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Passos N.163, Outubro 2014

VIDA DE CL / Carrón no Brasil

A visita de um amigo

por Isabella Santana Alberto

Três dias em três cidades diferentes, numa viagem de longas distâncias pelo Brasil. Foi essa maratona que padre Julián Carrón, presidente da Fraternidade de CL, percorreu para realizar encontros públicos em São Paulo, Manaus e Brasília nos dias 14,15 e 16 de setembro, respectivamente.

O tema proposto para todos os encontros foi a pergunta que Jesus dirigiu aos primeiros discípulos: “O que buscais?”. E em cada lugar, uma novidade. Na primeira parada, em São Paulo, cerca de 500 pessoas chegaram de dezenas de cidades do Norte ao Sul do país. Rose contou-nos a experiência com uma de suas filhas que tem uma síndrome . “Ela precisa mudar de escola, e eu gostaria que ela repetisse o 5° ano para a passagem ser mais sutil. Mas a legislação diz que as crianças especiais não podem ser retidas. Olhando para ela, estou em luta, porque percebo que ela me foi dada para ser amada e para ser feliz, e não para cumprir um simples ano escolar”. Carrón lhe agradece: “Falamos que o valor da pessoa está muito mais em ser amada do que em ser reconhecida, e este é um exemplo. Para ela, seria mais fácil deixar a filha prosseguir o percurso escolar, mas não quer se enganar. Tudo na vida depende de encontrar pessoas que nos amem assim”. Em seguida, Anelise falou da bonita amizade que vive e que deseja que faça parte de tudo: “Comecei a ficar muito incomodada ao perceber que estava planejando as férias com a família em um lugar da moda só porque todo mundo vai, e pensei com que critério uso o dinheiro, pois desejo que o dinheiro seja um instrumento para favorecer a experiência que estou fazendo. Desejo não reduzir o meu desejo, mas, ao mesmo tempo, percebo que me torno escrava de tantas outras coisas e perco o sentido”. A partir de sua colocação, Carrón esclareceu que, quando acontece algo bonito na vida, isso determina o relacionamento com tudo, e a pessoa deseja que isso alcance todos os detalhes da vida. Lembrou que Dom Giussani nos educou na vida do Movimento com o Fundo Comum: “Não é uma modalidade de arrecadar dinheiro, mas de entendermos o alcance daquilo que nos aconteceu”. Yasminne, estudante de medicina, falou da questão da política: “Com a proximidade das eleições, fui provocada a deixar de lado a apatia e me movi, mas tudo parecia um jogo. Este desconforto foi quebrado quando li seu comentário sobre Jesus que quebra os esquemas da samaritana que olhava a sociedade dividida. Não preciso de discussões. O que eu preciso é de uma Presença que desperte um olhar novo sobre o bem das pessoas”. Carrón afirmou: “Se não houver algo que continuamente redesperte o meu interesse por tudo, eu vivo apático. Tivemos a graça de encontrar alguém, como Giussani, que nos fez interessarmo-nos por tudo”. Por último, o relato de Fernanda. Ela contou o caminho de fé dos últimos meses, desde o nascimento de Helena, sua segunda filha, com má-formação na boca. Este fato a deixou em dúvida se poderia ser realmente feliz. Uma crise de apendicite a ajudou a tomar consciência de si e da realidade: “Fui observando que, quando tudo o que eu tinha planejado tinha dado errado, Deus estava cuidando de tudo, e eu me senti plenamente amada.
Comecei um trabalho sobre os textos da Fraternidade, e a companhia de alguns amigos foi fundamental para que eu entendesse que o problema da minha vida não é a fissura na sua boca ou o meu apêndice, mas a única possibilidade de transformar a dor em esperança é um relacionamento”. Carrón sublinhou que “Helena existe porque tem um amor na origem da sua vida que a faz existir e a levará a cumprimento. É isso que introduz em nós a esperança”.

No Norte do país. Atravessando 2.700Km, voa-se para Manaus, no Norte do país, a cidade portuária localizada no centro da floresta amazônica. Carrón teve ocasião de ir de barco até o encontro dos Rios Negro e Solimões, onde suas águas, de cores negra e barrenta, correm paralelamente, sem se misturar, por vários quilômetros formando um espetáculo de muita beleza. Naquele dia, junto com alguns amigos, padre Carrón co-celebrou uma missa junto com Dom Giuliano Frigeni, Bispo de Parintins. Lembrou-se especialmente dos irmãos cristãos perseguidos, num pedido de paz.
À noite, o encontro público na Casa Cultura e Fé, a sede do Movimento em Manaus. Na sala, a imagem de João e Pedro correndo ao sepulcro. O mesmo olhar dos 130 amigos ali reunidos. Neide falou do reconhecimento da graça e da dor por suas resistências, e Carrón revelou um novo modo de se olhar: “Deus não nos olha pelo que fazemos certo, mas pelo nosso desejo”. A jovem Letícia contou que se sente preferida aos 17 anos, e Sâmia recordou o olhar com que foi marcada 20 anos atrás e do qual não pode mais se subtrair. Lianne testemunhou seu renascimento, e o desejo de que o encontro que fez ajude a todos os que ela encontra. E Vanila, de 69 anos, falou da gratidão pelo encontro feito há 35 anos. Diante delas, Carrón afirmou: “É Cristo que faz existir, que faz vibrar os nossos olhos. Sem o reconhecimento d’Ele, fica só o sentimento. E quando a pessoa se dá conta daquilo que lhe aconteceu, a vida é diferente.
Não porque não erramos, ou não tenhamos mais problemas, mas porque podemos olhar tudo com a companhia de Cristo que está presente em cada fibra do nosso ser”. Para encerrar, um jantar com a comunidade, servido ali mesmo, que foi ocasião de reencontro com muitos amigos. As pessoas se sentiam em casa, o tempo passava e ninguém queria ir embora. Na manhã seguinte, Carrón fez uma visita à Escola Agrícola Rainha dos Apóstolos. Uma farta mesa de café da manhã para recepcioná-lo: empada de banana, bolo de macaxeira, pupunha, tucumã, suco de graviola e cupuaçu, dentre outras iguarias regionais. Numa pequena sala, alguns colaboradores iniciaram um diálogo com ele sobre a condução da obra. Pediram uma ajuda e Carrón contou algumas experiências, fez provocações: “O ponto de equilíbrio é decidido por nós ou pelo Mistério? A questão é obedecer ao Mistério que nos dá esses recursos para responder a uma necessidade, sendo realistas”.
Ao conhecer o espaço da escola, Carrón se lembrou de sua infância, de quando voltava para casa nas suas férias escolares e ajudava o pai a colher cerejas, “das 4h até as 20h”. Ele se maravilhou diante dos campos com cultivo de frutos e verduras e com criação de animais. E mais ainda com os meninos que se reuniram para ouvilo, e antes cantaram algumas músicas para recebê-lo. O aluno Cleison, do segundo ano do ensino técnico de agropecuária, deu um breve testemunho: “Quando cheguei aqui, vi que essa escola tem uma disciplina boa e comecei a dar valor a várias coisas que meu pai me dizia. Venho de família humilde, e meu pai sempre quis que eu tivesse uma vida boa e estudasse, e hoje estou aqui dando orgulho para o meu pai, e tudo o que eu sempre quis é ver um sorriso no rosto dele através de mim”. E Carrón também contou sua experiência: “Eu também sou de origem pobre, e meu pai era camponês, como o de vocês. Eu também queria fazer com que ele sorrisse. E isso acontecia quando eu podia ajudá-lo. Mas quando chegou a hora de eu ir para a escola, ele pensou mais na minha felicidade do que na comodidade dele. Eu sempre busquei responder a esse seu amor por mim, aproveitando o tempo e estudando. Nada pode deixar o pai mais contente do que ver o filho crescer”.

Conhecendo o cerrado. Corrida para o aeroporto e de lá para Brasília, capital federal. São três horas de avião e chega-se diretamente ao colégio Maristão, onde cerca de 150 pessoas se reuniram para a assembleia. Também ali, muitos amigos reaparecerem, e viam-se novos rostos, como Jonathas que foi logo cumprimentar Cirlene que lhe havia enviado um email. Ele disse: “Eu estava pensativo naquele dia e chegou o seu convite: ‘O que buscais?’. Por isso estou aqui”. Três belos cantos para iniciar e começaram os testemunhos. Ticiane falou das férias nacionais, e dos desafios que a vida lhe preparou ao seu retorno: um assalto e o falecimento do irmão. Fatos que viveu com dor, mas plena de certeza: Carrón afirmou: “Para chegar a essa certeza, é preciso ter feito um caminho de maturidade da fé. Vemos Cristo agindo em nós. Quando percebemos que a fé nos permite estar de pé diante de todas as circunstâncias, somos gratos”. Em seguida, Jomar fez uma pergunta sobre a convivência com o diferente, e Carrón ajudou a entender uma questão tão contemporânea: “Somos chamados a viver a fé em um contexto muito particular, como comportamento, ideias, valores totalmente diferentes. O Papa nos convida a ser uma Igreja em saída, a ir a todas as periferias. Na minha experiência, isso sempre foi ocasião de crescimento”. Por último, Débora contou o duro percurso de sua vida até aqui, e da gratidão pela família, dom de Deus. Diante de sua colocação, Carrón ficou entusiasmado por ver comprovada, mais uma vez, “a pertinência da fé às exigências da vida”. E afirmou: “Não somos poupados”.
Na manhã seguinte, um pouco de tempo foi dedicado a um passeio por Brasília. Debaixo de sol, no clima seco do cerrado, Biagio e Marília, muito bem preparados, explicaram a um pequeno grupo alguns pontos históricos da cidade – revelada em sonho a Dom Bosco em 1883 –, que começou a ser planejada e desenvolvida em 1956 por Lúcio Costa e pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Inaugurada em 21 de abril de 1960, pelo então presidente Juscelino Kubitschek, Brasília tornou-se a capital do Brasil. Vista de cima, a principal área da cidade se assemelha ao formato de um avião.
O último compromisso foi um almoço com um grupo de 30 amigos. De modo muito livre, as pessoas colocaram, como tema, as suas vidas: dificuldade no casamento, preocupação com os filhos que entram na adolescência, sentido do trabalho, importância da companhia, verdadeira preferência. Um diálogo intenso que culminou no convite a um trabalho estável, pois não existem atalhos. Para fazer o caminho de Dom Giussani e de Carrón, é preciso decisão e seguimento.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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