O poeta, dramaturgo e ensaísta Ariano Suassuna faleceu aos 85 anos, deixando como herança um grande legado para a cultura brasileira. Ele, que foi um preeminente defensor da cultura nordestina, enriquece nossas vidas com sua arte
Ariano Suassuna nos deixou no último mês de julho de 2014, mas a intensidade da sua vida e da sua obra permanece latente e me fizeram lembrar o encontro com ele e o seu valor como homem e escritor.
Desde a adolescência, eu conhecia a famosa obra “Auto da Compadecida”, mas somente ao ler as peças de Gil Vicente, durante o curso de Letras, cheguei ao encontro com Ariano Suassuna (há muitas comparações entre o teatro suassuniano e o teatro vicentino) e a cultura popular. Desde então, a obra e a vida dele fazem parte da minha trajetória profissional e pessoal.
A paixão de Ariano pelas histórias populares, pelos cantadores, pelos circos sertanejos, pelos encontros com os homens simples do sertão ou da cidade, me levou ao fascínio por sua obra, pela literatura cordel e pelas manifestações populares nordestinas.
Desse modo, decidi que a primeira aula que desse em minha vida seria sobre literatura de cordel. O tempo passou e a hora de entrar na sala chegou. Estava no estágio docente e era o momento de colocar em prática o que havia aprendido na graduação. Então, fui ministrar as minhas primeiras aulas para alunos do 7º ano (antiga 6ª série), sobre literatura de cordel. Lembro-me, como se fosse hoje, a ansiedade de transmitir a riqueza daqueles textos e o desejo de que os alunos conseguissem produzir seu próprio cordel. Lancei- -me no desafio, procurei ouvi-los, observar como eles percebiam a realidade e auxiliá-los na criação, incluindo a elaboração da xilogravura para ilustração. O resultado foi ver o envolvimento dos alunos e a alegria experimentada com a pequena exposição que realizamos, em sala de aula, com os folhetos produzidos. Ao final deste percurso, compreendi que lecionar é a possibilidade da “arte do encontro” com o outro. E percebi que meu gosto por ser professora de literatura cresceu sob a influência do mestre Ariano. Ele dizia, também, que todo professor deve ser criativo para não deixar os alunos entediados. É verdade!
Nesse momento, eu já estava apaixonada pelo escritor, pela cultura popular e especificamente pelo teatro de Suassuna. Suas peças não saíam da minha cabeça, queria analisá-las de forma mais profunda e transmitir a beleza do que havia encontrado. Assim, decidi fazer meu projeto de pesquisa de mestrado em literatura cuja dissertação aprovada teve como título “Ariano Suassuna: um pensador no teatro brasileiro – análise da trajetória intelectual do dramaturgo e da peça Farsa da boa preguiça”. Para escrevê-la, encontrei Ariano pessoalmente. Foi no dia 10 de agosto 2010, às 16h30, em sua casa, no bairro de Casa Forte, em Recife.
Ao nos cumprimentarmos, ele disse: “Que bom uma pessoa tão jovem se dedicar a minha obra!”. Naquele momento, compreendi o que é a simplicidade, a generosidade e a abertura para conhecer as pessoas. Conversamos por quinze minutos. Havia descoberto um tesouro, um amor, e desejei pesquisar mais, estudar mais. Nesse desejo, conheci o Prof. Dr. Carlos Newton Júnior, ex-aluno e amigo pessoal de Ariano, que me recebeu de abraços abertos. Ele, juntamente com meu orientador Prof. Dr. André Luís Gomes, me ouviu, me orientou e, de forma generosa, me concedeu muitos materiais, além de ter participado da minha defesa final com a sua atenção peculiar. Com Carlos Newton e Ariano, aprendi que, por trás do trabalho formal da pesquisa, há sensibilidade, vida, histórias, encontros, desejos, afetos e a entrega sem reservas do pesquisador ao seu objeto de estudo.
Uma abertura à novidade. Por fim, Ariano me “levou” para uma das grandes experiências de minha vida: o trabalho no presídio. Devido à pesquisa realizada no mestrado, fui convidada para realizar uma oficina sobre literatura de cordel para os internos (estudantes) da Penitenciária do Distrito Federal I, localizada no complexo da Papuda, em Brasília.
Com os internos, fiz a leitura dramática do “Auto da Compadecida” e produzimos juntos folhetos de cordel e xilogravuras. Aqueles homens, pagando suas penas, experimentaram por meio da literatura que, mesmo diante do mal, o homem não se cansa de desejar o bem e o perdão. Eles podem até não abandonar o mundo do crime, porém viveram a oportunidade de realizar uma ação significativa para eles.
A memória em Ariano estava presente durante todo o trabalho realizado com os internos. Tenho certeza de que ele ficaria muito feliz em saber que João Grilo, o nosso amarelinho incansável, toca literalmente a todos de forma concreta, simples e bonita.
Depois do primeiro encontro com Ariano eu só o vi nas aulas-espetáculo que realizou, inclusive em abril deste ano em Brasília. Ouvi-lo era uma grande alegria que sempre trazia um novo aprendizado. Mostrando- -se um corajoso sertanejo, diante das experiências proporcionadas pela vida e pelo trabalho artístico, lutou bravamente pelos seus ideais até o fim, deixando-nos um riquíssimo legado humano e literário.
As palavras que escrevi aqui, com certeza, não alcançam a dimensão do valor deste legado, e nem tenho essa pretensão. Por isso, cito as palavras de Guimarães Rosa em um poema dedicado a “d’El- -Suassuna” (em Em Almanaque Armorial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. p. 164-165):
“[...] Oh grande Ariano
meu e de todos!
Irmão, sansão, gedeão,
campeão dos vivíssimos textos recitáveis,
mistérios claros, apogeus vivenciados
(e do Gato que descome dinheiro),
Suassuna dito,
bendito,
colhedor de aplausos,
jardim do mato regado a orvalho,
Rei do quinto naipe do baralho
e chefe de roteiros,
capaz de guardar coisas bem raras
nas lembranças e no coração da gente [...]”.
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