Panorama de uma semana de encontros que fazem mergulhar na realidade toda. A atualidade, a história, a educação, os gênios da literatura, o espaço. A possibilidade de participar do “olhar redimido” testemunhado pelo Custódio da Terra Santa e por muitos outros. O único modo para estar diante da vida e da morte, e para experimentar o quanto a esperança está presente
O Meeting pela Amizade entre os Povos, o Meeting de Rímini, pode ser descrito como uma grande feira cultural na qual circulam cerca de 800 mil pessoas e de 24 a 30 de agosto deste ano celebrou sua 35ª edição. Estruturalmente, trata-se de um conjunto de mesas-redondas, palestras e mostras culturais que, durante a última semana das férias de verão italianas, ocupa um enorme recinto de exposições na cidade de Rímini, um dos grandes balneários daquele país. Entre estandes de mostras culturais e empresas, praças de alimentação e auditórios capazes de abrigar milhares de pessoas, circulam famílias, jovens, crianças, empresários e políticos. Uma iniciativa que nasceu de um grupo de amigos de Comunhão e Libertação que desejavam divulgar a cultura e fazer intercâmbio de experiências com todos os que estivessem abertos, buscando julgar a realidade a partir do que viviam no carisma de Dom Giussani.
Um exemplo do que ocorre em Rímini posso descrever pelo encontro que presenciei. No estacionamento dos carros da polícia, no trajeto de um pavilhão a outro, dois homens se cumprimentam. São idosos. Um deles usa o terno preto com um colarinho clerical e uma cruz em miniatura; o outro, tem uma veste preta e estola cor de bronze, chinelos com sola de madeira e meias brancas, acompanhado por sua mulher, uma senhora pequena, sempre sorridente. Não falam a mesma língua, e comunicam-se com dificuldade em um meio-inglês. Não se conheciam, mas estão no Meeting pela mesma razão. Sabem, assim, alguma coisa um do outro, algo pelo qual nasce um olhar de simpatia, quase de cumplicidade. “Reze por mim”, diz o Bispo: “No Iraque, precisamos muito das suas orações”.
Conheço essas orações, as ouvi em 1987 e, outra vez, 25 anos depois, em 2012. Em uma capela escura, iluminada por tochas de madeira sagrada, o reverendo Shodo Habukawa recita fórmulas que transportam os presentes ao limiar do Mistério e, às vezes, até um pouco além. No meio de sons emitidos em uma língua incompreensível que pode ser apreciada como uma melodia da alma, aparecem nomes conhecidos, nomes próprios, como o de Dom Giussani. De um dos muitos mosteiros budistas do Monte Koya, no Japão, os nomes sobem aos céus como gotas confiadas ao eterno. A partir de hoje, será pronunciado também o nome daquele Bispo encontrado em Rímini, e através dele, os muitos nomes dos iraquianos sofredores.
No Meeting, sofremos muito pelos homens dilacerados, desfigurados, destruídos nestes nossos dias. Rezamos e amamos suas histórias. Ficamos todos tocados pela expressão usada por padre PierBattista Pizzaballa, Custódio da Terra Santa, no encontro de abertura: “Olhar redimido”. Sem este olhar, não é possível “captar” o mundo em chamas, não é possível “enxergar” a morte de um inocente. E nem mesmo dar-se conta dos fatos bons, dos habitantes de Aleppo que se organizam para garantir água a cristãos e muçulmanos, nem dos trezentos voluntários de Homs que ajudam o último Jesuíta, padre Hilal, a cuidar de oito mil famílias. Um olhar redimido tem diante de si a dor e o sangue, olha nos olhos os assassinos do califado, sabe lidar com a geopolítica e com o mundo diplomático. É o único modo de estar na vida e na morte. A única experiência capaz de dialogar com a realidade do outro. Um olhar redimido fiscaliza o Mediterrâneo percorrido por barcos de refugiados, e encontra pessoas que, antes de tudo, faz desta, uma ocasião para crescer em humanidade. Quem disse isso foi a siciliana Carla Trommino, que criou uma associação de acolhida para menores refugiados sem família, tendo como foco encontrar uma tutela amorosa para cada um dos meninos. E, com o almirante Giuseppe De Giorgi, também entendemos que a operação Mare Nostrum, com todas as suas problemáticas e vicissitudes, não seria possível sem uma abertura ao homem e à sua necessidade. Se não for assim, por que preocupar-se com o mísero povo dos migrantes?
Os pequenos do mundo. “Se nós não estivéssemos lá, eles pensariam que não existe mais nenhuma esperança no mundo”. Quando a mulher pronuncia essas palavras, há um frêmito de comoção no salão. A história, apresentada no documentário Las Patronas acontece no México, na fronteira com os Estados Unidos. Todos os anos, cerca de 400 mil imigrantes clandestinos provenientes das Américas Central e do Sul, usam de todos os meios para tentar atravessar a fronteira. Alguns tentam isso viajando durante dias e dias deitados no teto dos vagões de trens de carga. São “eles”. “Nós”, são três irmãs de uma família de camponeses que criaram uma extraordinária obra de assistência. Preparam comida e água e correm lançando pequenos pacotes com porções individuais aos clandestinos que estão nos trens, e rezam a Deus para que tudo corra bem. São os pequenos que salvam o mundo, afirmava padre Pizzaballa.
No Meeting sempre se escuta muito, mas esse ano houve muito para olhar também. Os documentários e os vídeos inovadores da exposição sobre Charles Péguy, onde trechos do escritor eram interpretados por atores. Na exposição sobre o trabalho da Fundação Avsi, organizada por John Waters, também havia um vídeo sobre “o método do eu” utilizado em Nairóbi (Quênia), em Quito (Equador) e em São Paulo (Brasil). E fotos, como na magnífica exposição “Parábolas do Oriente” proposta pela República da Armênia sobre as minorias cristãs do Iraque em Cipro, no Egito: uma chuva de imagens penduradas no ar que tornaram palpáveis os tantos testemunhos dos nossos irmãos.
Tarde da noite, um motorista voluntário me acompanha até o hotel. Está aqui com a mulher, que trabalha como voluntária nos restaurantes. Na segunda- feira, voltará ao trabalho e afirma que para ele a semana do Meeting dura muito pouco, “termina em um instante”, faltando tempo para visitar exposições e encontrar pessoas.
Entre elas, Mina e os jovens do grupo Swap, estudantes da Universidade Católica de Milão, filhos de imigrantes. Trouxeram aqui a sua experiência, através de uma exposição com fotos e textos sobre a revolução da Praça Tahrir, no Cairo. Há dois anos, seus coetâneos e seus compatriotas viveram juntos, cristãos e muçulmanos, os fatos e os sonhos de um breve período, sementes de desordens ainda em curso. O que ficou para esses jovens ítalo-árabes? Eles explicaram isso nestes dias para cerca de 14 mil visitantes: a consciência de que cada um de nós é uma periferia-centro, uma gota a qual todo o mar leva em consideração.
É algo misterioso, quase imperceptível e, no entanto, inexorável. Dom Silvano Maria Tomasi, Núncio em Genebra, dividindo- se entre a exposição sobre a “sua” Etiópia cristã, com as estupendas peças originais, e os numerosos compromissos, cita com frequência o início das crônicas do Evangelho, cujos protagonistas são um carpinteiro, uma menina, pescadores e o velho Simeão. Difícil imaginar marginalidade mais marginal, mas: acaso não foi essa periferia que mudou a história?
No fim da semana, o motorista também terá deixado de ver os acrobatas quenianos e os músicos armênios, mas eu não. Não quero renunciar aos
lampejos de gênio e de arte.
Duas atenções. Este Meeting universal, capaz de misturar complexidade e leveza, mística e lógica, abertura e identidade, e de atrair os mais diversos admiradores, parte do profundo e chega longe. No início do Meeting, o Papa Francisco indicou aos responsáveis e participantes “duas atenções particulares: ser amantes da realidade e ter o olhar fixo sobre o essencial”. Entre essas duas margens, realizou-se a viagem impetuosa de agosto de 2014.
De um lado, as repetidas viagens no tempo, guiadas pelo casal Giorgio e Marylin Buccellati e por seus colegas arqueólogos para chegar às próprias origens da vida social e da antropologia mesopotâmica e hebraica. Viagens que se cruzam com aquelas Do oytro, as viagens contadas pela exposição “Explorers”, sobre o espaço, e que mostram como quanto mais nos afastamos em direção à periferia, mais o homem aparece em toda a sua pequenez, e mais se vê a sua grandeza.
E mais. De um lado, a periferia segundo o filósofo ucraniano Alexander Filonenko: “Não uma situação geográfica, mas o lugar de um encontro onde o homem descobre a si mesmo e se torna vivo”. Do outro, a doença contada e testemunhada de modo comovente pela Dra. Marta Scorsetti. De um lado, a exploração do tema da gratuidade como chave da verdadeira justiça, e a questão dos novos direitos que “não são inimigos a serem enfrentados”, diz o jurista Tomaso Emilio Epidendio, mas desafios a serem aceitos. Do outro, o significado do amor (com “a” minúsculo, para indicar a realidade humana e terrena e cotidiana do amor) ilustrado pelo Bispo russo Panteleimon.
De um lado, a extraordinária visita do prelado da Opus Dei, monsenhor Javier Echevarría e a história admirável de uma fé que floresceu no seguimento humilde do carisma de São José Maria Escrivá. Do outro, as apaixonantes histórias de educação, que nasceram na obra de Portofranco e nas histórias norte-americanas de padre José Medina.
O resultado é que você olha em volta e entende um pouco mais também o juízo do sociólogo Mauro Magatti sobre Dom Giussani, que está na origem do Meeting: “Ele soube interceptar as palavras da contemporaneidade, revelar a sua redução e transformar o seu sentido”, abrindo-as a uma possibilidade de experiência nova e fascinante. E percebemos que ligação tem com o horizonte da Igreja de hoje delineado por Guzmán Carriquiry e pelo Cardeal Gualtiero Bassetti a partir da Evangelii Gaudium: “Como o pai do filho pródigo, precisamos acolher os nossos irmãos homens de braços abertos, e não apresentar a eles a lista dos seus erros”.
Em uma das palestras mais concorridas, padre Antonio Spadaro falou da “experiência humana e espiritual” do seu encontro com o Papa Bergoglio: “Ele diz que o jesuíta é uma pessoa de pensamento incompleto: sempre pensei que precisássemos ter ideias claras e distintas, mas é exatamente um papa jesuíta que diz que o nosso pensamento deve estar aberto em direção ao horizonte, tendo Cristo no centro”. A semana termina. É uma boa síntese deste Meeting movido a tração universal.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón