“JAMAIS PERCAM O FRESCOR DA NOVIDADE”
Desembarcamos em Roma na noite de quarta-feira. Vínhamos da Assembleia dos responsáveis de CL, ocorrida em Thuile, carregando na memória a beleza dos encontros, os testemunhos, a companhia de Carrón, a intensa amizade entre nós. É a noite anterior a um encontro muito esperado. Amanhã veremos o Papa Francisco, participaremos da missa às 7h da manhã na Casa Santa Marta. Falamos com nossos familiares e amigos, carregamos cada um deles em nosso coração, porque estamos ali graças à história que nos precede. Toca o despertador. Pulamos da cama e nos preparamos para o grande encontro. Antes de partir, recitamos o Angelus. Chegando à capela encontramos o Papa, que fala seguro, reforçado pelo encontro amoroso entre os seus pecados e o sangue de Cristo. De fato, parece que ele carrega os nossos pecados junto com os seus, como um verdadeiro amigo. Durante a homilia, nos diz que a nossa vida existe quando os nossos pecados, aqueles concretos, aqueles que podemos enumerar, identificar, se encontram com o sangue de Cristo; mas naquelas comunidades onde esse encontro jamais acontece ou foi esquecido, simplesmente não há vida. Terminada a missa, o Papa volta à capela e senta-se ao nosso lado. Rezamos todos em silêncio. Na saída, Francisco esperou para saudar pessoalmente cada um dos presentes. Diante de nós, uma jovem argentina, que havia saído de uma grave forma de tetraplegia, que havia narrado sua experiência num livro e veio para dar uma cópia dele a Francisco, porque o via “muito triste e queria alegrá-lo”. O Papa toma o livro e a abençoa carinhosamente. Nós nos aproximamos dele e nos apresentamos um por um: “Somos do movimento de Comunhão e Libertação na Argentina, estamos na Itália para participar de um encontro. Somos muito gratos ao senhor pela grande ajuda que nos dá ao colocar no centro a essência do cristianismo e não as suas consequências”. O Papa faz logo referência ao que parece considerar um valor central do nosso carisma: “Prestem atenção, não percam jamais o frescor da novidade; quando se perde isso, caímos nas consequências, começam as divisões, desencadeiam-se as lutas internas e depois se termina por fundar outro movimento. Não percam o frescor”. Contamos a ele que, na Argentina, para seguir a sua ênfase sobre a cultura do encontro, estamos organizando uma exposição sobre o bicentenário da independência latino-americana. A partir daí nasceram vários encontros. Francisco, concordando, nos diz mais uma vez: “Vão em frente, não percam o frescor”. Escutamos com atenção as suas palavras e o saudamos com afeto, pois estamos diante de alguém escolhido por Deus para presidir a Sua Igreja no amor. Saímos em silêncio, procurando imprimir na memória e no coração as palavras que acabamos de ouvir.
Fernando, Buenos Aires (Argentina)
A PERGUNTA QUE MUDOU TUDO
Estou levando a sério uma insatisfação que marca esta primeira semana de aula. Eu comecei embalado, cheio de entusiasmo e de interesse, mas um dia após o outro estou percebendo que isso não basta para um novo início. Está se revelando insuficiente gostar da matéria que leciono, gostar dos meus alunos. Aí, de repente, um dia acontece uma discussão na classe. Fala-se da história, de como explicar o século XX, e eu deixo transparecer a minha insegurança. Diante de mim, uma jovem com uma pergunta obstinada, frágil mas forte, quer saber se pode fazer um caminho de conhecimento: ela se interessa por isso, conhecer por si mesma. Fico impressionado com a sua insistência: eu gostaria de planejar o ano e tinha todas as razões para isso; ela, ao invés, busca. Foi um contragolpe que deu início a algo de novo em mim. Antes havia o meu interesse, o prazer de ensinar, mas faltava o meu eu, faltava a tensão de buscar algo para mim. E sob o olhar daquela jovem, comecei a entrar na classe não para despejar em cima dos alunos algo de bom para eles, mas para buscar o que também eles procuram.
Gianni, Milão (Itália)
VISITA A CHARTRES COM MEUS AMIGOS
Digo sem meios termos: não tenho o costume de rezar para Nossa Senhora. O clima burguês do contexto em que vivo e a minha educação certamente têm um papel nisso. O que não significa que Maria não tem lugar na minha vida. Creio no fato de que ela é a Mãe de Jesus, mas daí a uma natural devoção por ela há um longo caminho a percorrer. Minha “conversão” começou há alguns anos, com a peregrinação a Chartres, a convite de alguns amigos de Paris. Eu a conhecia por fotos e sempre senti atração por essa catedral, sem jamais ter estado lá. E nunca havia prestado atenção ao aspecto do culto à Virgem Maria, que está na origem de tudo. O que me levou a participar da peregrinação foi certamente a presença dos amigos. Este ano estive lá pela terceira vez. Ver chegarem diante do portal todos os amigos – este ano eram mais de cem –, que haviam feito um bom trecho do caminho a pé, recitar juntos o Angelus foi, como das outras vezes, um momento comovente. A missa na cripta também foi um momento muito forte. Esperando, próximo ao Portal Real, a hora de voltar para Paris, me perguntei por que o encontro com a Virgem Maria, neste santuário, não suscita em mim as resistências que sempre experimentei em outros lugares de peregrinação. Penso que em primeiro lugar é pela presença dos amigos: eu os vi rezando como crianças diante de uma estátua da Virgem Maria na penumbra da grande nave. E, depois, nessa catedral Maria habita como num maravilhoso cofre de pedra verdadeiramente digno dela. Ali tudo é sinal da Beleza que, através dela, entrou neste mundo. A Mãe de Deus pertence à cidade celeste e à cidade terrena, aqui onde nós caminhamos com dificuldade para chegar um dia lá onde ela agora está.
Klaartje, Gand (Bélgica)
O MILAGRE DA VIDA
No meio da noite, acordei assustado. Genaina sentia fortes dores e sangrava. Duas semanas atrás eu recebia a melhor notícia da minha vida: seria pai! Agora, no dia do nosso aniversário de casamento, nosso mundo virava de cabeça para baixo. Fomos rapidamente para o que muitos diziam ser o melhor hospital de Rio Branco. Lá chegando, tudo escuro, fechado. O recepcionista recomendou ir para outra clínica. Passamos em outros dois centros de saúde até conseguir atendimento na maternidade. Esse percurso foi angustiante. Eu me sentia impotente diante do sofrimento de minha esposa. Enquanto dirigia o carro, me veio à mente a imagem da sagrada família, dois mil anos atrás. Por analogia, entendi a angústia de José, procurando um local para o nascimento de seu Filho. Quando tivemos o prognóstico de que possivelmente Genaina sofrera um aborto, me recusei a acreditar. Faltava uma ultrassom para confirmar. Eu rezei, chorei, pedi a Deus que não o levasse. Chegamos na maternidade por volta das 4h da manhã. Devido a precariedade do atendimento, ela só fez o ultrassom por volta de meio-dia. Foram as mais longas horas de minha vida. O médico confirmou o prognóstico inicial. Foi um soco no estômago. Mas o resultado não foi muito esclarecedor. Não entendo muito de fisiologia. Mas ainda tinha uma esperança de que nossa criança estivesse escondida no útero ou trompa da mãe. Foi difícil, tentei ser forte para passar força para Genaina. Na prática, foi ela que me consolou. Decidimos que era melhor ela viajar para Aracaju, nossa cidade natal, para lá ser melhor atendida, refazer exames e passar pelo procedimento que fosse necessário. A verdade é que desconfiava do médico local. A viagem foi arriscada, mas concordamos que seria melhor assim. Nossa criança, de fato, tinha partido. Não costumo ser muito emotivo, mas chorei copiosamente. Foi difícil. Com o tempo, fui me acalmando. Contudo, percebi que minha postura não era justa. Ao invés de enfrentar o drama de frente e procurar entender o que Deus nos queria dizer com tudo aquilo, estava simplesmente tentando seguir em frente ignorando qualquer significado maior. Percebo que o simples “um dia após o outro” não me basta. É como se eu estivesse fugindo da realidade, colocando pra “debaixo do tapete”, por não entender a situação. Não consegui dar a má notícia para amigos que algumas semanas atrás eu havia informado que seria pai. Tentei colocar no papel o que vivi, mas não conseguia. Isso me incomodou. Hoje, nove dias após o ocorrido, li o testemunho de minha esposa, e minha mente clareou. Ela é um sinal constante da presença de Cristo em minha vida. Com seu testemunho, pude rever outros sinais que se fizeram presentes durante todo esse drama. Os amigos pelas mensagens de ânimo e orações. Meu pai que, não por um acaso, estivera pela primeira vez em Rio Branco nos visitando no final de semana do fato, e nos apoiou como pôde. Entendi um pouco mais sobre o amor, que não é um mero instinto, não é um sentimento puramente nosso. Como uma criança, com poucos meses de concepção, poderia provocar um sentimento de amor tão profundo em seus pais? Materialmente falando, não há explicação. O milagre da vida aconteceu e nada pode apagar esse fato. O que existiu, nem que por um milionésimo de segundo, não pode voltar jamais a não existência. Nosso filho foi pensado por Deus, foi gerado e amado por Ele. Ponto. Entendi bem a assertiva de que Deus fala não só através de palavras, mas de atos. Aqui não somos poupados do drama, da cruz, mas essa cruz ganha sentido diante da eternidade. Não perdemos um filho, ganhamos um anjinho que agora ora por nós e que, com fé em Cristo, um dia vamos reencontrar.
Ailton, Rio Branco (AC)
“DEUS NÃO TE OBSERVA COM O TELESCÓPIO”
Caro padre Julián, sou um psicólogo do trabalho e dou consultoria para empresas e organizações sem fins lucrativos, junto com dois colegas. Com um deles, compartilho a pertença ao Movimento; a outra sócia, ao invés, não participa dessa experiência. Recentemente me pediram para participar de uma iniciativa da Fundação Avsi na Albânia, voltada para o desenvolvimento da equipe local. Infelizmente, não me era possível atender ao pedido. Pensei em envolver o meu colega do Movimento, mas ele também não podia. Assim, com um pouco de preocupação, solicitei a disponibilidade da nossa colega. A preocupação não era, certamente, com a competência dela. Eu me preocupava um pouco com a sua experiência pessoal, temia que lhe escapassem alguns elementos que caracterizam o trabalho da Avsi, que derivam da nossa história e do carisma do Movimento. Para ajudá-la, trabalhei bastante no projeto da nossa intervenção, mesmo sabendo que, depois, concretamente, tudo podia ser mudado, pois para fazer bem o nosso trabalho precisamos seguir o que acontece, mais do que a nossa ideia. Afinal, ela partiu e desempenhou a sua função com grande satisfação, sua e dos outros participantes. Depois nos encontramos no escritório e ela quis me contar o que tinha acontecido. Um dos conteúdos que havíamos decidido abordar era um discurso seu sobre “o olhar” que gera desenvolvimento. Havíamos decidido enviar primeiro o texto aos participantes, de modo a realizar com eles uma assembleia. Durante o workshop, a minha colega teve que preparar essa assembleia junto com alguns responsáveis da ONG. Na Itália, eu havia dito a ela que não se preocupasse com o texto de Carrón, pois certamente ele seria “interpretado” por outra pessoa. Chegada a hora, quem havia efetivamente trabalhado o texto era justamente a minha colega. Ela havia levado a coisa a sério, tanto que fizera um trabalho de comparação com alguns temas por ela abordados na universidade e na tese. Discutindo o assunto na véspera da assembleia, disse que a questão do olhar é importante: para poder trabalhar juntos é preciso saber olhar. Mas uma das responsáveis diz que “aqui, porém, Carrón entende um outro olhar”. Ela pensa um momento e aí replica: “Mas por quê? Você acha que Deus nos olha com o telescópio? O olhar de Deus está no olhar de quem está ao seu lado e trabalha com você”. Silêncio. Aí alguém pergunta: “Mas você não tinha dito que não era de CL? Em dez minutos você nos levou a fazer a Escola de Comunidade”. E ela me disse hoje: “Nem sei o que é a Escola de Comunidade!”. Veja o que pode produzir uma atitude séria e a comparação com a própria humanidade, ao passo que nós, com frequência, somos muito ideológicos.
Stefano, Milão (Itália)
Credits /
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón