha mãe. Porém, acredito que é necessário um empenho meu para que essas coisas se tornem verdadeiras todos os dias. Tive a oportunidade de rever amigos e pude fazer novas amizades. Sinto uma grande responsabilidade de cuidar desse presente que me foi dado por Cristo. Já estou com saudades de todos e como o próprio tema das férias diz: “Correndo para alcançá-Lo’’. É assim que me encontro todos os dias diante de Cristo.
Lívia, São Lourenço (MG)
AS FÉRIAS ÀS QUAIS NÃO POSSO IR
Fui convidada para ir às férias dos universitários, em Pontresina, nos Alpes suíços, como uma oportunidade para encontrar Cristo e viver o tempo das férias como tempo de liberdade. Tenho um problema cardíaco e por isso não poderei ir. No entanto, isso não é algo a menos para mim, quero dar a possibilidade a alguém de viver a experiência que, três anos atrás, vivi em uma sala de aula da universidade e que ainda hoje me mantém de pé em todas as circunstâncias que vivo. Posso fazer isso oferecendo uma ajuda econômica. Agora, há muitas coisas que não posso fazer: não posso praticar esporte, respiro mal; antes, eu estudava durante muito mais tempo, agora devo estudar menos. Se consigo estudar quatro horas, estudo aquelas quatro horas. O resto, um Outro proverá. O que me surpreende neste período é que diante do meu problema, todos procuram uma solução. Somos grandes ativistas. Tentamos fazer tudo. Mas, depois, chegamos a um ponto em que nos damos conta de que a vida está nas mãos d’Ele, é Ele que está me mantendo de pé e que tem um projeto, um caminho que é feito só para mim e que passa através das pessoas que foram colocadas ao meu lado. Podemos encontrá-Lo em qualquer lugar. Em Potresina, no Meeting, na universidade, a todo instante! Até em um leito de hospital! Cabe a nós, responder “sim” ou “não”. Um “sim” reabre. Um “não” fecha.
Giulia
AS “COISAS INÚTEIS” QUE FAZEM VIVER O ESSENCIAL
Para mim, o que mostra que vivi o meu dia diante do essencial é que à noite não dominam o esgotamento e o cansaço, mas um contentamento. Não uma alegria eufórica, mas uma alegria serena, uma paz alegre que chamamos de letícia. É um contentamento que não depende dos sucessos ou dos fracassos que tive durante o dia. Por exemplo, na semana passada cuidei de um paciente do qual não gostaria de me ocupar. Às vezes, ele tinha alucinações. Suas mãos estavam amarradas para que ele não arrancasse as sondas. Eu queria ir embora (já tinha decidido ocupar-me de outro paciente mais fácil), mas, no fim, não pude ignorá-lo, fiquei com ele para que pudesse ficar com as mãos livres durante a minha permanência. Nessa semana, um dos traços mais evidentes do rosto de Cristo foi o semblante desse paciente. Por causa da longa permanência no leito, tem uma ferida muito grande que não vai cicatrizar. Todos os dias, precisamos fazer curativo nessa ferida, mesmo sabendo que não vai fechar. Nossa única esperança é que não cresça e não infeccione. Outro paciente, do leito em frente, um dia, me perguntou: “Senhorita, você já viu alguém morrer?”. Eu respondi que não. Ele me disse: “Agora vai acontecer”. Fiquei cho¬cada quando ele falou desse modo, mas era verdade: meu paciente está morrendo, os médicos esperavam apenas isso. Dizemos que é preciso viver despertos, e a alegria se torna mais verdadeira, mais intensa. Está certíssimo, mas é também verdade que a dor é vivida com mais inten¬sidade. O contentamento e a dor: tudo é mais verdadeiro. O medo não é tirado. Tenho o mesmo medo que tinha antes. A diferença está no fato de que agora sei que existe algo maior, sei que Cristo sustenta toda a vida, toda a dor, que é maior do que a morte. Então, não fujo da morte, nem da dor. Não é verdade que quem trabalha em hospital se acostuma com a dor. Quando vivo pelo essencial, percebo que também posso fazer “coisas inúteis”, como cortar as unhas do meu paciente, porque é um Outro que dá valor a cada gesto meu, se o ofereço. Enquanto cortava suas unhas, os enfermeiros chegaram e zombaram um pouco de mim. Nenhum familiar valorizou o gesto, nenhum professor o levará em conta na minha avaliação. Tecnicamente, isso não faz parte do meu trabalho. Era somente para dar glória a Cristo naquele momento, era apenas para Ele. No fim de um dia no qual fiz “coisas inúteis” – mediquei uma ferida que não fechará, cortei as unhas, olhei para um rosto cheio de dor, fiquei cansada por causa de uma vida universitária muito cheia –, o fato de que sobre tudo isso predomine uma outra Coisa, para mim, significa que vivi pelo essencial.
María José Viedma, Puente Alto (Chile)
O ESTÁGIO NO QUAL TUDO ME PARECIA ERRADO
Caro Carrón, acabei o trabalho em um escritório na Espanha onde fiz um estágio durante seis meses. Na sexta-feira, meu último dia de trabalho, um dos meus colegas me disse: “Manu, sou realmente grato por ter trabalhado com você. Vi que, para você, trabalhar aqui não foi um peso ou um dever, mas tornou-se algo seu, tanto que assumir aquilo que você fez até agora me assusta, porque não sei se sou capaz. Tivemos muitos estagiários durante esses anos, mas você trouxe ao escritório algo diferente”. Na mesma manhã, recebi um telefonema do meu chefe, que desde janeiro está internado para tratar de um tumor: “Manu, estou triste por não ter podido aproveitar a sua presença nestes últimos meses. Quando você chegou, percebi uma diferença no seu modo de estar com os outros, na seriedade com a qual trabalhava e, nestes meses, ouvindo os colegas falarem com entusiasmo sobre a maneira como você enfrentava as coisas, e trabalhando com você através de e-mail, tive a confirmação de que a sua presença mudou o modo de todos trabalharem”. Eu comecei a chorar de comoção no meio do escritório porque realmente “Ele faz novas todas as coisas”. Comecei o estágio em novembro determinada pelo medo de não estar à altura: um trabalho em um escritório de certa fama, uma língua nova. Tudo parecia um limite gigante para mim, errado para mim. Depois, todas as manhãs, acordava agitada pensando em uma coisa que li milhões de vezes e que você nos recoloca agora na Escola de Comunidade: “Tudo o que acontece, Deus permite para o amadurecimento daqueles que escolheu para si”. Eu não entendia nada, mas é inegável que essa frase tem uma atração e uma promessa tão grande para a minha vida que não pude, e não posso, deixar de verificá-la nestes meses. Naquele dia, quando ouvi aquelas palavras, fiquei cheia de gratidão e de maravilha por reconhecer Quem permitiu realmente essa mudança. O que aconteceu para que eu me afeiçoasse tanto àquele lugar? Quem faz novas a mim e às coisas que tenho diante de mim? Quem, no fim, fez a escolha por mim, colocando-me exatamente aqui? Porque, enquanto era eu que fazia a escolha, tudo estava errado. Aconteceu Ele e a graça de reconhecer Alguém que me prefere, me ama e usa o meu nada para mostrar a Sua diversidade no mundo. De qualquer modo, que as coisas se tornem novas, mesmo continuando as mesmas, é uma coisa do outro mundo “neste mundo”. Cristo é realmente tão concreto que muda o meu modo de trabalhar.
Emanuela
EU, ORGULHOSO DE SER ATEU, DIANTE DAQUELE “PADRE”...
Caro padre Julián, tenho 17 anos, e venho de uma família que, por diversos motivos, está longe da fé e da Igreja há muitos anos. E eu, quando era mais novo, era muito influenciado por isso, a ponto de me declarar, sempre “orgulhosamente”, ateu. Na escola, porém, encontrei um professor de religião, padre Marcelo. Nele, desde o primeiro ano, vi claramente algo que nem os meus pais, nem os outros professores, nem eu tínhamos, mas que queria muito para mim. O modo com o qual ele entrava na sala de aula, com o qual se dirigia a nós; o modo com o qual respondia às minhas perguntas, era absolutamente novo e interessante. Esse meu professor tinha algo que eu não tinha, que eu invejava e desejava. No final do curso, eu lhe agradeci por aqueles três anos extraordinários, em que fui seu aluno, mas ele respondeu, me desmontando: “Não é a mim que deve agradecer”. Passou o verão e continuei pensando naquelas palavras, e ainda as tinha na cabeça quando cheguei ao ensino médio: um mundo novo, colegas novos, professores novos, mas eu ainda pensava naquele professor de religião, e todos os dias repetia a mim mesmo que iria encontrá-lo de novo. Enquanto isso, me afastava cada vez mais da Igreja e acompanhava com interesse algumas das atividades que o grêmio estudantil organizava na tentativa de encontrar uma resposta para a necessidade de felicidade que queimava dentro de mim. No fim, passou mais um ano, passou o verão, mas não passou, pelo contrário, ficou mais aguda uma ferida: “Por que nada parece me bastar, por que os amigos, a escola, os interesses não me fazem feliz?”. Numa noite de inverno, minha mãe me perguntou se eu estava bem. Eu respondi que não, que não estava feliz; e ela disse: “Você se leva muito a sério”. Naquele instante, fiquei chateado, mas hoje, agradeço, porque aquelas palavras me fizeram, finalmente, procurar o meu professor de religião. Ele se lembrava de mim e me convidou para alguns almoços, para alguns encontros dos colegiais de CL, onde eu via que havia pessoas que se levavam a sério e, por isso, eram felizes: naquele momento, comecei a entender que Cristo podia representar algo interessante para mim, que me correspondia. Hoje, passaram-se dois anos desde aquele reencontro, desde o meu “sim” a Cristo, e quantas coisas mudaram! Como mudei! Hoje eu rezo, vou à missa, me confesso, o que seria impossível alguns anos atrás! E a caritativa, os colegiais, o Tríduo, as férias, o Angelus todas as manhãs, tudo, tudo é para mim e para a minha felicidade. Há alguns meses, comecei a fazer a preparação para a Crisma com padre Marcelo, e não vejo a hora de recebê-la para poder ser ainda mais Seu, para poder gritar com ainda mais consciência, diante de todos os problemas, diante de todas as dificuldades: “Se não fosse Teu, ó Cristo, me sentiria criatura finita”.
Michelangelo, Milão (Itália)
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón