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Passos N.163, Outubro 2014

DESTAQUE / Sínodo da família

Família, lugar onde nasce o “eu”

por Miriã Alcântara e Giancarlo Petrini 11

A família é o lugar privilegiado para o desenvolvimento das capacidades humanas e sociais. Nos mais diversos aspectos da vida, a família constitui um recurso para a pessoa desde os momentos iniciais da existência até a morte, presente como realidade que oferece significados fundamentais para a identidade do indivíduo enquanto ser humano.
No espaço da vida familiar estabelecem- se relações que introduzem a dimensão do tempo como aberto à descoberta do nexo com a totalidade, com a origem e a geração da vida como acontece quando a pessoa faz a experiência da paternidade, maternidade, filiação, fraternidade e da relação entre membros de diferentes gerações. A maior parte dessas relações é marcada pela duração independente da vontade das pessoas envolvidas. Uma vez pai, mãe, filho, avô(ó), tio(a) para sempre o será, mesmo após a morte. As relações familiares qualificam a pessoa enquanto ser humano por serem, desde o início, fundadas no reconhecimento do outro como dom. Essas relações criam espaço para o surgimento de laços marcados pela confiança, solidariedade, cuidado, proteção, amizade, criação de projetos de vida em função dos quais são assumidas responsabilidades que superam o limite das circunstâncias. A casa da família é o lugar onde transcorre a história desses laços. Sua relevância na vida familiar revela- -se na forma como são dispostos os ambientes, no ritmo dos eventos do cotidiano e no modo como as pessoas cuidam de cada detalhe. Nada pode trazer maior segurança aos filhos do que o reconhecimento de um lugar que os espera e que concretiza o abraço dos pais. Nesse abraço cabe não apenas os membros da família, por isso, a casa torna-se um lugar para onde convergem os amigos, os vizinhos, os parentes distantes, criando um feixe de relações que desperta o interesse para o mundo.

Do ponto de vista social, a família consiste em um recurso importante que propicia respostas a problemas e necessidades cotidianos sem as quais a sociedade não poderia manter-se caso fosse obrigada a assumir como suas tarefas desempenhadas pela família. A família é, portanto, um requisito do processo de humanização, que enraíza a pessoa no tempo através de relações de parentesco destinadas a permanecer por toda a existência. Por outro lado, as relações familiares são marcadas pelo drama que decorre do envolvimento de ao menos duas pessoas que portam histórias e expectativas próprias, o que exige dos envolvidos a busca de um significado adequado. Nascer, amar, gerar, trabalhar, reconciliar-se adoecer, recuperar-se, envelhecer e morrer são ações ou processos ligados às relações de parentesco e, quase sempre, escampam ao controle da pessoa.
De modo diverso ao que ocorre em outras relações sociais, a família caracteriza- se por certo modo de viver as relações que implicam em sexualidade e vínculos entre gerações. Pelo fato de o ser humano ser constituído como unidade composta por indivíduos masculinos e femininos (unidade dual), existe apenas na relação com outra pessoa. A diferenciação homem-mulher expressa a originária unidade dual que implica e ao mesmo tempo valoriza a identidade e a diferença. A mesma dignidade e direitos qualificam a identidade do ser humano. Nenhum homem ou mulher é capaz de vivenciar em plenitude, de esgotar por si só todo o potencial humano. Tem sempre diante de si o outro modo de ser irredutivelmente diferente do próprio. A multiplicidade de experiências existentes revela a profunda inquietação que o ser humano carrega na busca por novos modelos de convivência mais satisfatórios entre os sexos.

A unidade dual é dinâmica, dotada de plasticidade e exige reconhecimento e construção de novas formas de relações a cada momento no fluxo mutável das circunstancias históricas. Da consideração dessa unidade dual teve origem a chamada antropologia dramática (Von Balthasar, 1982). O ser humano, unidade dual, constata dentro de si uma carência que o abre para o outro, para o diferente, o que se encontra fora de si. Isso indica que a condição para a realização da pessoa é “ser para o outro”. O desejo de felicidade pode encontrar a plena satisfação somente através do outro, através do contínuo dom de si ao outro que concretamente nunca estará em condições de retribuir a esse dom, pois ele se abre ao mundo, sinal de uma realidade ainda maior. Entre as diversas soluções ensaiadas ao drama humano, na relação familiar se realiza o paradoxo da condição humana: “meu eu és tu”, como Romeu declara a Julieta na obra homônima.
Por oferecer experiências tão marcantes que acompanham a pessoa por toda a vida, a família é fonte de critérios que orientam as escolhas pessoais e sociais mais decisivas. A compreensão da riqueza inerente à família cria um clima de curiosidade a respeito do que se revelará no próximo Sínodo dos Bispos sobre a família, mais uma ocasião para conhecer o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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