Pelo nono ano consecutivo, a Companhia das Obras promoveu a Coleta de Alimentos no Brasil. A seguir, o relato do que ocorreu em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, como um exemplo no qual podem se identificar os participantes das 55 cidades envolvidas no evento realizado no dia 8 de novembro
Uma amiga minha, que se chama Maria Elvira, participou da Coleta pela terceira vez, e relatou que nesse ano se sentiu “familiarizada” com o gesto, pois já sabia se posicionar, abordar as pessoas, e que, no fim, sentiu que algo diferente havia acontecido naquela manhã. Escutar os relatos de Elvira e ver a felicidade que testemunhava foi importante, pois, assim como eu, tem a Coleta de Alimentos como parte importante de si, como um gesto que nos ensina e “nos faz mais nós mesmos”.
Não era acontecimento somente para nós, os voluntários, mas também para os funcionários dos mercados, que reagiam com diferentes expressões: risos, estranhamentos, perguntas, entre outras. Inês criou um “jingle” enquanto abordava no mercado em que estava coordenando. Juntou-se com suas educandas que foram ajudá-la como voluntárias e, após anunciar no microfone a Coleta, cantaram juntas o jingle criado. Todo o mercado escutou! Vários sorrisos apareceram, e com eles, várias doações chegaram ao posto da Coleta. Ela relatou que no final da tarde o gerente do supermercado veio ao seu encontro com o rosto assustado e pediu-lhe ajuda para anunciar que uma menina estava perdida, pois para ele era muito difícil usar o microfone. O gesto da Coleta era de fato para responder a todas às necessidades.
Os vendedores de revista que dividiam o mesmo espaço que nós nessa mesma loja, no final do trabalho deles, perguntaram onde poderiam nos encontrar, se iríamos voltar no domingo. O promotor disse: “Com vocês aqui o trabalho ficou mais leve. O dia passou rápido e estou contente”.
Uma colegial, Luisa, não queria que acabasse a Coleta e queria mais e mais. Ao final, conversando, chegou-se a conclusão que o nosso desejo é grande e aquilo que procurávamos ali, naquele o nosso desejo é de Infinito.
A Maria Eduarda, outra colegial, contou que a partir da Coleta aprendeu um gesto muito simples: aceitar os panfletinhos que as pessoas distribuem na rua, pois é muito triste não ser olhado. “Não é só para pegar o papel, mas olhar a pessoa. Não esquecerei nunca mais essa experiência.”
Uma senhora que chegou cedo ao mercado para fazer as compras ficou muito impressionada com aqueles adolescentes e se interessou em doar. Fez suas compras e doou meio quilo de macarrão. Após os agradecimentos ela se foi, mas em seguida voltou e disse: “Por favor, rezem por mim. Eu estou desempregada, não tenho mais a pensão do meu marido e me sinto só”. Quanta ternura! Era Cristo presente naquele momento. Acontecia ali diante dos nossos olhos a mulher do Evangelho que doou suas duas moedinhas.
Ajudar livremente. Nathalia participou pela primeira vez da Coleta, e afirmou que sua timidez e seu curto temperamento a fez ter receio, pois sabia que era preciso abordar as pessoas. “Mas eu estava decidida em participar e dar o meu melhor, afinal eu serviria a Deus e sei que Ele nos chama pelo nome, portanto me senti privilegiada e disposta para corresponder a esse amor. Chegando lá pela manhã vi a importância desse gesto de chegar até uma pessoa com um sorriso de quem tem a alegria de Cristo dentro de si. E todas as pessoas que eu abordei retribuíam com um sorriso também. E esse gelo que eu ainda tinha dentro de mim foi se quebrando.” Nathalia levou muitos amigos de sua paróquia, e se impressionou em como o gesto os tocou: “Na hora que a maioria foi embora, um deles não quis ir. Relatou que estava gostando muito, resolveu ficar mais tempo e acabou indo ajudar na triagem dos alimentos após a Coleta, feita no salão da Catedral São Pedro de Alcântara. Observando isso me questionei o quanto as ações desse sábado o provocaram. Um menino de 13 anos que passou todo o sábado no mercado ajudando na Coleta, e, no final, preferiu continuar ajudando de livre e espontânea vontade por mais algumas horas”.
Em um dos mercados, uma senhora, que tinha cerca de 60 anos, doou 2 quilos de arroz e disse: “Que lindo chegar ao mercado e ver jovens dispostos a ajudar os outros, jovens que poderiam estar em suas casas fazendo suas atividades ou então perdidos na vida, como vemos tantos por aí.” Ela estava emocionada.
Durante e após o gesto, muitos dos voluntários postaram nas redes sociais: “Um dia de muita alegria e muito trabalho! Foi o Dia Nacional da Coleta de Alimentos! Trabalhamos o dia inteiro em busca de compartilhar as necessidades, para compartilhar o sentido da vida!” – foi uma parte do que minha amiga Gabriela escreveu em sua página.
Eu, ao fim do dia, pude fazer um juízo dessa felicidade sentida durante todo o dia por todos os outros voluntários. Após terminada a triagem e divisão das arrecadações (era por volta de 23h30), voltando para casa observei na rua pessoas indo para “balada”, outras bebendo, rindo, enfim, em diferentes formas de diversão. Enquanto caminhava e via essas cenas, concluí que eu não gostaria de trocar o que tinha vivido naquele sábado por nada, e me senti agradecido por ter sido presenteado com todas as experiências que presenciei. A Coleta me fez recordar um testemunho que escutei de um amigo alguns anos atrás: ele achava que só poderia contar com Cristo dentro de uma igreja, pois tinha sua imagem à cruz, mas que, tempos depois, havia entendido que Ele era presente em experiências do seu dia-a-dia, e assim poderia ter Sua companhia a qualquer momento. Está aí! A Coleta de Alimentos me fez entender melhor essa provocação de meu amigo.
Na segunda-feira seguinte, dia 10/11, convidamos todos os voluntários e amigos para assistirmos a uma missa em ação de graças pela Coleta. Em sua homilia, padre Moisés relacionou, de forma bem interessante, a palavra “escândalo” (que em grego significa “obstáculo”) com a Coleta, pois obstáculo é tudo aquilo que aparece em nossa frente e chama a nossa atenção; da mesma forma era o encontro de quem chegava aos supermercados e nos encontravam fazendo o gesto. Ao fim da missa, meu amigo colegial Wellington, que me ajudou intensamente no dia 8, se impressionou ao saber que já havia data marcada para a Coleta no ano que vem, e me disse que já esperava pelo dia 7 de novembro de 2015.
“Olhos de céu”. Aprendi a ter muita responsabilidade com a função de Coordenador do gesto na cidade, na qual estou desde 2012. No entanto, Inês me alertou no início dos preparativos para essa 9ª edição, para que eu não me perdesse no meio das organizações. E era verdade! Eu não queria, em nenhum momento, desviar o meu olhar d’Ele. Assumo que essa é minha dificuldade, mas gostaria de citar algo que me ajudou muito.
Em 1° de outubro, à tarde, eu tinha um encontro com um dos responsá¬veis da Comunidade Jesus Menino, entidade que cuida de crianças, jovens e adultos especiais (aos quais eles chamam de “filhos”) que foram abandonados por seus pais biológicos. Chegando ao local já se faz uma experiência muito tocante, pois se vê quanta vida há naquele lugar e naqueles especiais que lá vivem. Foi a primeira vez que visitei o local. Após a conversa, conheci as instalações e já na saída me deparei com Alex, que deve ter cerca de 30 anos, e tem deficiência visual. Em 2013, Alex participou durante 3 horas da Coleta em um dos mercados, e também foi à missa feita em ação de graças. Ao me aproximar dele, perguntei se lembrava de mim. “Sim! Aquela missa que participamos na Catedral, belíssima!”. Após um tempo conversando, reafirmou sua vontade de fazer a Coleta: “Mas não quero chegar já no fim, como no ano passado, quero ficar o dia inteiro!”.
Enquanto voltava para casa me sentia maravilhado com a experiência daquela tarde, mas não conseguia dar um juízo. À noite, fui à Escola de Comunidade (EdC) e cantamos “Ojos de Cielo”. Enquanto prestava atenção na letra, defini: os “olhos de céu” sobre os quais fala a letra foram, naquela tarde, os olhos do Alex, para mim! Aqueles olhos que têm bastante dificuldade em enxergar imagens, mas que carrega um olhar marcado por Ele, e que, por isso, enxerga muito melhor, até mesmo, que os meus olhos saudáveis, no ponto de vista biológico.
Ali entendi que posso vê-Lo durante todo o meu dia, em diversas experiências, e mesmo assim “esquecer-me” (o que faço com frequência) de me dar conta da Presença d’Ele. Eu não quero que essa experiência que o Alex me proporcionou (e por isso eu o agradeço) seja um maravilhamento comum e que tempos depois eu me esquecerei. Quero que os “olhos de céu” do Alex, que tem nos seus o olhar d’Ele, determinem o meu olhar para tudo em minha vida. Foi com esse desejo que comecei a Coleta de Alimentos deste ano: ter nos olhos os Olhos de Céu!
Era consenso entre mim e todos que foram voluntários na Coleta em Petrópolis (RJ): estávamos com o corpo todo dolorido, principalmente aqueles que ficaram o dia inteiro participando do gesto. Havia cansaço sim, mas era repleto de gratidão por sermos amados e escolhidos por Ele para vivermos momentos tão intensos de Sua Presença.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón