Centenas de pessoas se reúnem por alguns dias para um momento de férias. Um lugar, uma companhia, uma familiaridade inesperada com quem se acaba de conhecer, porque “há uma presença estranha entre nós”
Parecia que tinham jogado purpurina. Assim era o céu naquela noite de sexta-feira durante as férias, recorda Rita, de Brasília. Nenhuma luz na praia. Só a da fogueira, rodeada de crianças e adultos em silêncio. Espaço para escolher uma entre as milhares de estrelas para ser a sua, dar-lhe um nome e pedir-lhe que arrebate uma preocupação sua ou de alguém querido. Caminhar seguindo um amigo, que ia à frente indicando o caminho e sob um céu cheio de estrelas, foi a ocasião para fazer a experiência do Infinito, em sua grandeza e doçura. A experiência que tocou Rita durante aqueles dias, também impressionou Gabrielle: “Olhar para as estrelas já é bonito. Com o que o Julián [padre Julián de la Morena] falou, ficou mais bonito ainda”. A menina de 12 anos vive numa São Paulo que não permite ver as estrelas. Já tinha feito a experiência antes, na chácara da tia. Mas dessa vez foi diferente. “Por mais que eu não veja mais a minha estrela Anny ela sempre estará comigo. E a mais bonita de todas é Nossa Senhora”, repetiu ela lembrando o que tinha ouvido na praia.
O silêncio – um pedido do chefe, Capitão Barbicha (o músico Marco Aur) – foi prontamente atendido até pelas crianças mais inquietas na caminhada noturna entre o hotel e a praia. “Todos queriam prestar atenção no que ele ia falando”, conta Gabrielle, que fez o percurso pelo escuro da mata com os dois irmãos mais novos.
Por que não sentiu medo de passar na beira do mangue, enxergando quase nada e ouvindo somente os passos e o som dos bichos? “Porque eu confiava nas pessoas que estavam ali comigo”, diz João Pedro, 9 anos. “Nunca tinha feito uma caminhada noturna. Parecia que eu via as coisas do passado, de quando o mundo foi construído.” Para o garoto paulistano os dias em Angra dos Reis ficaram marcados também pelos amigos que fez. “Lembro muito dos amigos que conheci lá. Brincamos, nos divertimos.”
A experiência daquela noite também marcou Luiza, 10 anos: “Pensei no que tinha aprendido na escola sobre como surgiu o universo”. O marshmallow assado na fogueira, a estrela que escolheu e para quem deu o nome de Lulu ajudaram a espantar um pouco o sono que já tinha chegado àquela altura da noite, confessa.
Grupo de amigos vivos. O que foi vivido pelas crianças naquela noite pode ser lido através desta frase de Van Gogh: “Quando sou tomado pela minha ‘terrível necessidade de religião’, saio à noite para pintar as estrelas... e sonho sempre com um quadro assim, como com um grupo de amigos vivos”. Esta é também uma boa descrição do que os participantes das férias nacionais do Movimento Comunhão e Libertação experimentaram de 31 de julho a 4 de agosto. Eram quase 500 pessoas, sendo cerca de 150 crianças, que se reuniram por quatro dias em um hotel em Angra dos Reis, no esplêndido balneário localizado no sul do Estado do Rio de Janeiro. Estavam presentes pessoas de diversas cidades do Brasil, de Norte ao Sul do país, e também uma dezena de italianos, que moram no país ou que estavam aqui de passagem. Pessoas que se encontraram movidas pelo desejo de beleza que já vivem nessa companhia, e por isso convidaram também outros amigos que estavam ali pela primeira vez respondendo a esse convite, curiosos por ver o que aqueles dias reservavam. Na primeira noite, o tema “O que buscais?” foi apresentado por Marco Montrasi, conhecido como Bracco, o responsável nacional do Movimento. Essa pergunta foi uma provocação que nos acompanhou durante todos aqueles dias.
“Quem sãos estes?” Uma voz doce irradiava no salão do hotel a cada manhã. Ivana entoava o canto italiano Al mattino que foi uma preciosa ajuda na tomada de consciência do dia que se iniciava: “De manhã, Senhor, a minha ânfora está vazia na fonte. Tenho um desejo: que eu Te veja, e é esta a manhã”. Com essa tensão, a primeira atividade proposta livremente a quem desejasse participar foi uma série de jogos, dividindo os participantes em quatro times. E desta vez os protagonistas não foram só os mais jovens. Era visível que os mais animados, e “bravos”, eram os adultos, muitos pais de família, que se jogaram na areia para pegar a bola, usaram toda sua criatividade para construir os estádios da Copa, animaram a torcida e marcaram os pontos dos seus times. Houve quem aproveitasse o momento para um banho de piscina, e impressionava ver todas aquelas mães e crianças. Mães como Rafaela, que viajou do Rio de Janeiro com seus dois bebês, pois o marido trabalhava e chegaria apenas na noite seguinte, mas que em nenhum momento se percebeu sozinha: “Nas férias o Gabri, de 2 anos, que normalmente fica agarrado comigo, se sentiu tão em casa que se separou e foi para o salão de jogos. Tinha muitos momentos em que meus filhos eram carregados por outros amigos e eu só observava”.
No sábado, a manhã foi reservada para um longo passeio de escuna, que atravessando o transparente mar de Angra, levou os “aventureiros” até a Ilha do Dentista. A água estava fria, mas as crianças foram as primeiras a se lançarem sem medo. A menina Luiza fala com entusiasmo ao relatar o seu salto no mar: “Eu me joguei e nadei até a praia. Ninguém precisou me pegar”. Antes de retornar às embarcações, um momento de canto na areia, com uma grande roda. Quem estava passeando em seus barcos naquela manhã ensolarada deve ter se perguntado “Quem sãos estes?”.
Marco Aur, cantor, compositor e educador de Belo Horizonte, que participava das férias com os amigos, presenteou a todos com um show de seu CD “No maior pique”. Suas músicas encantaram a todos. Quem sabia cantava. Adultos e crianças pegaram o saco de papel para fazer a percussão, bateram palmas. E, à noite, um show de talentos, com crianças, jovens e adultos .
Testemunhos de uma vida. Os quatro dias juntos foram o “início de um processo”, como definiu Bracco. Um fato potente que abre um horizonte novo, que permite voltar ao trabalho carregando um tesouro, desejosos de construir, de ser protagonistas. A proposta das férias não se esgotou naqueles dias juntos. Como afirmou Malu, de São Paulo: “Quem sou eu para merecer tanto: a voz da Ivana cantando Al mattino, o café, o bom papo, a [brincadeira da] construção do estádio e das pipas, as homilias [das missas celebradas no hotel], o passeio noturno com as crianças? Desejo sair daqui com o olhar aberto para essa beleza”. E Andrea, do Rio de Janeiro, completa: “De onde vem essa beleza? Vem de Cristo. Volto para casa com a certeza de que preciso desse caminho”.
É o que afirma também Biagio, de Brasília: “As férias de Angra são a confirmação daquela intuição paradoxal que tinha dento do meu coração quando decidi ir. As férias não são ‘férias’, no sentido tradicional do termo (em que a gente tenta se esquecer dos problemas!) – pelo contrário, as férias são uma grande possibilidade de poder refazer o encontro com o Movimento, o encontro com Cristo. Eu me comovi com o testemunho da Anna Frigerio e do Giuseppe De Masi, a tal ponto que grudei neles. Perguntei: ‘com quem vão jantar hoje?’. E me dei conta que essa pergunta é a mesma dos apóstolos: ‘Senhor, onde moras?’. Voltei a Brasília cheio de vontade de trabalhar, de obedecer ao que Deus dá. Li uma frase de um poeta polonês, Cyprian Norwid, que o Papa João Paulo II gostava muito: ‘A Beleza suscita admiração, e esta admiração leva a trabalhar. E trabalhar é para ressuscitar’. As férias foram uma ocasião privilegiada, extraordinária, de recriação de uma Beleza que é a única possibilidade para poder trabalhar”.
Algumas pessoas que conheceram o Movimento há poucos meses desejaram dizer a todos a gratidão por aqueles dias. Lívia, de Vitória da Conquista, afirmou: “Eu vivia com a sensação de ter as ‘pernas quebradas’. A companhia desses amigos foi uma ajuda para ‘recuperar as pernas’”. E, Flávia Karine, de Aracaju, disse: “Esta pergunta ‘O que buscais?’ não sei ainda responder. Mas estando aqui nestes dias posso afirmar que não sei explicar o que meu coração busca, mas minha alma sabe que aqui encontrou a resposta”.
Simone, italiano que estuda no Rio de Janeiro, conta sua descoberta: “Meus pais vieram da Itália para passar uns dias comigo no Rio. Aproximando- se a viagem para Angra, comecei a me dar conta dos problemas: não sabem a língua [português], eles precisam descansar à tarde. As coisas foram acontecendo e eles encontraram tudo o que precisavam. Vi cinco amigos descendo da escuna o meu irmão, que tem dificuldade de locomoção. Entendi que não sou eu que resolvo tudo. Estou aberto a ver os sinais disso”.
Um caminho a percorrer. Neide, de Manaus, retomando o testemunho de Giuseppe também afirmou: “Tenho um lugar seguro para viver e retomar. O medo do que Deus tem para mim, ainda tenho. Mas o único desejo é que eu O veja”. Para Fabiano, de São Paulo: “O que é banal começa a se aprofundar [em dias assim]. Olhar como as crianças se relacionam, como o meu filho se relaciona com os amigos, me fez entender que por trás dos fatos tem outros fatos e a desejar ficar atento ao que vai acontecer”.
Dias intensos, plenos de diálogos não banais, de encontros, descobertas. Como afirmou Otoney, de Salvador: “A nota dominante foi um fascínio. Os problemas voltam na segunda-feira [após as férias], mas posso olhar com mais clareza para todos os fatores da realidade. Esses dias me devolveram o que eu procurava, como diz o texto [dos Exercícios da Fraternidade de Comunhão e Libertação]: estamos no mundo para gritar a todos os homens que há um homem que está entre nós, que é Deus. Vi e toquei o fator que me permite ter um novo início”. E, Bracco, lançando todos a um trabalho pessoal para não ficar apenas com uma lembrança de dias bonitos, finaliza: “O problema não é ser bem sucedido, mas reconhecer uma presença. Nossa única dignidade está em ser amados. O centro da vida não é o sucesso, mas o reconhecimento de uma presença. Carrón, nos Exercícios da Fraternidade diz: ‘Uma vez acontecido o encontro com Cristo, se paramos não podemos perceber o bem’. Só quem se joga na verificação, como quem está apaixonado, pode perceber o bem que nos aconteceu, a graça que recebemos”.
Voltando para suas casas, cada um tem uma hipótese para verificar, e a possibilidade de um caminho a percorrer.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón